Daniel Brito Juliana Boechat Fonte: Correio Braziliense 26/03/2010
A chuva forte da tarde de ontem não impediu que o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) recebesse o abraço simbólico de entidades contrárias à intervenção federal no DF. O movimento, encabeçado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) local, reuniu aproximadamente 60 pessoas e culminou com a entrega de um manifesto ao ministro Cezar Peluso, que assume a presidência do STF em menos de um mês, em substituição a Gilmar Mendes. A carta (veja íntegra ao lado) é assinada por 57 entidades, entre partidos políticos, representantes de classes e sindicatos que temem por uma decisão do Supremo em favor da suspensão da autonomia política do Distrito Federal.
O presidente da seccional do DF da Ordem dos Advogados do Brasil, Francisco Caputo, e o vice, Emens Pereira, pretendiam entregar o manifesto ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes. Ele é o relator da ação protocolada no Tribunal em 11 de fevereiro pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pedindo a intervenção no Distrito Federal como forma de manter a ordem política após os escândalos deflagrados na Operação Caixa de Pandora.
Mas, como Gilmar Mendes está viajando, Peluso deixou a sessão por uns minutos para receber os representantes da OAB. “O ministro ouviu nossos argumentos. Entregamos a ele o manifesto e uma carta da primeira composição da Câmara Legislativa. Esperamos que eles ouçam nosso pedido”, explicou Francisco Caputo. Ainda não há previsão para o caso ser discutido no plenário do STF.
Caputo acredita que não há pressa para a análise desse caso, uma vez que a cidade está funcionando bem sem interferência externa. Saímos confiantes do encontro. Achamos que o caso ficará para o mandato de Peluso. Não há mais aquela emergência de decidir se haverá ou não intervenção”, afirmou. Mendes deixará a Presidência do Tribunal para o ministro Cezar Peluso em 23 de abril. O atual presidente afirmou na semana passada que pretende julgar a intervenção antes de passar o cargo.
Às 16h20, os signatários do manifesto deram as mãos e gritaram “não à intervenção”. Caputo afirmou que o DF é capaz de restabelecer a credibilidade política sem interferência externa. “Confiamos na sensibilidade jurídica e na capacidade técnica dos ministros do STF. E, como eles (ministros)moram em Brasília, pedimos que olhem com carinho essa questão tão importante”.
O servidor aposentado João Paixão, 56 anos, tentou participar do ato, mas foi barrado pela segurança porque não trajava terno e gravata. Debaixo da marquise, ensopado pela chuva forte que teve de enfrentar, reclamou: “Se eu soubesse, teria vindo de smoking. Esse Gurgel quer colocar um ministro que não conhece Brasília para ser governador”, criticou, referindo-se ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Preocupação
Uma das signatárias do manifesto proposto pela OAB-DF, a presidente da Associação Comercial do Distrito Federal, Danielle Moreira, acredita que a intervenção representaria um retrocesso para a capital do país. Segundo ela, a economia do Distrito Federal sentiu o reflexo da crise política. E Danielle prevê consequências piores com uma possível interrupção dos trabalhos em algumas instituições e a indicação de um nome do governo federal ao Palácio do Buriti. “Três indústrias suspenderam contratos com o GDF. Além disso, ninguém vai querer fechar convênios para a Copa do Mundo de 2014 com uma cidade ou um país que está sob intervenção”, alegou.
A questão econômica e trabalhista preocupa também o presidente da União dos Proprietários de Trailers, Quiosques e Similares do DF, Luiz Ribeiro. Ele explicou que o Projeto Quiosque Legal, que padronizaria os pontos existentes na área central de Brasília e regulamentaria a profissão, está interrompido em virtude da crise. “Todo o nosso projeto se perdeu. Se com a crise política foi assim, com a intervenção será um verdadeiro caos. Estamos dispostos a enfrentar tudo e todos para evitar que isso ocorra”, defendeu Ribeiro.
O presidente do Conselho Nacional da OAB, Ophir Cavalcante, não pôde participar do ato porque está em viagem. No abraço simbólico ao STF, Cavalcante foi representado pelos conselheiros Meire Monteiro e Délio Fortes Lins e Silva. Depoimentos // Por que sou contra a intervenção
‘Intervenção é golpe’ “A OAB está representando os legítimos interesses da população do DF. Somos radicalmente contra a intervenção. A única intervenção que pode ser feita é a do eleitor, em outubro, nas urnas, colocando no governo quem acha que deve colocar. Não há clima para a intervenção. O mais difícil foi Juscelino Kubitscheck construir Brasília. Por que agora não vamos reagir a esse pequeno problema sozinhos? Intervenção é golpe”. Emens Pereira, advogado e vice-presidente da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF)
‘Seria um retrocesso’ “Temos a certeza que a intervenção causará um prejuízo econômico ainda maior do que já estamos sofrendo. Brasília tem condições de resolver a questão obedecendo a linha sucessória sem prejuízo para o setor produtivo. A intervenção federal aqui no DF seria um retrocesso, além de formar um caos absoluto.” Danielle Moreira, presidente da Associação Comercial do Distrito Federal
‘Intervenção é repressão’ “A intervenção não é a forma democrática de resolver os problemas do DF. Quem quer a intervenção, quer calar o povo de Brasília. Em vez disso, precisamos encontrar soluções democráticas, que não firam a Constituição Federal. E só então conseguiremos tirar a capital federal deste momento de crise. Intervenção, para a nossa categoria, é sinônimo de repressão do brasiliense. Somos totalmente contra.” Antônio Bispo, presidente da Associação dos Corretores de Imóveis do Distrito Federal
‘A autonomia tem que prevalecer’ “A nossa classe está muito preocupada com a ameaça de intervenção no Distrito Federal. Não a queremos de jeito algum. A interferência federal causaria desemprego e interrupção de mais de 1,2 mil obras sociais que estão em andamento e não podem parar. A autonomia do Distrito Federal tem que prevalecer. Só com a crise política a nossa categoria já ficou prejudicada. Imaginamos que com a intervenção seja ainda pior”. Luiz Ribeiro, presidente da União dos Proprietários de Trailers, Quiosques e Similares do Distrito Federal
‘Todos vão sofrer muito’ “Temos que manter a governabilidade e a independência de Brasília. As instituições públicas estão funcionando, não há por que haver a interferência federal. A intervenção seria ruim não só para a população do DF, mas também para o governo nacional. O país ficará parado. E a capital do Brasil não tem condições de ficar com a máquina parada. Todos vão sofrer muito com isso”. Etevaldo Silva, secretário-geral da Federação das Associações Comerciais, Empresariais e Industrial do Distrito Federal (FaciDF)
‘Seria um desastre’ “A Constituição Federal deve ser respeitada. Ela é dura, mas é a lei. E deve ser cumprida. Dizemos ‘não’ à intervenção e à paralisação do Distrito Federal. Há outras formas de manter a normalidade como, por exemplo, por meio de eleição indireta. A Lei Orgânica foi adaptada à constituição, então ela também pode ser seguida. Que se cumpra a lei. Caso contrário, seria criado um verdadeiro desastre na capital federal.” Jafé Torres, grão-mestre da instituição maçônica Grande Oriente do Distrito Federal
‘Golpe às instituições públicas’ “A intervenção no Distrito Federal representaria um golpe às instituições públicas e à população da capital. Casos de interrupção da autonomia da unidade a gente sabe como começam, mas não pode prever como termina. Temos 65 mil pessoas empregadas nas obras que estão em andamento em todas as cidades do DF. Há o caderno de encargos da Fifa para que sejamos uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. Tudo isso será prejudicado se chegarmos a essa decisão extrema”. Elson Ribeiro e Povoa, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal