O CUSTO DE LITIGAR

Fonte: O Estado de S.Paulo

Embora a elaboração do novo Código de Processo Civil tenha por objetivo racionalizar a tramitação dos processos judiciais, adequando o sistema de prazos e recursos à realidade social e econômica contemporânea, o projeto que tramita no Senado já começou a sofrer fortes pressões corporativas.

A principal ofensiva partiu da Advocacia-Geral da União (AGU). Em ação articulada com os advogados-chefes da Procuradorias-Gerais dos Estados, o advogado-geral Luiz Lucena Adams procurou o relator do projeto, senador Valter Pereira (PMDB-MS), com o objetivo de propor uma alteração nos dispositivos que tratam da fixação dos honorários advocatícios, especialmente nos casos de derrota da União dos Estados, quando a Fazenda Pública tem de arcar com a chamada sucumbência – o pagamento dos honorários dos advogados da parte vencedora.

Hoje, segundo o inciso 4.º do artigo 20 do Código de Processo Civil, os honorários são fixados com base na “apreciação equitativa” dos juízes, que costumam definir um valor entre 10% e 20% do valor da causa. O projeto do novo Código Civil mantém o tratamento equitativo, para efeitos de remuneração dos advogados, e estabelece como parâmetro legal o mínimo de 10% e o máximo de 20% do valor da condenação.

A fim de proteger os cofres públicos, o advogado-geral da União e os procuradores-gerais dos Estados querem reduzir esse parâmetro para um mínimo de 5% e um máximo de 10%. Adams alega que, como a União é ré na maioria dos processos na Justiça Federal, os custos da sucumbência para o Tesouro Nacional são altos. Os procuradores-gerais dos Estados também argumentam que a institucionalização desses parâmetros vai onerar os Tribunais de Justiça.

Além disso, dizem eles, como há milhares de ações envolvendo valores vultosos, quase sempre movidas por cidadãos e empresas contra atos das autoridades econômicas, o valor dos honorários de sucumbência que União e Estados têm de pagar pode chegar a milhões. “Já tivemos ações judiciais que envolviam cerca de R$ 1 trilhão. De acordo com o novo texto do Código de Processo Civil, se a União tivesse perdido essas ações, seria obrigada a pagar R$ 100 milhões aos advogados que atuam no caso”, afirma Adams.

A OAB reagiu de modo contundente à reivindicação da AGU e das Procuradorias-Gerais. O presidente da entidade, Ophir Cavalcante Jr., classificou a proposta de Adams como uma tentativa de “achatamento de honorários”. Outros líderes da categoria lembraram que, enquanto tenta reduzir o valor do que tem de pagar aos advogados nas causas em que é derrotada, a AGU está patrocinando o Projeto n.º 5.080/09, que muda a Lei de Execução Fiscal, determinando que os honorários devidos à Fazenda Pública, nos litígios em que for vencedora, sejam fixados com base no valor da dívida.

De fato, a proposta de redução dos parâmetros para fixação dos honorários de sucumbência e a ambiguidade nas reivindicações da AGU parecem se inserir na mesma lógica de esvaziamento dos direitos de cidadãos e das empresas inerentes à Emenda Constitucional n.º 62, que instituiu o “regime especial para pagamento de precatórios”. Aprovada em novembro do ano passado, a emenda institucionalizou o calote, ao permitir ao poder público pagar preferencialmente suas dívidas judiciais aos credores que se disponham a conceder vultosos “descontos”.

O fato é que a redução à metade dos honorários de sucumbência para “preservar a Fazenda Pública” permitiria à União e aos Estados litigar à vontade, sem correr maiores riscos, uma vez que o valor a ser pago aos advogados dos contribuintes, em caso de derrota, seria baixo.

A proposta da AGU e das Procuradorias-Gerais dos Estados é descabida. O que esses órgãos pretendem, na realidade, são mais vantagens para o poder público em suas pendências judiciais. Por isso, o senador Valter Pereira não deve acolher essas pretensões que podem desfigurar o projeto do Código de Processo Civil.