Por Alessandro Cristo
Enquanto tramita na Câmara dos Deputados, sob críticas, projeto do novo Código de Processo Civil feito pela comissão de juristas nomeada pelo Senado e já aprovado na casa, uma nova proposta pretende apaziguar os ânimos ao aproveitar as novidades, mas excluir itens que geram divergências. O Projeto de Lei 2.963/2011, do deputado Miro Teixeira, foi apresentado em dezembro do ano passado e, neste mês, direcionado à comissão especial da Câmara que avalia os projetos relacionados ao tema, inclusive o PL 166/2010, do Senado.
A nova proposta segue a linha do que foi aprovado no Senado. Não extingue, no entanto, os agravos retidos e os embargos infringentes, nem diminui o tamanho dos agravos de instrumento. A principal diferença é que os juízes não ganham os poderes cautelares e antecipatórios que o PL 166 criou. De outro lado, ficam mantidas ideias que conseguiram consenso, como a conciliação no início do processo, o desaparecimento da exceção de incompetência e da impugnação ao valor da causa, a citação eletrônica e os incidentes de desconsideração da personalidade jurídica e da resolução de demandas repetitivas. Ficam também as menções ao tratamento da advocacia e da defensoria públicas, da assistência judiciária e a modernização da disciplina dos honorários, do duplo grau obrigatório e do agravo de instrumento.
Um dos superpoderes tirados dos juízes no projeto de Miro Teixeira é o de deferir cautela de ofício, para além do pedido feito pelas partes, de forma genérica e não baseada em regra expressa. O juiz também deixa de poder intervir na atividade empresarial e de alterar prazos processuais ou inverter a ordem de produção das provas como bem entender, como aprovado no Senado. O texto do projeto da Câmara também exclui artigo que diz expressamente que o magistrado pode decidir com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade. Para os críticos, menções abstratas podem dar ensejo a arbítrios e decisões sem base legal.
Retornam o arresto, o sequestro, a busca, a apreensão e o arrolamento de bens, excluídos da proposta no Senado. O novo projeto devolve também a exceção de suspeição do juiz, mas mantém excluída a exceção de incompetência, julgada em paralelo ao processo principal. Esse tipo de discussão passa a ser feita dentro do próprio processo.
O projeto de Miro Teixeira também inclui o agravo retido, retirado pelo Senado. Esse tipo de contestação fica retida dentro do processo para ser apreciada em tempo oportuno e permite ao juiz voltar atrás em uma decisão. Voltam ainda procedimentos especiais como a ação monitória, o usucapião, a nunciação de obra nova, a prestação de contas pelo devedor e a consignação em pagamento em caso de dúvida.
A proposta permite que conciliações sejam feitas por câmaras privadas. As pessoas jurídicas, associações ou tabelionatos poderão criar suas próprias câmaras de conciliação. Hoje, isso só existe para causas extrajudiciais. No projeto do Senado, essa atividade foi atribuída ao Judiciário, mas Miro Teixeira propõe tirar a exclusividade da Justiça. Dessa forma, assim que um processo começar, o juiz poderá ordenar a conciliação em uma câmara privada.
Professor Costa Machado – 24/02/2012 [Divulgação]Cai também a limitação do agravo de instrumento para apenas 10 itens. O novo projeto amplia para mais hipóteses, como quando o juiz indefere pedido de prova pericial ou de exibição de documento, ou se fixa honorários em valor exorbitante. Pela proposta do Senado, todas essas contestações só seriam julgadas na apelação, o que hoje chega a demorar três anos em alguns casos. “Se isso passar, os advogados irão entupir os tribunais com mandados de segurança”, alerta o professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP Antônio Cláudio da Costa Machado (foto). O professor foi um dos autores dos 2,5 mil comentários sugerindo mudanças no projeto do Senado em consulta pública feita pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. O resultado da consulta foi entregue no dia 8 de fevereiro pelo secretário Marivaldo Pereira ao deputado Sérgio Barradas (PT-BA), relator, na Câmara dos Deputados, da proposta do Senado.
Miro Teixeira também devolve os embargos infringentes, em que uma votação por maioria em segundo grau é feita novamente caso o voto vencido seja no mesmo sentido da decisão de primeiro grau. “Isso qualifica as decisões. Se nem o tribunal se entende, por que não admitir?”, questiona Machado. Segundo ele, o recurso é usado em apenas 2% das causas. Mesmo assim, a proposta desagrada a julgadores dos tribunais, que consideram o recurso mera postergação da solução final.
Pondo fim à discussão criada pela Emenda Constitucional 66, de 2010, o projeto restabelece a possibilidade de separação consensual. A chamada emenda do divórcio tornou mais simples os procedimentos ao deixar de exigir a separação judicial de um ano ou a separação de fato de dois anos para se deferir o divórcio. No entanto, a emenda não deixou claro se a separação consensual ou litigiosa foi extinta. Segundo especialistas, mesmo que isso tivesse ocorrido, a emenda dependeria de uma alteração no Código Civil ou na Lei do Divórcio, a Lei 6.515/1977.
De outro lado, pelo Projeto 2.963 ficam mantidos a antecipação de tutela e os procedimentos específicos do processo cautelar. Também permanecem o incidente de resolução de demandas repetitivas e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, inseridos no CPC pelo Senado. O projeto mantém a reformulação sobre o tratamento dos honorários advocatícios, que define parâmetros para a redução quando a Fazenda Pública é derrotada. Em caso de valores expressivos, o teto é de 1%. As previsões de prestação de assistência judiciária pela defensoria e pela advocacia públicas ficam mantidas conforme definição do Senado, assim como o auxílio direto de um juiz em relação ao outro, sem formalidades rigorosas, como no caso de colaboração para se ouvir testemunhas ou para fazer diligências.
Entre 12 de abril e 16 de maio de 2011, o Ministério da Justiça colheu opiniões sobre as mudanças propostas no Senado. Ao todo, foram colhidos 2,5 mil comentários e sugestões acerca de cada um dos 1.007 artigos do projeto. A Secretaria de Assuntos Legislativos resumiu o resultado em mais de cem sugestões de alteração.
Em outubro de 2009, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), instaurou uma comissão de juristas para elaborar o anteprojeto do novo CPC. Em 8 de junho de 2010, a comissão entregou o anteprojeto ao presidente do Senado. Entre os diversos pontos abordados no anteprojeto estavam a redução do formalismo processual e do número de recursos, o incentivo ao uso da mediação como meio para a solução de conflitos e a criação mecanismos que permitam a solução conjunta de demandas repetitivas.
Para Clito Fornaciari Júnior, professor e membro das Comissões de Direito Civil e de Direito Processual Civil da International Bar Association, a existência de órgãos conciliadores fora da Justiça prejudicam a observância das regras do devido processo legal. Ele concorda, no entanto, com a limitação de poderes aos juízes em relação ao uso de princípios como os da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade. “São regras que servem para alimentar a lei e não para interpretar a lei”, diz. “O devido processo legal exige regra expressa e muito clara de processo, a fim de que a lei processual não seja apenas aquilo que o juiz entende que deve ser.”
Segundo ele, com as seguidas mudanças, a proposta de um novo Código se aproxima ainda mais do atual, o que põe em dúvida a real necessidade de novo regramento. “A mudança de uma lei processual é mais problemática do que a mudança de uma lei de direito material, pois se mexe na ferramenta, no modo de se trabalhar e não no conteúdo das questões”, afirma.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2012