Cristovam Buarque
A crise é ponto de derrocada ou oportunidade de renascimento. Pode significar risco de morte do que existe ou oportunidade do nascimento de algo novo. A crise que nós, brasilienses, atravessamos na véspera de nosso cinquentenário, não é diferente. Podemos nos paralisar, passarmos por brasileiros que não sabem votar nem ser eleitos e perdermos autonomia para nos governar. Ou podemos reorientar nossa forma de fazer política e servir de exemplo para o resto do Brasil. Até porque, se hoje a crise desaba sobre o DF, ela está presente, em graus diferentes, em todas as unidades da Federação.
Chegamos a um ponto em que o Brasil pensa na necessidade de intervenção federal no Distrito Federal, como acontecia ao longo de nossos primeiros 30 anos, quando éramos vistos como uma cidade juvenil, sem condições de se autogovernar. Nosso último interventor foi Joaquim Roriz, nomeado pelo presidente Sarney. Em 1990, o próprio Roriz foi eleito governador pelo voto direto e reeleito mais duas vezes, como foram eleitos dois outros governadores. Seis eleições depois, chegamos a 2010 com a imagem de incapacidade para governar.
A decisão da intervenção é a falência política do DF, exigindo que o sistema Judiciário peça ao poder federal que tome conta da gestão da cidade. Não significa falência da democracia, porque é feita seguindo a Constituição, mas é a falência da política. Será a volta ao passado. Brasília está diante de duas alternativas: reconhecermos nossa incapacidade para governar ou lutarmos para encontrar uma nova forma de fazer política, de elegermos e sermos eleitos com seriedade e competência.
O primeiro passo dessa reorientação consiste em reunir as forças vivas do Distrito Federal para formalizarmos o compromisso: “Corrupção Nunca Mais”. Personalidades, líderes políticos, dirigentes partidários, sindicais, intelectuais, religiosos juntos, admitindo que temos responsabilidade com nossa cidade, com nossos filhos, hoje perplexos, sem entenderem o que fizeram os que votam e os que têm mandatos.
Podemos definir um conjunto de objetivos e instrumentos para que a administração de Brasília seja exemplo de ética nas prioridades da política e no comportamento dos políticos. Com base nessa confluência, buscaremos alguns compromissos mútuos.
1. Repudiar candidatos que passem desconfiança; escolher candidatos com passado limpo e propostas inovadoras. De preferência, buscar novos nomes. E que cada candidato abra mão de imunidade parlamentar, sigilos bancários e fiscal; comprometa-se a ter seus filhos em escolas públicas e a usar o serviço público de saúde.
2. Formar um Conselho Social de Gestão do DF, sem remuneração, integrado por representantes da sociedade civil organizada, para acompanhar e fiscalizar as ações dos futuros governos. Esse conselho deve proceder à rigorosa revisão dos critérios e procedimentos de licitação, ao estabelecimento de novos critérios para preços máximos nas licitações públicas, à imposição de um deságio nas obras em andamento — considerando as recentes evidências de superfaturamento.
3. Criar um portal da transparência que dê acesso irrestrito a quem queira acompanhar as contas da administração direta, das empresas públicas, autarquias e fundações do GDF.
4. Exigir que cada candidato apresente informações éticas sobre seu passado, divulgando seu perfil, especialmente sua ficha jurídica e policial.
5. Realizar auditoria externa independente em todas as contas da administração direta e indireta nos 20 últimos anos e rescindir todos os contratos das empresas envolvidas no atual escândalo de corrupção.
6. Limitar drasticamente o número de servidores em cargos de confiança com nomeação por livre provimento do governador.
7. Retomar o Orçamento Participativo em todos os investimentos a serem feitos pelo GDF.
8. Revisar integralmente o Pdot, para inibir a especulação imobiliária e a venda desenfreada de terras públicas, conservando áreas de proteção ambiental, mananciais, parques ecológicos e áreas de vegetação nativa e combater a invasão de terras públicas.
9. Revisar a concessão de benefícios fiscais, atualmente em execução.
10. Construir conjunto de metas para que Brasília seja uma referência nacional na ética das prioridades políticas: educação, ciência e tecnologia, defesa e conservação do meio ambiente.
Assim prepararemos nossa maior herança para as gerações futuras. E, sobretudo, transformaremos a vergonha que atravessamos diante de nossos compatriotas em exemplo para o resto do Brasil. Transformaremos nossa crise em nossa chance.
Fonte: Correio Braziliense 27/02/2010