Ministra do TST defende que o Direito tem papel fundamental para colocar fim a discriminações entre homens e mulheres no mercado de trabalho

Maria Cristina Peduzzi fez palestra Magna na celebração do Dia Internacional da Mulher da OAB/DF; entrega da Medalha Myrthes Gomes de Campos

Ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, abordou o tema “Participação Feminina nos Centros de Poder”.

Na celebração da entrega da Medalha Myrthes Gomes de Campos pela Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) a 10 mulheres que são referências em serviços prestados à Justiça, ao Direito e à sociedade (leia mais aqui), a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, proferiu a palestra Magna “Participação Feminina nos Centros de Poder”, destacando que a luta contemporânea na sociedade é a favor da “forma igualitária” entre os gêneros para questões como: salário, reconhecimento profissional, ascensão a postos de chefia e ocupação em espaços de poder.

A ministra discorreu sobre a evolução do conceito de trabalho, ao longo da história, destacando vozes de mulheres, como Hanna Arendt, filósofa de origem judaica, uma das mais influentes pensadoras do século XX. Peduzzi lembrou que “já estudamos a história a partir das perspectivas dos homens”, sendo que “quem conta a história define os seus protagonistas e dessa forma reafirma e exerce poder”. Para ela, agora “é fundamental ouvir a voz das mulheres que têm contribuído de forma ímpar para o mundo do trabalho”. Ter uma nova perspectiva, “menos incompleta”.

“Hoje vou citar aqui apenas mulheres. Não que os homens não mereçam ser mencionados, mas especialmente hoje, no Dia Internacional das Mulheres, devemos ouvir e interpretar a história sob a perspectiva feminina. Essa visão das mulheres, principalmente no mercado de trabalho, explica essas transformações que estamos vivendo”, disse a ministra.

HANNA ARENDT

A pensadora Hanna Arendt resgata que na antiguidade clássica o trabalho era visto como “algo menor” e “próprio dos animais”. Por essa razão, todas as atividades necessárias à manutenção da própria vida eram delegadas a escravos. Papel servil. Já a “atividade libertadora e tipicamente humana, para os antigos, era a política e a vida pública”, esclareceu a ministra.

É na Era Moderna que se valoriza o trabalho produtivo, com distinção entre o trabalho manual e o intelectual. Hanna Arendt lembra que pensadores como Adam Smith e Karl Marx valorizavam o chamado trabalho produtivo por entenderem que seria o que “enriquece o mundo”, conferindo, consequentemente, menor valor às tarefas domésticas.

Esse tipo de entendimento sobre a valorização do trabalho remunerado e sobre o desprezo por tarefas domésticas, como as de cuidados com a casa e com a família, ou ainda no papel de reprodução da mulher, de acordo com Hanna Arendt, perpetua-se no inconsciente coletivo. “Até os dias de hoje afeta a forma como é feita a divisão sexual do trabalho”, concorda Peduzzi.

Para a ministra do TST, a sobrecarga do trabalho tido como “invisível”, mas que é fundamental para a sobrevivência de todos, recaiu bem mais sobre as mulheres, e isso impede, muitas vezes, que se dediquem por mais tempo na construção de suas carreiras no mercado de trabalho remunerado e que alcancem posições de maior poder.

HELENA HIRATA E DANIÈLE KERGOAT

O contexto de valorização de trabalhos, na visão de autoras, trará depois a distinção entre trabalhos masculinos e as tarefas femininas. Mais estudiosas abordam essas questões, como Helena Hirata e Danièle Kergoat. Elas trazem conceito de “divisão sexual do trabalho”. Para elas, estabeleceram-se trabalhos tipicamente de homens e outros próprios de mulheres, havendo ainda uma hierarquia, pois trabalhos de homens possuem maior valor social e assim surge a dualidade entre esfera pública e doméstica. “Desigualdades sistemáticas”, explica Peduzzi.

“O avanço das mulheres demonstra que não faz mais sentido dividir o trabalho entre o feminino e o masculino, onde éramos relegadas simplesmente ao trabalho doméstico e aos cuidados com a família. Profissões como medicina e advocacia eram exclusivas para homens. Nem jogar futebol as mulheres podiam. Avançamos muito em busca dessa igualdade e da liberdade, mas ainda temos que avançar muito mais, pois somos minoria nos espaços de poder e de liderança”, reforçou.

ROSA MONTERO

A ministra recomenda a leitura do livro “Nós Mulheres: Grandes Vidas Femininas”, da escritora e jornalista espanhola Rosa Montero: “Já no prólogo dessa obra, Rosa Montero afirma: ‘Há uma história que não está na história e que só pode ser resgatada aguçando os ouvidos e escutando o sussurro das mulheres’ e, na conclusão, a autora constata: ‘quanto mais adentramos no mar remoto do feminismo, mais mulheres nós descobrimos, fortes ou delicadas, gloriosas ou insuportáveis, mas todas interessantes’, e ela quer dizer que essas mulheres fizeram história, inclusive no mundo do trabalho.”

Ao final da palestra, a ministra pontua a existência de mulheres empoderadas “mesmo antes de Cristo”. Tivemos cientistas, empreendedoras, mulheres que desempenharam os mais diversos papéis, resgatadas na obra de Rosa Montero. Portanto, para a ministra, é importante refletir sobre o apagamento e o silenciamento da contribuição das mulheres para o mundo do trabalho.

Por fim, Peduzzi lembra das dificuldades das mulheres no mercado de trabalho até mesmo no sistema jurídico. Ela fez uma reverência ao histórico esforço de Myrthes Gomes de Campos, pioneira no exercício da advocacia no Brasil, nome cuja medalha outorgada pela OAB/DF vem prestar justas homenagens a quem se destaca no cenário jurídico do DF na defesa dos direitos, dos interesses e da valorização das mulheres e de suas prerrogativas. “Ela mostrou seu valor logo em sua primeira defesa no Tribunal do Júri ao enfrentar um promotor experiente e tido como imbatível. Pois ela conseguiu absolver seu cliente, o que fez a imprensa da época declarar que ‘a novata triunfou’. Ela é um paradigma para todas nós mulheres, pois demonstrou nossa capacidade e competência contra todo o preconceito existente”

CONCLUSÕES

“Mulher e trabalho são dois substantivos intrinsecamente relacionados, ao longo do tempo, para além de qualquer estereótipo criado e institucionalizado, além das normas sociais vigentes e, principalmente, além dos registros acadêmicos”, acentuou a ministra do TST, para apontar que há obras já disponíveis que podem levar o leitor a reconhecer que as mulheres são minoria em espaços de poder porque não alcançaram, até o momento, paridade em cargos de gestão e liderança, em empresas privadas e no setor público.

CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE

Ao finalizar sua palestra Magna, Peduzzi trouxe o pensamento da escritora Chimamanda Ngozi Adichie, no livro “Sejamos todos feministas”, texto em que afirma “ser obsoleta a visão de que os homens devem permanecer nos postos de liderança e centros de poder de forma dominante ou exclusiva, por razões ditas naturais ou biológicas”.

A ocupação de espaços no mercado de trabalho remunerado e nas posições de poder não se circunscrevem a questões de nome nem de gênero, mas sim são típicas do ser humano, concorda Peduzzi.

O que se busca agora, ao ver da ministra do TST, é trazer a igualdade que está na forma da lei (formal), para a vida no mercado de trabalho. “Temos conquistas a produzir!” Ela destaca que, para tanto, o Direito tem papel fundamental. Defende políticas públicas, incentivos privados e ações afirmativas para que “o trabalho da mulher seja igualmente valorizado e remunerado.

“Se hoje ainda somos minoria em cargos mais importantes dentro da iniciativa pública e privada, isso só comprova a necessidade de políticas públicas que nos garantam esses espaços. Ainda existe muito trabalho a ser feito até que a igualdade seja de fato uma realidade, como prega nossa Constituição”, disse Peduzzi.

Clique aqui e confira a cerimônia na íntegra. A entrega da Medalha Myrthes Gomes de Campos.

Texto: Esther Caldas, Euclides Bitelo e Montserrat Bevilaqua
Fotos: Valter Zica
Comunicação OAB/DF – Jornalismo