MAIS DEMOCRACIA, MENOS INTERVENÇÃO

Arlete Sampaio*

BRASÍLIA – O atual momento político por que passa o Distrito Federal inspira cuidados. Como partícipe da luta pela representação política, compreendo o significado pleno daquele movimento pela autonomia. Queríamos libertar, também, o DF, do regime ditatorial. Queríamos a participação popular, a existência de instâncias políticas representativas do nosso povo. Mesmo que, para alguns de nós, como eu, isso pudesse ser insuficiente, seria um passo necessário. A primeira eleição para o governo do DF foi em 1990. Joaquim Roriz, nomeado governador no fim da década de 80 por José Sarney, então presidente, fez uma verdadeira ginástica política para seguir governando o DF, ao arrepio da legislação que, na época, não acatava a reeleição. Ao seu lado, lideranças forjadas sob as asas da ditadura, principalmente do ponto de vista econômico, trouxeram graves consequências para o futuro da capital federal. Em 1994, a surpresa: uma Frente Democrática e Popular ganhou as eleições e governou Brasília entre 1995 e 1998. Baseou seu governo na participação popular, com o orçamento participativo e os vários conselhos de políticas públicas. Realizou uma revolução na saúde pública e na educação. Implantou a paz no trânsito e o respeito à faixa de pedestres, que permanece ainda hoje na consciência cidadã dos brasilienses. Nosso governo – do qual tive a honra de ser vice-governadora – navegava em direção oposta aos rumos nacionais. O Brasil vivia o seu tempo neoliberal, com redução de gastos públicos, privatizações, submissão ao Consenso de Washington. Certamente esse quadro limitou, em muito, a nossa ação local, vide a negativa do governo FHC em avalizar empréstimos junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para investimentos em urbanização e em saneamento. Governamos com honestidade, com ética, com participação. Mas, subterraneamente, o bloco político em torno de Roriz rearticulava a volta ao governo, impedindo a continuidade das políticas do governo Cristovam/Arlete. Foram dois mandatos que construíram um poder baseado na mais profunda promiscuidade entre o público e o privado, na troca de favores, no clientelismo, rompendo toda a lógica republicana que norteou o nosso governo. Em 2002, a reeleição de Roriz foi questionada na Justiça Eleitoral, pois revelou práticas ilícitas, já denunciando o esquema Codeplan/Durval/empresas de informática. Quem tiver acesso ao processo votado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), lá vai encontrar “o fio da meada” dos escândalos de hoje. Em 2006, Roriz lançou a candidatura de sua vice-governadora, mas, na prática, apoiou a eleição de José Roberto Arruda. Afinal, para se eleger senador, precisava dos votos de seus amigos e pupilos, e Arruda despontava como franco favorito. A minha candidatura ao governo sofreu os influxos da crise ética do PT, amplificada pela mídia antipetista. Os escândalos do governo Arruda/Paulo Octávio revelaram a continuidade dos métodos mais condenáveis da velha política brasileira. É só analisar a composição política da base de apoio do governo local. São poucas as novidades. Ao comemorar 50 anos, Brasília precisa repensar os seus caminhos. Jamais o retrocesso, mas, sem dúvida, uma profunda tomada de consciência de que o seu futuro está vinculado ao aprofundamento da democracia, a uma participação cidadã mais efetiva, à escolha responsável dos melhores projetos que representem esse passo à frente. Portanto, é “com alegria desolada; um olho sorrindo, outro chorando”, citando Shakespeare, que devemos enfrentar este momento. Esta é a hora dos cidadãos e cidadãs de bem, de todos os que amam Brasília e que a querem livre e saudável, reunirem seus esforços para mudar a cultura política na capital federal.

* Ex-vice-governadora do Distrito Federal e ex-deputada distrital.

Fonte: Jornal do Brasil 21:19 – 26/02/2010