Helena Mader
Para conquistar a sua autonomia política, a população do Distrito Federal teve que enfrentar 26 anos de luta e muita mobilização. Depois de protestos, passeatas e assinatura de manifestos, a sociedade brasiliense conquistou o direito de eleger seus representantes. Agora, quase 25 anos depois da primeira eleição direta, a cidade vai se unir novamente para garantir essa conquista. A Ordem dos Advogados do Brasil no DF mobilizou 54 entidades, entre partidos políticos, associações comunitárias e representantes do setor produtivo, para formar um grande movimento popular contra a intervenção federal. O primeiro ato está marcado para a próxima quinta-feira. A partir das 16h, integrantes do movimento vão dar um abraço simbólico no prédio do Supremo Tribunal Federal, para defender a autonomia do DF.
O pedido de intervenção apresentado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, será analisado pelo STF até o mês que vem. O relator do caso é o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes. Depois de apresentar seu parecer, ele submeterá o pedido à análise do plenário do STF. O ministro pode ainda realizar audiências públicas para discutir o assunto antes de elaborar seu relatório.
Além do abraço simbólico, os representantes do movimento contra a intervenção também vão entregar um manifesto ao presidente do STF. No texto elaborado pelas entidades signatárias, os representantes repudiam as denúncias de corrupção no governo e no Legislativo, exigem uma apuração rigorosa dos fatos, mas destacam que os serviços públicos estão sendo prestados normalmente — o que demonstraria que as instituições não foram atingidas pela crise política.
O presidente da OAB-DF, Francisco Caputo, explica que a ideia do abraço ao STF é mostrar que a sociedade apoia e confia no trabalho do Supremo. “Brasília confia muito na capacidade técnica e na sensibilidade jurídica dos ministros. Mas queremos provar que não há necessidade de decretação de intervenção. Por mais grave que seja a crise, nossas instituições estão funcionando”, afirma o advogado Francisco Caputo.
Constituição
No manifesto que será entregue nas mãos de Gilmar Mendes, os apoiadores do movimento contra a intervenção citam a Constituição Federal de 1988. O texto estabelece os critérios para a eventual nomeação de interventores para os estados e municípios. Pelos princípios constitucionais, a União pode usar essa medida apenas para manter a integridade nacional, repelir invasões estrangeiras, garantir a ordem pública e assegurar o livre exercício do poder nos estados e no DF. Além disso, a Constituição autoriza a intervenção quando é necessário reorganizar as finanças de unidades da Federação que decretarem moratória, para garantir o cumprimento de leis e ordens judiciais e para assegurar a observância dos princípios constitucionais.
Para o movimento contra a intervenção, não há justificativas para a decretação dessa medida na capital federal. “No atual momento da história do Distrito Federal, a intervenção seria inconstitucional por representar um ato de violência contra o pacto federativo e contra todos os cidadãos que moram e trabalham em Brasília — a capital de todos os brasileiros”, diz o manifesto. “Seria um retrocesso à democracia tão duramente conquistada”, conclui o texto.
Uma das preocupações do movimento contra a intervenção é o impacto que isso teria na economia do Distrito Federal. O presidente da OAB-DF teme a paralisação de obras públicas e, com isso, o aumento do desemprego. “Atualmente, mais de 50 mil pessoas trabalham nas obras que estão em andamento. A paralisação poderia gerar um caos social”, afirma Caputo. “O setor produtivo já tem sentido os impactos da crise política. Hotéis, lojas e taxistas registram movimento menor desde o fim do ano passado”, acrescenta.
Eleição indireta
Para o ex-ministro do STF Carlos Velloso, as instituições estão funcionando bem e, portanto, não haveria motivos para o Supremo decretar a nomeação de um interventor. Para ele, a preocupação agora deve ficar em torno da realização de eleições indiretas, como determina a Constituição Federal. “A crise política jamais pode ser interpretada como justificativa para uma medida excepcional e patológica, como a intervenção. O que precisa ser observado agora é a sucessão constitucional”, afirma o ex-ministro, que presidiu o STF entre 1999 e 2001.
O procurador-geral do Distrito Federal, Marcelo Galvão, também apoia o movimento. Ele destaca a importância da participação de toda a sociedade na luta pela garantia da autonomia política. “A crise é grave, mas as instituições estão respondendo com eficiência. Os serviços públicos essenciais são prestados de forma normal, regular”, destaca o procurador-geral do Distrito Federal.
Para Marcelo Galvão, nenhuma das hipóteses previstas na Constituição está presente no DF, para justificar a nomeação de um interventor. “Nenhum princípio democrático ou republicano está sendo ferido. Propor uma intervenção federal no DF não faz sentido porque temos uma normalidade institucional na cidade, todos que aqui vivem sabem que o cotidiano de Brasília não foi modificado pela crise política”, garante o procurador. “A intervenção não é boa para a cidade, nem para a população. Sobretudo, às vésperas de Brasília comemorar seus 50 anos”, defende.
Assuntos técnicos
Atualmente, os ministros do Supremo Tribunal Federal só pedem a realização de audiências públicas quando as votações são em torno de assuntos mais técnicos, como as cotas raciais nas universidades ou a liberação de células-tronco em pesquisas.
Lista das 54 entidades Associação Brasileira de Bares e Restaurantes do Distrito Federal (Abrasel-DF) Associação Brasileira dos Construtores Associação Brasiliense das Agências de Viagens (Abav) Associação Brasiliense de Peritos em Criminalística do DF Associação Comercial do Distrito Federal Associação de Jovens Empresários do Distrito Federal (Aje/DF) Associação dos Criadores do Planalto (ACP) Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) Associação dos Idosos e Pensionistas do DF (Asaprev) Associação dos Procuradores do Distrito Federal Associação Geral dos Servidores da Polícia Civil do DF (Agepol) Caixa de Assistência dos Advogados do DF Câmara Legislativa do DF Câmara Vereadores Comunitários de Taguatinga Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil Central Única dos Trabalhadores do DF Confederação Brasileira dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap) Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) Confederação dos Servidores Públicos no Brasil (CSPB) Confederação dos Trabalhadores do Transporte Terrestre (CNTT) Confederação Nacional das Profissões Liberais Confederação Nacional dos Empregados de Empresas de Créditos Confederação Nacional dos Metalúrgicos Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino e Cultura Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreos na Pesca e nos Portos Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Conta) Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio Confraria dos Cidadãos Honorários de Brasília Conselho Regional de Administração Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF Federação dos Empreendedores do Brasil Federação dos Empregados no Comércio do Paraná Fórum Nacional da Advocacia Fórum Sindical dos Trabalhadores Nova Central Sindical dos Trabalhadores O Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon- DF) Partido da República (PR-DF) Partido Democrata Trabalhista (PDT) Partido Social Brasileiro (PSB-DF) Secretaria de Justiça (Sejus) – apoio técnico aos conselhos tutelares Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Distrito Federal Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Distrito Federal (Sindhobar) Sindicato dos Delegados de Polícia do DF (Sindepo) Sindicato dos Jornalistas Sindicato dos Médicos do DF Sindicato dos Procuradores do DF União Geral dos Trabalhadores União Geral dos Trabalhadores União Sindical Independente
Fonte: Correio Braziliense 21/03/2010