OAB/DF defende rotulação de produtos que causam alergia

Brasília, 6/5/2015 – Representando o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a secretária-geral da OAB/DF, Daniela Teixeira, e o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Seccional, Fernando Freitas, participaram, nesta quarta-feira (6), de audiência pública sobre alergênicos, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A OAB/DF defende a rotulação dos alimentos que causam alergias alimentares, já que eles podem causar danos e morte, especialmente nas crianças.

Mais de 80 empresas participaram da audiência, mas apenas a Seccional, o Movimento “Põe no Rótulo”, de mães de alérgicos, cuja diretora é a advogada de São Paulo Cecilia Cury,  e o Ministério da Justiça defenderam o direito dos consumidores. “A proteção da vida e da saúde das crianças não comporta ponderação de princípios econômicos em nenhuma hipótese”, defendeu Daniela Teixeira. O representante da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, Gabriel Reis, agradeceu a presença da OAB e ratificou a posição de respeito ao consumidor.

Os representantes da Seccional entregaram um manifesto, no qual defendem princípios constitucionais, como o direito à informação. “Entre o interesse da indústria, que alega impossibilidade logística de rotular alimentos alergênicos, e o interesse dos consumidores, que alegam prejuízos à saúde pela falta de rotulagem, deve prevalecer, sem sombra de dúvida o interesse dos consumidores”, diz o texto.

As empresas alimentícias alegam que é impossível a rotulagem dos produtos alergênicos em curto espaço de tempo, como os 12 meses previstos na regulamentação da Anvisa. “A criança tem fome, e quem tem fome tem pressa. A proteção que a criança pede, e que tem direito constitucional, não pode esperar 36 meses”, criticou Daniela. “Até lá, ela já terá deixado de ser criança, já terá sofrido sequelas, internações hospitalares, choques anafiláticos e, a pior tragédia, morte”, lamentou.

Leia o manifesto entregue pela Seccional:

Senhores membros da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA,
Ilustres representantes das indústrias,
Combativos membros da sociedade civil presentes,

A OAB comparece à esta audiência pública para cumprir sua honrosa missão de defensora da Lei, da Justiça, dos Direitos Humanos, da Ética e da Constituição Brasileira.

Nossa ordem jurídica não inclui a OAB no lugar comum dos demais órgãos de fiscalização profissional, pois sua função é ambivalente: ao lado de sua luta pelos interesses corporativos em favor da classe profissional que representa, os advogados, a OAB também possui uma finalidade institucional de proteção do interesse público primário, da supremacia da Constituição, e do primado dos Direitos Humanos.

A Lei Federal nº 8.906/94, em seu art. 44, estabelece que A OAB tem por finalidade “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.

E a OAB tem cumprido sua missão de guardiã vigilante, atenta para que a Constituição não seja desrespeitada pelo poder econômico.

Aqui nesta audiência pública há aparente choque de princípios constitucionais.

As empresas alegam que o art. 170 da Constituição lhes assegura colocar no mercado um produto composto por ingredientes lícitos, de venda não controlada, que não precisam ser rotulados, afinal, trata-se de leite, soja, amendoim e ovo.

As associações de alérgicos e as instituições de defesa dos consumidores alegam que o mesmo artigo 170 da Carta lhes dá suporte para exigir o controle dos produtos industrializados que possam colocar em risco à proteção e à saúde dos consumidores.

De fato, o artigo 170 prevê que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;

E prevê em seu Parágrafo único: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

A aparente contradição tem desfecho simples pela ponderação de princípios, que se faz sempre à luz da proporcionalidade e razoabilidade. A conjugação desses princípios resulta que a liberdade econômica ou liberdade de empresa não representa um valor absoluto, devendo sempre respeitar os direitos do consumidor.

Entre o interesse da indústria, que alega impossibilidade logística de rotular alimentos alergênicos, e o interesse dos consumidores, que alegam prejuízos à saúde pela falta de rotulagem, deve prevalecer, sem sombra de dúvida, o interesse dos consumidores.

A melhor doutrina constitucional mostra a importância de se assegurar os direitos do consumidor, como garantia da própria dignidade da pessoa humana.

A Constituição elevou a defesa do consumidor a direito fundamental (art. 5º, XXXII) e princípio da ordem econômica (Art. 170, V).

A defesa do consumidor está prevista na Constituição de 1988 como um direito fundamental do homem, relacionando, claramente, a defesa do consumidor com os direitos humanos.

Os direitos do consumidor são direitos humanos que protegem o respeito à dignidade, à saúde e à segurança do homem como destinatário final das relações de consumo.

O exercício da livre iniciativa não pode ser exercido pelas indústrias alimentícias em caráter absoluto. Deve observar os princípios que lhe regem, dentre os quais, repita-se, o da defesa do consumidor.

Havendo conflito, ainda que aparente, entre os princípios da defesa do consumidor e da livre iniciativa, aquele deverá prevalecer, pois deve ser considerada a dignidade da pessoa humana como princípio vetor de toda a ordem constitucional e que se sobrepõe à própria ordem econômica, vez que elevada a princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF).

Considerada a prevalência do interesse do consumidor, é impossível tratar de sua proteção sem considerar seu direito à informação e à saúde.

O direito à informação adequada, suficiente e veraz é um dos pilares do direito do consumidor. Não se pode sustentar à luz da nossa legislação que o consumidor não tenha direito de saber os ingredientes que compõem o produto que está colocado no mercado.

Além de estar previsto no rótulo, o ingrediente deve ser de fácil e imediata compreensão pelo consumidor. O uso de nomes técnicos que dificultam ou impedem o consumidor de saber o que está consumindo deve ser proibido por esta agência.

Quando a indústria se utiliza de nomenclaturas como Lactoalbumina, Fosfato de lactoalbumina, Caseína, Caseinato de cálcio, Caseinato de amônia, dentre outras nomenclaturas químicas, está omitindo do consumidor uma informação vital e que pode ser transmitida de forma muito simples: “este produto contém leite”.

Com fundamento no direito do consumidor, que inclui o direito à informação, esta agência regulatória deve impor à industria de alimentos que sejam claros e precisos sobre a composição de seus produtos, nos exatos termos da Constituição e da lei consumerista.

Além da proteção do consumidor, outro aspecto deve ser levado em consideração por esta Agência, que é a condição da criança como prioridade absoluta, prevista expressamente em nossa Constituição:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente explicita o princípio constitucional e define o conceito de “garantia de prioridade”, que compreende:
a) a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
É exatamente do que se trata nesta audiência pública. O direito das crianças de serem protegidas, tratadas como prioridade na elaboração da política pública de rotulagem de alimentos realizada por esta Agência.

Estamos tratando do direito à alimentação, à saúde e à vida de nossas crianças.

Os produtos alergênicos causam danos e morte especialmente nas crianças. A proteção da vida e da saúde das crianças não comporta ponderação de princípios econômicos em nenhuma hipótese. Nenhum aspecto operacional, logístico ou financeiro pode se sobrepor ao direito à vida e à saúde das crianças brasileiras.

Aqui tratamos de direitos prioritários e indisponíveis. Não se pode abrir mão deles nem por um dia. Muito menos por 36 meses.
Os interesses empresariais, que se fundam em aspectos meramente econômicos e de logística industrial, não podem se sobrepor aos interesses constitucionalmente protegidos dos consumidores e, especialmente, aos interesses das crianças, que são prioridade absoluta na Constituição Federal.

A criança tem fome, e quem tem fome tem pressa. A proteção que a criança pede, e que tem direito constitucional, não pode esperar 36 meses. Não pode esperar um dia, e nem uma refeição sequer. Até lá ela já terá deixado de ser criança, já terá sofrido sequelas, internações hospitalares, choques anafiláticos e, a pior tragédia, morte.

A alegação das empresas de impossibilidade de rotulagem dos produtos alergênicos em curto espaço de tempo não se sustenta empiricamente.

As grandes indústrias já se submetem às rígidas normas de rotulagem para exportar e vender seus produtos nos mercados americano e europeu. Praticamente, basta traduzir o rótulo.

As pequenas indústrias sabem perfeitamente os ingredientes que utilizam, pois têm uma produção artesanal.

O argumento de que não se pode garantir a procedência dos ingredientes usados na elaboração do produto também não se sustenta e encontra fácil solução no Código de Defesa do Consumidor, que já prevê detalhadamente a responsabilidade de cada um dos componentes da cadeia produtiva, seja ele produtor, importador ou fornecedor.

A empresa que não sabe de quem compra o insumo e alega impossibilidade de controlar seu fornecedor confessa total irresponsabilidade na elaboração de seu produto e deve mesmo ser penalizada por sua atitude. Assim como já se dá com empresas de confecção que terceirizam sua produção para outras que se utilizam de trabalho escravo.

Nosso direito não comporta mais a irresponsabilidade social das empresas que buscam o lucro fácil em detrimento do consumidor e que empurram suas responsabilidades para o próximo elo da cadeia produtiva, como se não tivessem ônus civis e criminais pelas escolhas empresariais que fazem. Se a empresa não pode garantir a origem do produto que fabrica, é melhor para todos que não coloque mesmo este produto no mercado.

Com fundamento nesses argumentos, o pedido da OAB na defesa dos consumidores brasileiros, em especial das crianças brasileiras, alçadas pela Constituição à condição de “prioridade absoluta” é claro, simples e pragmático:
1- seja IMEDIATAMENTE rotulada a expressão: “PODE CONTER TRAÇOS DE LEITE/OVO/SOJA e/ou AMENDOIM POR COMPARTILHAMENTO DE MAQUINÁRIO”.

Na hipótese de produtos fabricados em máquinas compartilhadas que produzam alimentos industrializados com e sem produtos alergênicos;

2- seja IMEDIATAMENTE rotulada a expressão: “CONTÉM LEITE” quando houver na composição do produto os seguintes ingredientes, que são necessariamente derivados de leite:
– Lactoalbumina
– Lactoglobulina
– Fosfato de lactoalbumina
– Lactoferrina
– Lactulose
– Caseína
– Caseína hidrolisada
– Caseinato de cálcio
– Caseinato de potássio
– Caseinato de amônia
– Caseinato de magnésio
– Caseinato de sódio
– Leitelho
– Coalhada
– Proteína de leite hidrolisada
– Lactose
– creme de leite
– gordura de leite
– nata
– soro de leite
– manteiga ghee clarificada;

3- Seja IMEDIATAMENTE determinada a proibição do uso da expressão “PRODUTO VEGETAL” em produtos industrializados que contenham em seus ingredientes quaisquer derivados de leite;

4- Seja IMEDIATAMENTE determinada a proibição do uso da expressão “SEM LEITE” em produtos industrializados “SEM LACTOSE” que contenham em seus ingredientes qualquer proteína derivada de leite;

5- seja rotulada a expressão: “CONTÉM LEITE/OVO/SOJA e/ou AMENDOIM” em todos os produtos industrializados no prazo máximo de 60 dias.

E o que se espera desta Agência Reguladora, entidade administrativa independente, que nos termos da Lei 9.782/99, tem por finalidade institucional primordial “promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos”.
Daniela Teixeira
OAB 13.121
Secretária-geral da OABDF
Representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil na audiência pública