OAB/DF debate a invasão da sua sede em 1983 em série da Jornada da Memória, Verdade e Democracia

Nesta segunda-feira (26), a Comissão da Memória e da Verdade da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) promoveu o primeiro encontro da Jornada da Memória, Verdade e Democracia para tratar da defesa do direito humano à memória e à verdade, correlacionando fatos passados com o contexto político e social atual. As discussões de temas com esse foco continuarão ocorrendo mensalmente, ao longo de um ano, e todos serão com transmissão pelo Canal do Youtube da OAB/DF.

O primeiro tema abordado na série, sob a condução da presidente da Comissão da Memória e da Verdade da OAB/DF, Maria Victoria Hernandez Lerner, foi o “Aniversário de Invasão da OAB em 24 de outubro de 1983”. Nessa data, logo após o encerramento do I Encontro dos Advogados do Distrito Federal, em que se discutiam honorários profissionais, o salário mínimo do advogado e as condições gerais de trabalho, a sede da OAB/DF foi invadida por determinação do General Newton Cruz, executor das “medidas de emergências” impostas pelo governo militar.

Passados 37 anos, esse episódio da história da advocacia foi revisto e analisado pelo presidente da OAB/DF, Délio Lins e Silva Jr., pelo presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, e pelo advogado e conselheiro federal da OAB-CE, Hélio Leitão, atual presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Os advogados Paulo Machado Guimarães e Vera Lúcia Santana Araújo e o membro honorário vitalício da OAB/DF Reginaldo Oscar de Castro, à época presidente da OAB Nacional, foram os convidados especiais que, presentes naquele momento histórico, puderam narrar fatos e destacar a relevância da OAB enquanto instituição que tem por missão a defesa do estado democrático de Direito.

Paulo Machado Guimarães é, atualmente, presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas do Conselho Federal da OAB; Vera Lúcia Santana Araújo, integrante da Executiva Nacional da ABJD e ativista da Frente de Mulheres Negras.

Complementando a bancada desse primeiro debate, a professora Eneá de Stuz e Almeida, da Universidade de Brasília (UnB), abordou a perspectiva da Justiça de Transição, área que trata de ações, de dispositivos e de estudos ligados ao enfrentamento de momentos de conflitos e de violação sistemática de direitos humanos, analisando sua aplicação no Brasil.

UNIDADE DA ADVOCACIA

O presidente da OAB/DF afirmou que lembrar o dia da invasão da OAB/DF traz para o presente “a unidade da advocacia, a união de advogadas e de advogados”; e que “todos deixaram suas contribuições em seus tempos e aos seus modos”.

Délio falou, também, sobre o resgate que a atual gestão está fazendo da memória da OAB/DF, observando que já foram recuperadas imagens históricas. Após restauradas, foram colocadas em exposição na sede da Seccional e em Subseções.

“SEM MEDO; SEM ÓDIO!”

O presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, citando Marcos Freire, político de Olinda, disse que o mantra, ao se analisar episódios que envolvem o fim do regime militar e a transição para a democracia no Brasil, é: “Sem medo; sem ódio!” Para ele, “a OAB pode tudo na história do Brasil, menos ser omissa”. Ele defende que é necessário “lembrar das lutas do passado e do quanto custou a democracia brasileira” para, entre as principais finalidades dessa ação de memória, educar a juventude brasileira, especialmente a jovem advocacia, na defesa de valores democráticos.

JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

A professora Eneá de Stuz e Almeida, convidada a falar sobre Justiça de Transição, matéria de interesse no Brasil e no exterior quanto ao tratamento de episódios de autoritarismo, como a invasão da OAB/DF, explicou que há quatro dimensões a serem compreendidas nesse tema: a reforma das instituições, a reparação integral, o binômio memória e verdade e, por fim, a possibilidade de processar em todas as esferas os que violaram direitos humanos em regimes autoritários.

Segundo a professora, no Brasil, tivemos a Lei de Anistia, com grande participação da OAB na época. “Não é a Anistia do Esquecimento, mas a Anistia da Memória”, ressaltou, observando que isso é muito importante compreender porque a Anistia de Esquecimento é não falar mais do ocorrido, ou seja, é virar a página e não tocar mais no assunto, enquanto, no caso brasileiro, a dimensão da Memória e da Verdade está na Anistia de 1979 e é tema recuperado em 1985, com a Emenda Constitucional número 26, que amplia os termos da lei. “Assim, podemos retomar o ocorrido, lembrar e trazer à memória”, acentuou Eneá. “O ápice dessa questão é a Constituição Federal de 1988. Feita justamente para deixarmos para trás o autoritarismo”, concluiu.

MEMÓRIA E ENSINAMENTOS

Vera Lúcia Santana Araújo, Paulo Machado Guimarães e Reginaldo Oscar de Castro falaram sobre os dias que antecederam a invasão da OAB/DF, acontecimentos políticos, o momento da invasão e as reações. Para cada um, o episódio trouxe ensinamentos.

Vera, que tinha 23 anos à época, era recém-formada, disse que o fato marcou a sua vida profissional. Para ela, evocar a história faz pensar sobre a absoluta necessidade “de ter a advocacia comprometida com a democracia”.

A advogada criticou episódios passados de autoritarismo e, também, casos mais recentes em que escritórios da advocacia foram invadidos e advogados ameaçados. “A minha iniciação foi em momento conturbado, mas rico, e incutiu a responsabilidade de compreender que atuar na OAB é ter compromisso e que devemos contribuir com a democracia. A luta continua! Devemos estar ombreados, pois conquistas se concretizam e a democracia se exercita”, afirmou.

Paulo, colega que se formou na mesma turma de Vera, disse que é fundamental extrair desse episódio de 1983 que a advocacia faz parte de “uma tradição que pugna pela liberdade de expressão, que pugna pela liberdade de pensamento e de debate democrático”. Segundo o advogado, “jamais a advocacia pode admitir abuso”.

Reginaldo Castro finalizou o debate dizendo que “a OAB é uma tribuna permanente de orientação da sociedade civil brasileira nos temas políticos, e não nos partidários”.  No seu entendimento, “é a única tribuna não estatal, mas pública do Brasil, e que dela se pode, de alguma forma, indicar os caminhos do estado democrático de Direito”.

Para a presidente da Comissão da Memória e da Verdade da Seccional da OAB/DF esse debate, ocorrido ao longo de pouco mais de duas horas, ainda abre importantes reflexões. Maria Victoria  deixou uma pergunta no ar: “Afinal, por que a advocacia incomoda tanto?” Ela tem a convicção de é preciso “jogar luz sobre essa sombra”.

Se você não assistiu, pode ver o debate aqui.

A PROGRAMAÇÃO CONTINUARÁ: ACOMPANHE, TAMBÉM, EM NOVEMBRO. LEIA MAIS AQUI.

Dia 10 de novembro acontecerá o segundo encontro da Jornada da Memória, Verdade e Democracia, sob o tema “Racismo e a Justiça de Transição”. Acompanhe pelo canal oficial do Youtube da OAB/DF.

Comunicação OAB/DF
Texto: Montserrat Bevilaqua