Especialistas discutem a infância no sistema socioeducativo

Autoridades, especialistas e profissionais discutiram nos últimos dias 6 e 7 a situação de meninos e meninas do sistema socioeducativo dentro do seminário “Janelas de Oportunidades: da Primeira Infância à Socioeducação”. O encontro aconteceu no auditório Petrônio Portela do Senado Federal e foi organizado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), por meio da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas, juntamente com instituições parceiras, entre elas a OAB/DF.

A vice-presidente da Seccional, Cristiane Damasceno, falou no seminário sobre a importância de se levar em consideração os filhos das jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, abordando as mães no cárcere e o impacto nos filhos. “Criança é criança, independentemente do que o pai ou a mãe tenha feito, e precisa ser preservada. O que vemos hoje é a pena passando da pessoa ao filho. Quando não se pensa na criança, ela é punida também”, avaliou.

A evolução na forma de se enxergar a criança e o adolescente e a consequente legislação a esse respeito foram lembradas pela representante do UNICEF no Brasil Florence Bauer. “Antigamente não existia um sentimento de infância. Criança não era vista com seus direitos, com sua fase de vida e suas necessidades. Hoje houve inclusive um prolongamento de seu período de consideração e a separação das esferas sociais de adultos e crianças”, disse Florence.

A importância dessa fase foi reforçada pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, que trouxe fundamentos científicos indicando a primeira infância como base das competências humanas e as consequências do impulso ou não a essa fase da vida. Segundo ele, para cada dólar investido na primeira infância, há um retorno estimado de 7 dólares até os 27 anos. Tais dados fundamentaram a organização de ações com foco nos primeiros anos de vida da criança.

O coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, Pedro Hartung, defendeu outra janela de desenvolvimento, dos 15 aos 25 anos. “A primeira infância traz a ideia de quanto antes melhor, mas nunca é tarde demais”, ponderou. Para ele, “a forma mais eficaz de aproveitar o desenvolvimento cerebral na adolescência é ficar perto, ter uma relação responsiva, de feedback, acompanhamento, trazendo para eles ferramentas pessoais e individuais.

Janelas
Desde que entrou em vigor o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), instituído em 2012 pela Lei 12.594, o trabalho integrado e multidisciplinar ao adolescente infrator passou a ser obrigatório. A psicóloga Fátima Sudbrack atua nessas ações integradas em pesquisa, ensino e extensão na área das dependências de drogas e defende a possibilidade de as medidas socioeducativas se tornarem uma real janela de oportunidade. “Entendemos que o adolescente está transgredindo em busca de algo, mas do quê? Descobrir isso permite que as medidas protetivas transformem-se de grades em janelas”, refletiu. A profissional explicou que as medidas precisam ter significado, ser um espaço transacional de vivência de novas figuras de autoridade, além de promoverem o pertencimento.

As particularidades do adolescente infrator e de suas condutas foram abordadas pela psicóloga judiciária aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Maria Cristina Maruschi. “Temos diferentes padrões de conduta infracional, resultado de uma complexa interação de variáveis. Algumas variáveis aumentam, outras reduzem a probabilidade de envolvimento em atividades antissociais e infracionais”, explicou a psicóloga. Com base em tais indicativos, Maruschi lembrou a importância das intervenções serem individualizadas e fundamentadas em dados de pesquisa efetiva.

Também tendo entre seus referenciais a Teoria do Risco, a Vara de Execução de Medidas Socioeducativas tem aplicado o “Programa de gestão de risco de reincidência e práticas restaurativas” a socioeducandos do meio aberto no Distrito Federal, de modo a evitar que eles cheguem ao meio fechado. “Mais importante que avaliar o risco de reincidência é o que eu posso fazer com isso. É aí que entramos: na identificação desses fatores e das necessidades e com programas centrados neles”, explicou a especialista em Psicologia Forense e Criminal, supervisora da Seção de Assessoramento Técnico da Vara, Bárbara Macêdo.

Sociedade
Transferir conhecimento científico atualizado à prática é uma das bases do programa de Liberdade Assistida da Organização Comunitária Santo Antonio Maria de Claret, de Ribeirão Preto, apresentado pela professora Ruth Estevão, sênior do Departamento de Psicologia da USP. O trabalho voltado aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa conta com embasamento teórico e protocolo de colaboração técnica com o Centres Jeunesse de la Montéregie, de Québec, Canadá. Em sua particularidade, o sistema de trabalho facilita a avaliação do adolescente durante o período em que ele aguarda julgamento, com vistas a indicar a melhor intervenção técnica adequada à reinserção social do jovem. 

Também focado na inserção do jovem na comunidade e na prevenção a infrações por meio do esporte, o Programa Forças no Esporte e o Projeto João do Pulo (PJP) são desenvolvidos pelo Ministério da Defesa, com o apoio da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para  atender o público de 6 a 18 anos em situação de vulnerabilidade social. “Acreditamos no esporte não apenas para antever a delinquência, mas para fortalecer a cidadania, promover a valorização da pessoa e até para a descoberta de talentos”, explicou o coronel Vandeilson de Oliveira, coordenador-geral do Programa Forças no Esporte no Ministério da Defesa.

Para Luciana Coutinho, procuradora do Trabalho de Minas Gerais e vice-coordenadora da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, “a profissionalização de jovens permite ao país crescimento econômico; ao empresário, uma oportunidade de aperfeiçoar nos seus quadros o futuro profissional que fará sua empresa crescer. “Para o jovem, é uma oportunidade justa de renda e profissionalização”, argumentou.

A aprendizagem socioeducativa como um fator de proteção social especial com poder de dar autonomia aos jovens em cumprimento de medidas, foi defendida pela diretora de Proteção Social Especial da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, Maria Yvelônia Barbosa. “Mais do que inserir no mercado de trabalho, é preciso fazer a inserção de forma qualificada”, ressaltou. 

“É importante falar dos fatores de risco, mas também temos que dar voz aos fatores de proteção. É com muita alegria que falamos dessas iniciativas“, disse a juíza titular da Vara, Lavínia Tupy. 

Pais e filhos
Pós-doutoranda no Departamento de Psicologia Aplicada e Desenvolvimento Humano da Universidade de Toronto, Alessandra Schneider defendeu que as interações responsivas entre pais e filhos acontecem quando se percebe a perspectiva da criança. “Sigam a liderança da criança, façam perguntas e aguardem sua resposta, reconheçam seu esforço e a elogiem”, exemplificou Alessandra. 

Também focada na importância da relação entre pais e filhos, Regiane Morais, coordenadora do serviço Aldeias Infantis SOS Brasil de Campinas (SP), apresentou o programa da Casa Lar para adolescentes na cidade. “Os espaços visam garantir o direito à maternidade de adolescentes em situação de vulnerabilidade social e evitar o rompimento de vínculos na primeira infância”, explicou. Ana Carolina, uma das meninas já atendidas, hoje com 18 anos, deu seu depoimento de como o programa a ajudou na superação das adversidades durante a gravidez e após ter o filho que nasceu com problemas de saúde.

O TJDFT também realiza um trabalho de aproximação entre pais e filhos nos processos das Vara de Família. “A oficina enxerga a criança e o adolescente de forma sistêmica, dentro da família e da comunidade, em um espaço que tem entre seus princípios a imparcialidade e a confidencialidade”, explicou Bernardina Vilhena, mediadora e assessora técnica da Vara. Gustavo Camelo Baptista, diretor de Políticas Públicas e Articulação Institucional da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, tratou ainda da parceria da família em situações de filhos usuários de drogas.

Pacto
Além do compartilhamento de informações e boas práticas, o evento deixou como resultado prático a proposta do Pacto Nacional pelo Socioeducativo – Justiça e políticas públicas integradas para promoção da socioeducação: investindo na adolescência, segunda grande janela de oportunidade de desenvolvimento humano. O padrinho da proposta é o ministro Reynaldo da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça  (STJ). 

O Pacto pelo Socioeducativo terá as seguintes instituições como signatárias:
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)
Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
Ministério Público do Trabalho (MPT)
Defensoria Pública do Distrito Federal
Ministério da Cidadania 
Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
Ministério da Justiça e Segurança Pública
Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
Organização Internacional do Trabalho (OIT) 
Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI)

 

Texto Secom/VIJ (TJDFT), com edição de Comunicação/OAB-DF