Diante da polêmica em torno do projeto batizado como 10 Medidas Contra a Corrupção, liderado pelo Ministério Público Federal, a OAB/DF promoveu audiência pública na noite da última quinta-feira (10) para ouvir as ideias da advocacia sobre o tema. Na última quarta-feira (9), as 10 Medidas foram apresentadas na comissão especial criada na Câmara dos Deputados para discutir o assunto. O relator da matéria, deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS), manteve alguns pontos conforme o texto do MPF, restringiu outros e acrescentou propostas. A matéria ainda não foi votada.
O presidente da Comissão de Combate à Corrupção e Compliance da OAB/DF, Antonio Rodrigo Machado, lembrou que a Operação Lava Jato tem como referência a Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália, e que, assim como também aconteceu lá, ocorrem exageros e possíveis erros por parte do Ministério Público e do Judiciário. As 10 Medidas Contra a Corrupção surgiram no desenrolar da Lava Jato. De acordo com ele, algumas mudanças propostas são razoáveis, mas outras impraticáveis por afrontar o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Machado, que foi o mediador dos debates, também criticou a forma como o Ministério Público criou a campanha, encabeçada pelo próprio MP, diferentemente do projeto da Lei da Ficha Limpa, defendida por grandes organizações da sociedade civil e movimentos sociais. “Essa é uma crítica que eu faço com muito respeito ao Ministério Público. Esse projeto não foi encampado por nenhuma grande organização da sociedade civil organizada”.
O conselheiro e presidente da Comissão de Assuntos Legislativos da Seccional, Jackson Domenico, ressaltou a importância do debate e elogiou a atuação da Comissão de Combate à Corrupção frente ao assunto. “Excelente iniciativa da Comissão em esmiuçar e esclarecer os detalhes das 10 Medidas. O ponto crucial é combater a corrupção com o direito assegurado ao cidadão e suas defesas”. Domenico defendeu que sejam pensadas propostas que unam os dois interesses. “Esse é o grande segredo, esse é o grande diferencial. O melhor encaminhamento para contribuir no projeto de lei é buscar harmonizar o combate à corrupção com o direito à ampla defesa”.
Primeiro a falar na audiência, o professor Fernando Parente, advogado criminalista, abordou a prescrição defendida pela proposta. “Eu confesso que não sei se chamo essas propostas de ‘desmedidas' contra a Constituição Federal, se eu chamo de Estatuto da Acusação ou algum outro nome. Eu ainda não cheguei a uma conclusão sobre o nome adequado. Nessa proposta, a prescrição está concorrendo com a pena privativa de liberdade. O que é 20 anos vai virar praticamente 30. Tenho medo de que essas ‘desmedidas' passem e que o Ministério Público vire o próximo ditador brasileiro”.
Para ele, entre diversos outros pontos, as propostas marginalizam o cidadão que sofre alguma acusação e tem dinheiro para pagar um advogado. “Hoje, ter capacidade financeira para pagar um bom advogado é crime, o cidadão querer exercer seu direito de defesa é crime. Nós vivemos no Brasil um momento em que as liberdades estão muito comprometidas. No Brasil inteiro somos mais de um milhão de advogados, se nós não no levantarmos contra isso, o que que vai ser da nossa Constituição? O que que vai ser do poder de punir? Nós queremos um Estado que puna o criminoso, mas puna da forma correta e não que puna qualquer um, a qualquer custo e de qualquer jeito”.
O deputado Onyx Lorenzoni também acrescentou ao projeto a possibilidade de juízes e integrantes do Ministério Público responderem por crime de responsabilidade. A proposta deve ser votada ainda este mês e, caso passe na Comissão Especial, será liberada para o plenário da Câmara. Se o projeto for aprovado, ainda precisa passar pelo Senado e, depois, pela sanção presidencial antes de virar lei. A ideia da audiência pública, além de ouvir os advogados sobre o assunto, é levar o resultado do debate para apreciação do deputado.
O advogado Andrew Fernandes, presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Distrito Federal, afirmou que o aumento de pena, previsto nas medidas do MPF, não significa prevenção de crime. “O Direito é extremamente importante, mas ele não é suficiente. Estão supervalorizando o Direito. É preciso mais que o Direito para combater o crime. A pena deve ser capaz de intimidar o então pretendente a infração penal, mas a questão não é o quanto de pena, mas a certeza da punição. Estamos nessa escalada para aumentar a pena e os crimes não diminuem, pelo contrário, só aumentam”.
Antonio Rodrigo Machado citou uma série de leis em vigor no país que visam coibir atos de corrupção. “Temos dezenas de legislações relacionadas ao combate à corrupção, mais de 20 normas diferentes. Uma dessas leis, que é a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, trouxe o instituto do acordo de leniência. Esse instituto não foi sequer implementado e nós estamos discutindo novas normas e novas leis. Qual a necessidade disso?”, questionou.
O advogado Ademar da Costa, que atua nas áreas criminal e eleitoral, falou sobre o teste de integridade proposto pelo Ministério Público, mas já retirado da proposta pelo deputado Lorenzoni. O teste de integridade consiste em atestar a honestidade dos servidores públicos “na simulação de situações sem o conhecimento do agente público, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer ilícitos contra a Administração Pública”.
Para ele, seria caso de flagrante forjado. “O Estado cria uma situação de criminosos, coloca o seu agente público dentro dessa situação criminosa para testar sua integridade moral. Esse teste não se volta para nenhum bem jurídico posto, esse teste se volta para o sentimento interno do cidadão. Sentimento interno dele perante uma oportunidade que se apresenta de se corromper. É totalmente contrária a lógica constitucional posta, onde eu, Estado, crio uma situação para que a corrupção ocorra. Se eu quero evitar a corrupção, eu, Estado, crio essa situação? Eu inverto a lógica constitucional”.
O advogado Daniel Diniz Vila-Nova, assessor no Supremo Tribunal Federal, ressaltou que o momento é de reflexão e afirmou que as instituições precisam atuar dentro de seus limites. “O Ministério Público Federal não é o órgão que foi criado para defender interesses de acordo com os calores políticos da sociedade brasileira. O Ministério Público Federal, especificamente, tem um conjunto de limites. A ideia de limitação que está presente em boa parte das falas exige a ideia de Estado e de Direito. É preciso limites não apenas políticos, mas limites jurídicos da atuação da Administração Pública, seja qual for o órgão específico que a gente esteja a falar”.
A advogada Alana Abílio Diniz, presente no debate, destacou a criminalização da advocacia dentro das 10 Medidas e falou que é preciso defender o direito ao exercício da profissão na esfera criminal. “Me causa muito medo esse espetáculo que fazem com o Direito Criminal. Não permitem direito ao contraditório e à ampla defesa em muitos casos. O Direito Penal não foi feito para garantir o direito do Estado de se proteger. Ao contrário, ele foi feito para proteger o cidadão contra esse Estado. Até a pior pessoa do mundo merece direito de defesa. É muito importante que a advocacia assuma esse protagonismo que é dela”.
Denise Evangelista Araújo, advogada presente no debate, sugeriu que fosse realizada outra audiência com objetivo de discutir ainda mais o assunto. “Essa audiência hoje é só o começo, essas 10 Medidas são um absurdo. Nós, advogados, que trabalhamos e somos indispensáveis a administração da justiça, temos que nos unir para defender as prerrogativas antes de qualquer coisa”.
Ao final, a secretária-geral adjunta da Comissão de Combate à Corrupção da OAB/DF, Anna Carolina Dantas, ressaltou que é preciso combater todos os ilícitos que estão sendo cometidos contra a advocacia. “O advogado está sendo visto como um criminoso, e isso não pode persistir”.