Artigo: “a advocacia é predestinada a provocar avanços sociais,” Délio Lins e Silva Jr.

Correio Braziliense publica hoje (11/08), Dia da Advocacia, artigo do presidente da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF), Délio Lins e Silva Jr. Confira a reprodução do texto a seguir.

Neste 11 de agosto, ao homenagear a categoria pelo Dia da Advocacia, evoco dois exemplos extraordinários que remontam nossas origens profissionais no Brasil. O propósito é acentuar o significado do exercício profissional, que eles tão bem e dignamente encerram: Luiz Gama e Myrthes Gomes de Campos. Lembro que os nossos primeiros cursos de direito foram fundados em 1827: a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, e a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco. A independência de Portugal, em 1822, tornava necessário criar um arcabouço legal brasileiro, indicando um projeto de país, validando e desenvolvendo o espírito da nação. Nada mais oportuno do que estabelecer isso a partir de sólidas bases que viessem a preparar as futuras gerações visto que, antes, no Brasil colônia, os profissionais se formavam no exterior.

Evidentemente, essas tarefas eram árduas! Afinal, de 1500 até 1822, o que nos aconteceu? Vivemos um período de exploração pelos colonizadores, de extermínios de povos indígenas, de escravização e negação de direitos aos negros, pessoas tratadas de modo vil e como coisa de alguém. As mazelas desses mais de 300 anos nos fustigam até hoje e o fato é que não podemos enterrar o passado sem dissecá-lo, compreendê-lo, justamente, para buscar a cura de suas sequelas. Nesse contexto, a advocacia já se revelava no século 19, como a diferença que se contrapunha à escravização e em particular celebramos a vida de Luiz Gama, advogado autodidata, negro, e que dedicou sua vida à luta pela abolição. Infelizmente, o Brasil só deu fim ao regime escravista em 1888 e Gama morreu antes disso, em 1882. No entanto, foi a sua advocacia combativa que assegurou a aproximadamente 500 pessoas o direito fundamental à liberdade.

Hábil profissional, Gama exercia a advocacia provando que as primeiras leis brasileiras vigentes após a independência eram desrespeitadas e que isso feria o direito dos seus clientes: a Lei Feijó (1831), que proibia a importação de pessoas escravizadas e a Lei do Ventre Livre (1871). Gama e outros abolicionistas, também, compraram alforrias. Sua advocacia tinha, portanto, o propósito de oferecer o precioso bem da liberdade e a sua generosidade se estendia aos pobres que eram negros e aos que não eram negros. Ele ainda se ocupava em apoiar o emprego dos recém-libertos.

Myrthes Gomes de Campos nasceu em 1875, em Macaé, no estado do Rio de Janeiro. Tornou-se bacharel em 1898. Enfrentou resistências, mas conseguiu autenticar o seu diploma no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Prosseguiu buscando reconhecimento pela secretaria da Corte de Apelação do Distrito Federal e, depois, batalhou muito pela inédita inscrição junto ao Instituto dos Advogados Brasileiros, fundado em 1843. Naquela época, não havia lei que proibisse a mulher de exercer a advocacia, porém Myrthes enfrentava barreiras sociais: machismo, misoginia, legados perenes da sociedade patriarcal. Inicialmente, ela sofreu derrota ao ver a plenária do Instituto vetar sua admissão por 16 votos contra 11. A pressão de grupos feministas em anos de militância é que garantiria, em 12 de julho de 1906, a sua filiação, aprovada por 23 votos contra 15.

Myrthes fez toda a diferença naquela casa idealizada e criada por homens. Trouxe à tona discussões incômodas sobre a desigualdade entre homens e mulheres, questionou o trabalho infantil, as regulamentações sobre o trabalho e, em especial, o trabalho feminino, também o divórcio. A mulher dos seus tempos era praticamente mais uma propriedade dos homens. Myrthes, que morreu em 1963, desestabilizava aquele sistema. Diferentemente de Gama, essa advogada brilhante, no ano anterior à sua morte, teve a alegria de ver aprovado o Estatuto da Mulher Casada (1962), marco legal que estabeleceu que elas não precisassem mais da autorização do marido para trabalhar. Poderiam receber herança. No caso de separação, requerer a guarda dos filhos. Parece incrível que as mulheres vivessem sem esses direitos!

Na Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) homenageamos esses precursores e encorajamos os novos e os profissionais veteranos a seguirem suas carreiras inspirados por objetivos elevados como os deles. A advocacia exige anos de estudos incessantes, ética e resiliência. É uma atividade que nasceu e é predestinada a provocar avanços sociais. Devemos sempre lembrar que é feita por nós cotidianamente. Logo, temos o dever e a responsabilidade de honrar tanto a nossa trajetória pessoal quanto a coletiva. Feliz Dia da Advocacia!

 DÉLIO LINS E SILVA JR., presidente da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF)

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