ARTIGO DE SAUL TOURINHO SOBRE REPERCUSSÃO GERAL

Brasília, 21/02/2011 – O jornal Valor Econômico publicou artigo do secretário-geral da Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB/DF e professor de Direito Constitucional, Saul Tourinho Leal, sobre a Repercussão Geral no STF. No texto, Saul explica essa nova sistemática no Judiciário brasileiro e fala de seus pontos positivos e da perplexidade que a revolução provocada pelo novo mecanismo trouxe.

Confira abaixo a íntegra do artigo:

A REPERCUSSÃO GERAL NO SUPREMO

Saul Tourinho Leal*

Quando, em Washington, jovens advogados perguntam aos veteranos como conseguiram advogar perante a Suprema Corte, a resposta é uma piada sobre o Carnegie Hall, famosa sala de espetáculos situada em New York na qual os maiores artistas do mundo costumam coroar suas carreiras. “Como chego à Suprema Corte?” – perguntam os jovens advogados. “Da mesma forma que se chega ao Carnegie Hall: Prática, prática, prática…” – respondem os veteranos.

No Brasil, a advocacia perante o Supremo Tribunal Federal (STF) tem se reinventado. Um advogado chegará à Suprema Corte de modo semelhante ao dos artistas para alcançarem o Carnegie Hall: “Prática, prática e prática”.

O Judiciário brasileiro viu crescer, diante de si, verdadeiros paredões de processos exigindo pronta apreciação. Uma sociedade complexa consolidou-se frustrada por não ver direitos se tornarem realidade. Os dois braços que representam as maiorias – Executivo e Legislativo – não conseguiam dar as respostas reclamadas pela população. O Judiciário era acionado de modo sistemático. As coisas permaneciam no mesmo lugar: o lugar errado. Daí ter surgido mecanismos de racionalização processual tentando estancar a hemorragia institucional que ameaçava o próprio Estado.

Nasceu a “repercussão geral”, por meio da qual um recurso extraordinário só será apreciado pelo Supremo caso ultrapasse os interesses das partes. A sistemática de julgamento é: 1) escolhe-se um, ou alguns, recursos; 2) paralisa-se o julgamento de todos os casos que tratem da matéria; 3) o STF julga o recurso escolhido; 4) todo o Judiciário aplica aquela decisão aos casos semelhantes.

Não resta dúvida de que a racionalização processual tem efeitos positivos

Quanto à praxe do Supremo, é possível identificar as consequências dessa nova sistemática: (i) esvaziamento das discussões nas turmas; (ii) debates mais qualificados no Plenário; (iii) harmonia das decisões judiciais; (iv) superação de formalidades na admissão de recursos; (v) debate de “teses” e não de “processos”; (vi) projeção da Suprema Corte e de seus precedentes; (vii) consolidação da interpretação democrática com a participação dos amici curiae; (viii) necessidade de articulação por parte dos interessados nos julgamentos, para que possam participar dos debates.

É claro que não se faz uma revolução sem perplexidades. A primeira delas é a divergência entre o resultado do julgamento proferido pelo Supremo e o caso concreto sobre o qual incidirá esse mesmo resultado. Muitas vezes, os juízes aplicam o precedente a casos que diferem do que foi decidido. Essas divergências de informações entre o Supremo e os demais tribunais têm trazido problemas não só às partes, mas ao próprio STF.

Recentemente a Suprema Corte devolveu um recurso extraordinário à origem, em razão do reconhecimento, num outro recurso, da repercussão geral da matéria constitucional nele debatida. O tribunal devolveu os autos ao Supremo, por entender que havia diferença entre a hipótese examinada no leading case e os fatos do processo devolvido. O ministro Joaquim Barbosa, mais uma vez, determinou a devolução dos autos ao tribunal, todavia, para fazê-lo, teve de fundamentar sua decisão de tal forma que praticamente decidiu o caso novamente.

Para solucionar essas controvérsias, inúmeras questões de ordem têm sido suscitadas. Todavia, o ideal é a gradual alteração do regimento interno do STF à medida que for se consolidando a postura da Corte quanto à repercussão geral.

Nada obstante ainda haja efeitos colaterais na consolidação do instituto da repercussão geral no STF, não resta dúvida de que a racionalização processual tem efeitos positivos dentro do sistema judicial brasileiro, tornando possível a administração da justiça e possibilitando celeridade e previsibilidade maiores do que as existentes no modelo anterior.

*Saul Tourinho Leal é professor de direito constitucional, secretário-geral da Comissão de Assuntos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Distrito Federal. Doutorando em direito constitucional pela PUC-SP

Fonte: Valor Econômico

EXAME PROTEGE O CIDADÃO QUE PRECISA DE ADVOGADO

Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) junto aos bacharéis em Direito que realizaram a primeira fase do mais recente Exame de Ordem traz revelações importantes para a compreensão de quem realmente se opõe ao certame de ingresso na Advocacia e a quem interesse a controvérsia criada em torno do tema.

Nada menos do que 83% dos entrevistados consideram o Exame importante ou muito importante para manter o bom nível da Advocacia. Nitidamente favoráveis à realização do Exame correspondem a 82%, enquanto 86% preferem o modelo unificado em todo o país, como o que vem sendo adotado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Sua utilidade é reconhecida por 75% dos bacharéis, 62% consideraram acertada a contratação da FGV para a aplicação das provas, e 57% apontam como causas para o elevado índice de reprovação tanto o fraco desempenho de qualidade das faculdades quanto o próprio despreparo dos alunos. Apenas 26% consideram ruim ou péssimo o atual formato do certame.

A pesquisa, realizada pela FGV Projetos, na qual foram ouvidos 1.500 bacharéis de Direito em todas as regiões do país, expõe a majoritária aceitação do Exame de Ordem pelos próprios examinados. Registre-se que entre os entrevistados, 80% já tinham se submetido a um ou mais Exame. Trata-se de um público composto por pessoas que foram reprovadas em pelo menos um teste. Se tal pesquisa fosse aplicada entre os que lograram êxito no Exame, tal índice seria de quase completa aprovação.

A questão a ser posta, então, é saber quem são os reais oponentes do Exame e os verdadeiros interessados nesta polêmica. Tal resposta pode ser buscada em outro dado estatístico, referente ao índice de aprovação no Exame por instituição de ensino superior. As Universidades Federais possuem uma média de aprovação superior a 60%. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para ficar apenas em um exemplo, aprovou 72% de seus alunos no último Exame de Ordem. Algumas faculdades particulares, conhecidas por sua excelência de ensino, também alcançam uma expressiva aprovação.

Entretanto, um número significativo de faculdades não conseguem ultrapassar o percentual de 5% de aprovação. Não é de hoje, a Comissão de Ensino Jurídico da OAB vem denunciando essa situação, alertando para a necessidade de uma fiscalização mais efetiva junto a essas instituições e até mesmo propondo o fechamento daquelas que se revelam como meras fábricas de diplomas, sem nenhum comprometimento com a qualidade de ensino. Mesmo assim, não tem sido suficiente para assegurar a moralização do setor, que abriga o gigantesco número de mais de mil faculdades em funcionamento do país.

Conforme os números demonstram, as faculdades particulares que investem em seus quadros profissionais e em infraestrutura constituem exemplos notáveis de desempenho, ao lado das tradicionais instituições públicas, sendo os cursos de ocasião, cujo objetivo é exclusivamente mercantil, aqueles que mais se opõem e lançam críticas ao Exame. Com isso, não apenas prestam um desserviço à sociedade, como se mostram incompetentes ao não reconhecer na qualidade de ensino um atrativo aos estudantes que buscam uma carreira de sucesso no Direito.

Infelizmente, alguns bacharéis menos avisados tornam-se presas fáceis dos artifícios montados pelos opositores do Exame e buscam a todo custo forçar uma situação que lhes permitam ingressar na carreira, incorrendo prematuramente no grave delito de burlar a legislação federal (Lei 8.906), segundo a qual a Exame é necessário para o exercício da Advocacia.

O Exame, afinal, protege o cidadão que necessita da Advocacia, mais ainda de uma Advocacia de qualidade, devidamente aparelhada para a defesa de sua liberdade e de seus bens. No sistema jurídico, não basta possuir direito; imprescindível se faz a defesa adequada, sob pena de seu perecimento.

Se a OAB usasse da mesma lógica mercantil que move as “fábricas de diploma”, o ingresso de três milhões de novos advogados em seus quadros quadruplicaria, ou quintuplicaria, a arrecadação por meio das anuidades que lhes são cobradas. Entretanto, não somente estaria contribuindo para o mais escandaloso quadro de estelionato educacional, como negando sua própria origem e compromisso com a grandeza de nossa cultura jurídica. Os 80 anos da entidade são testemunhos da opção preferencial da OAB pela defesa da sociedade brasileira.

(Clique aqui) e confira a íntegra da pesquisa realizada pela FGV.

*Ophir Cavalcante Junior – presidente do Conselho Federal da OAB
Marcus Vinicius Furtado Coêlho – secretário-geral do Conselho Federal da OAB

INVIOLABILIDADE DE ADVOGADOS NÃO É PRIVILÉGIO

A advocacia não é uma simples profissão, é uma atividade destinada a proteger, preservar e resgatar os direitos individuais. Como o Judiciário age somente mediante provocação, disto decorre ser o advogado indispensável à administração da Justiça, tal como determina a Constituição da República Federativa do Brasil, que estatui em seu artigo 133: “o advogado é indispensável a administração da justiça (…)”.

Portanto, trata-se de função essencial por expressão constitucional, colocando a advocacia em paridade com a magistratura, o Ministério Público, a Defensoria Pública. Tal paridade provem da assegurada garantia de ser o advogado inviolável em seus atos e manifestações, nos limites da lei, enquanto estiver no exercício profissional, como dispõe a parte final do referido dispositivo constitucional.

Assim o sendo, tal garantia constitucional é assegurada até este expresso limite, o de legalidade deste exercício profissional, tornando a advocacia intocável, que não pode ser agredida enquanto efetiva e legalmente exercida, decorrendo esta inviolabilidade das garantias que asseguram a existência e a permanência do próprio Estado Democrático de Direito, por meio das esculpidas garantias das liberdades individuais, coletivas e difusas previstas dentro do próprio sistema constitutivo deste mesmo Estado.

Esta mesma garantia é assegurada a membros do Poder Legislativo: deputados federais, senadores, deputados estaduais e vereadores permanecem invioláveis pelas suas opiniões, palavras e votos, quando do exercício do mandato legislativo.

Por força de sistema constitucional, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, em juízo e fora dele, cuja proteção é repelir o autoritarismo impeditivo do exercício da advocacia, garantindo o direito à ampla defesa e ao pleno contraditório. À luz da Constituição em seu artigo 5º, incisos: X, XII e XIII, asseguram direitos e garantias fundamentais, in verbis:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(…);
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Além da previsão Constitucional, tem-se ainda o Estatuto da Advocacia (Lei Federal 8.906, de 04 de julho de 1994) que regulamenta o exercício da advocacia, cujo artigo 2º, §3º, e artigo 7º, inciso II, preveem de forma expressa e taxativa a inviolabilidade profissional pelos atos e manifestações do advogado.

Artigo 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
(…);
§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.

Artigo 7º São direitos do advogado:
(…);
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;

Em que pese a clareza do artigo 133 da Constituição e, de igual, dos termos da Lei Federal 8.906, de 04 de julho de 1994, diversas formas de agressões sofridas contra esta inviolabilidade tem sido observadas, tal como, por exemplo, as buscas e apreensões em escritórios de advogados, a investirem contra o direito de exercer a profissão visando à obtenção de dados e elementos indiciários ou de prova contra clientes investigados atingindo de viés, o sigilo de outros clientes daquele escritório violado. Assim, tal ato estatal, além de agredir a inviolabilidade mencionada, agride também o sigilo profissional, cuja indispensabilidade é parte integrante da boa defesa do cliente.

Por esta razão, no Brasil, muito vezes é necessário afirmar e reafirmar o óbvio. Assim, aumentando ainda mais, a blindagem denominada inviolabilidade profissional do advogado, já que não se trata de privilégio algum em favor deste, bem ao contrário, pois que em favor das liberdades individuais do povo, da sociedade como um todo.

O elo de ligação entre o cidadão e o Poder Judiciário, buscando a aplicação adequada da lei, via advogado, foi introduzida pela Lei 11.767, publicada em 8 de agosto de 2008, denominada Lei da Inviolabilidade do Direito de Defesa, que visa proclamar a liberdade do cidadão em seu direito de defesa.

A edição, promulgação e publicação desta lei traz em si finalidade específica, qual seja, é lei delimitadora do Poder Estatal, a limitar o poder do Príncipe, em razão da máxima medieval: “diante da justiça do soberano, todas as vozes devem-se calar”.

Não olvidar que já naquela época os processos criminais eram secretos, não só para o público, mas, principalmente, para o acusado, predominando a vontade do soberano, cujo poder se constituía, sozinho, num único sistema: acusava, interrogava, sentenciava e executava a pena; prevalecendo a sua vontade transmudado o direito em único, absoluto e exclusivo, expressão da vontade unilateral do príncipe, instrumento de opressão e de manutenção do status quo.

De feita que a história demonstra que o direito de defesa é fruto da evolução humana como fenômeno civilizatório. Dizia Ruy Barbosa: “o primeiro advogado foi o primeiro homem que, com a influência da razão e da palavra, defendeu os seus semelhantes contra a injustiça, a violência e a fraude”[1].

De não se olvidar também que o Direito, como fenômeno social e civilizatório, antes constituído como preservador de privilégios dos senhores, ao longo das eras, passou a equalizar valores juridicamente protegidos a modo de nivelar direitos e deveres dos cidadãos agregados sob o manto do Estado, como resultante do pacto social, a mó de garantir a governabilidade, promovendo a paz social, coibindo a autotutela.

Garantiu-se, pois, para este fim, o exercício do direito de defesa, tão necessário para a segurança jurídica, e esta foi a razão primordial do advento da Lei 11.767, de 2008. Vejamos:

O legislador levou em consideração à necessidade de regulamentar a via excepcional de produção de prova, as apreensões em escritórios de advocacia. Segue, in verbis, o texto da referida lei.

LEI Nº 11.767, DE 7 DE AGOSTO DE 2008
DOU 08.08.2008
Altera o art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, para dispor sobre o direito à inviolabilidade do local e instrumentos de trabalho do advogado, bem como de sua correspondência.
O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º – O art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 7º.
(…).
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
(…)
§ 5º. (VETADO)
§ 6º. Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
§ 7º. A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.
§ 8º (VETADO).
§ 9º (VETADO).
Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Quando as buscas e as apreensões, cuja produção de prova é excepcional, venham a recair em escritórios de advocacia de forma corriqueira e abusivamente, mesmo quando o advogado não suspeito de prática criminosa venha a ser atingido, é ato coibido pelo teor desta lei.

Da mesma forma, as interceptações telefônicas e as escutas ambientais implementadas no local de trabalho do advogado, desrespeitando a sua privacidade, a sua inviolabilidade, o sigilo constitucional e legal que deve existir entre advogado e seu constituinte, restam coibida pelo teor da lei mencionada.

Se, antes da lei referida, portarias prevaleciam diante do texto constitucional e da lei federal (EOAB), como, de resto, a Portaria 1.288, de 30 de junho de 2005, emanada do Ministério da Justiça, regulamentando as instruções de procedimento nas execuções de diligências da Polícia Federal nos cumprimentos de mandados judiciais, de busca e apreensão em escritórios de advocacia, agora não mais ocorre.

Neste sentido, o texto legal reafirma que qualquer ato administrativo não pode sobrepor aos preceitos fundamentais e ao ordenamento legislativo federal por ser, simplesmente, não só inadmissível, mas cabalmente contrário a todo o ordenamento.

De feita que se reafirmou ser o Direito de Defesa, direito elementar e vital, inerente a dignidade da pessoa humana, pois, ao reconhecer este direito de defesa, pelo texto legal, se garante ulteriormente que qualquer cidadão, não veja divorciado este direito do elo constitucional assegurado junto poder estatal quanto ao crivo deste no pronunciamento de seu direito, ou ausência deste.

Assim, o Direito de Defesa constitui o pleno equilíbrio democrático entre o cidadão e o estado. Por conseguinte, só haverá este equilíbrio se houver seguridade quando do reconhecimento pleno e eficaz da inviolabilidade do exercício liberto e legal da advocacia.

Esta inviolabilidade do Direito de Defesa, além da previsão legal e constitucional, também está prevista de forma expressa no Pacto de Direitos Humanos de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), em seu artigo 8º, 2º, d, in verbis:
(…).
2.

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(…)
d)

direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

Na Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo XI, 1, in verbis:
(…)
1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Os tratados internacionais e convenções dos quais o Brasil é signatário, dentre estes, os mencionados, foram recepcionados no ordenamento pátrio. Portanto verifica-se que o Direito a Defesa não é um privilégio para os advogados, pois que deriva de condição legal prevista no sistema jurídico brasileiro, remanescendo a inviolabilidade decorrente destas condições legais e constitucionais citadas.

A inviolabilidade para o advogado é dever a ser observado, sob pena de assim não sendo constituir infração ética e disciplinar, por expressar garantia individual, em última análise, do cidadão, o qual não poderá ser investigado, acusado e julgado sem a presença de um defensor sob a égide do Estado Democrático de Direito, que não pode retirar do cidadão este direito de se defender em plenitude.

Evidente que este direito de defesa exercido no rigor da inviolabilidade não é absoluto. O próprio texto constitucional aliado à lei federal que estatui a advocacia, assim estabelece o exercício da profissão, ao fazer menção aos “limites da lei” e “nos limites desta lei”. Não serve, pois, a inviolabilidade para proteger advogado criminoso, cujo direito penal recairá sobre sua conduta delituosa.

Contrário senso, não se pode confundir ser o advogado responsável pelo direito de defesa encarnado no próprio criminoso, por este constituído com o fito de defendê-lo em qualquer sede, tribunal ou instância. O advogado que comete crime, pratica atividade incompatível com a advocacia, e nesta condição se sujeita aos rigores da lei, podendo e devendo ser investigado e punido.

Por esta razão é que se admitem as busca e as apreensões em escritório de advocacia, visando investigar e punir os criminosos travestidos de advogados, pois que estes não podem se valer dos escritórios de advocacia para servirem de “depósitos de crimes”. Assim, em havendo indícios da prática de crimes por parte de advogados e seus clientes, conjuntamente, a inviolabilidade pode e deve ser quebrada.

O propósito primordial da Lei nº 11.767, de 2008, é proteger advogados que pautam suas condutas dentro dos estritos limites legais quando do exercício de suas atividades, por um lado, e, por outro, regulando a apuração, possibilitar a legalidade das investigações servente a poder se acusar, processar, julgar e, ao final, condenar os maus advogados que se escudam ilicitamente sob o manto de uma prerrogativa profissional, sem prejuízo de aplicação de sanções disciplinares que podem conduzir à expulsão do quadro da Ordem, cassando em definitivo a inscrição.

Mas como fazer valer a sagrada garantia da Inviolabilidade Direito de Defesa? Basta aplicar de forma efetiva a Lei da Inviolabilidade do Direito de Defesa. A referida lei só fez integrar no rol de direitos e prerrogativas profissionais do advogado (artigo 7º, incisos e parágrafos, do Estatuto), a inviolabilidade e a indispensabilidade em razão do cargo e função que é essencial à proteção do desempenho da atividade profissional.

Em 2006, o STF, ao julgar as ADIns 1127 e 1105 considerou este tema – “inviolabilidade” – dentre outros, constitucional, a luz da Constituição e do próprio EAOAB, como por exemplo, a prisão em Sala de Estado-Maior e ou prisão domiciliar antes do transito em julgado de condenação definitiva. Isto nada mais é do que a prisão cautelar em detrimento do Princípio da Não-Culpabilidade (artigo 7º, V da EAOAB), afastando, assim, interpretações equivocadas do texto de lei.

A nova redação do inciso II, do artigo 7º, da Lei da Advocacia, não deixa dúvida. Não cabe mais quebra da inviolabilidade do escritório de advocacia ou do local de trabalho do advogado, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, evidentemente quando condicionada ao exercício da advocacia dentro dos limites legais. Esta inviolabilidade impossibilita o persecutio criminis aleatório, arbitrário, do Estado, garantindo a liberdade e a autonomia do advogado dentro de seu ministério privado em razão do cargo e da função, protegendo assim o cidadão, a sociedade e, ao final, o Estado Democrático de Direito.

Como já citados por diversos autores e precedentes jurisprudenciais, o advogado, nos limites de seu exercício profissional, não pode ser responsabilizado perante o Estado pelos seus atos e manifestações, e seus excessos estão vinculados diretamente ao seu órgão disciplinador.

A denominada Lei da Inviolabilidade do Direito de Defesa para ser eficaz, faz necessário estarem presente as seguintes condições objeto da tutela: a) ser advogado; b) estar no exercício profissional; c) integrar local de trabalho ou escritório de advocacia; d) manejar correspondência escrita; e) ser o titular de seus instrumentos de trabalho; f) efetivar comunicação telefônica e da telemática no exercício da profissão.

Portanto, além de necessário estar o advogado inscrito no quadro da OAB, deve seus atos e opiniões estar conectados diretamente ao regular exercício da advocacia, representando interesses alheios, em qualquer órgão da administração público, direta ou indireta.

Por local de trabalho ou escritório de advocacia se entende todo espaço físico ou virtual ocupado para o livre exercício profissional, possua ou não a expressão indicativa de se tratar de escritório, de forma definitiva, temporária ou esporádica.

O conceito abrange também o local de trabalho, os departamentos jurídicos de órgãos públicos e empresas, as salas existentes nos fóruns, que são utilizadas para o atendimento de clientes e atividades corriqueiras da profissão, bem como a residência do advogado utilizada como principal ou complementar às suas atividades profissionais, os denominados escritórios/residências.

Por correspondências escritas, podem estas ser cartas, bilhetes, telegramas ou qualquer outro meio de comunicação escrita. Instrumentos de trabalhos são os computadores, agendas, pastas etc. A comunicação telefônica nada mais é do que o diálogo entre advogado e cliente por qualquer meio, inclusive a telemática, ligada a informática. Presentes estas condições a inviolabilidade não pode ser quebrada, não sendo a regra absoluta, havendo as exceções admitidas, como abordado adrede.

E no acrescido § 6º, do artigo 7º, do Estatuto, estabelecida foi a hipótese autorizadora da quebra da inviolabilidade do direito de defesa quando há desvio na conduta advogado, quando este excede o limite de suas prerrogativas e sua conduta passa a ser criminosa, ainda que como co-autor ou partícipe.

Assim dispõe o § 6º, do artigo 7º, do Estatuto:
“Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes”.

Extrai-se do referido dispositivo ser necessária a presença de alguns requisitos essenciais cumulativos para validar a ordem judicial, sob pena de torná-la nula (prova ilícita), quais sejam: 1) indícios suficientes de autoria e de materialidade da prática de crime por parte de advogado; 2) a expedição de medida de ordem judicial e a razoável motivação da decisão que decretou a quebra da inviolabilidade; 3) expedição de mandado de busca e apreensão, desde que específico e pormenorizado; 4) a presença, quando da realização da diligência, de representante da OAB; 5) o estabelecimento e rigorosa observância dos limites de abrangência do mandado judicial.

Em havendo indícios (artigo 239, do CPP[2]) de autoria (indiciamento) onde fique demonstrada a qualidade de autor, co-autor ou partícipe de um delito aliado à presença da materialidade delitiva, poderá o ato judicial começar a ter razoável motivação para a quebra da inviolabilidade, e, por ser medida excepcional, extremada, seu objetivo se faz para fins exclusivamente criminais (investigações e ou instrução processual penal). Por se tratar da quebra de uma garantia constitucional, necessário que o ato formal da decisão judicial seja plenamente motivado e fundamentado (inciso IX, art. 93, da Constituição, e, art. 240, § 2º, do CPP).

Uma vez instrumentalizada a ordem judicial pela via do mandado de busca e apreensão, necessário ser este restrito, específico, discriminativo, minudente, sobre qual local recairá, nomeando qual o advogado será atingido pela medida e, sobre quais objetos incidirá a medida de buscar e apreender, sobre quais instrumentos e coisas se fará a diligência, tudo, sempre, acompanhado de um representante da OAB local, cuja obrigação legal será a de fazer observar os requisitos para o cumprimento do mandado judicial.

A atuação deste mandatário da OAB, presente à integralidade da diligência, acompanhará atento escrito o quanto ocorre no curso da busca e apreensão, e, em caso de ilegalidade ou discordância, poderá assim julgar, inclusive, necessário retirar-se do local para não validar ato manifestamente ilegal, devendo incontinente comunicar o responsável pelas diligências e posteriormente, por relatório minudente e escrito, à autoridade competente.

Os limites da abrangência do mandado judicial consistem na vedação de abranger os documentos, as mídias e os objetos pertencentes aos clientes do advogado averiguado, bem como de demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre os clientes do advogado averiguado, já que nenhum objeto poderá ser apreendido, salvo constituírem elementos de corpo de delito (artigo 243, § 2º, CPP), sob pena de não ter qualquer valor probatório a prova obtida através da quebra da inviolabilidade ilegal, face à vedação expressa de texto de lei.

Como explanado anteriormente, como toda a regra não é absoluta, admitindo exceção, fica ressalvado a vedação no caso de cliente de advogado averiguado que esteja sendo também investigado pela prática do mesmo crime que deu causa a quebra da inviolabilidade, desde que suficientes os indícios de autoria e de materialidade delitiva, observados também todos os requisitos essenciais retro analisados. Segue in verbis o § 7º, do artigo 7º, do Estatuto da OAB, a respeito:

§ 7º – A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.

Daí a premissa de que a Lei da Inviolabilidade do Direito de Defesa não protege o advogado criminoso e não protege o escritório do advogado e seus instrumentos de trabalho para fins que se destinam à prática de crime.

Contudo, o fato do advogado, nos limites de sua atuação e competência, ter acesso aos documentos e instrumentos cujo cliente utilizou para prática de um delito, não pode o advogado, por dedução óbvia, ser considerado co-autor ou partícipe de tal delito, excepcionando, neste caso, a aplicabilidade da lei.

Assim, a Lei 11.767/08, passa a ser instrumento de plena preservação do sigilo que deve presidir as relações entre o cliente e o advogado, face à sua indispensabilidade integrativa ao sistema vigente, em observância ao devido processo legal, tangente à inviolabilidade quanto ao cumprimento pleno de sua capacidade postulatória, tudo assegurado pela Constituição e pela Lei Federal Estatutária.

Por conseguinte, o descumprimento da Constituição e da Lei da Advocacia assegura ao ofendido o direito à justa indenização, caso haja divulgação de notícias envolvendo o seu nome, do advogado ou de seu cliente, sem prejuízos da responsabilidade administrativa e criminal, tal como prevê a Lei nº 4898/65, que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal nos casos de abuso de autoridade.

Vale ressaltar que se encontra em tramite um projeto de lei (Projetos de Lei nº 4.915 e nº 5.762, ambos de 2005 da Câmara dos Deputados e PLC nº 83, de 2008 do Senado Federal), que criminaliza a violação das prerrogativas dos advogados que, em caso de aprovação, blindará a garantia da inviolabilidade do direito de defesa a ser utilizado em favor do pleno exercício da advocacia.

Bibliografia:

Cartilha de Prerrogativas – Comissão de Direitos e Prerrogativas 1ª. e 2ª. Edição, 2008 e 2009 Editora LEX, 2008 e 2009;

A Inviolabilidade do Direito de Defesa, Cezar Brito e Marcus Vinicius Furtado Coêlho, 2ª. Edição, Editora Del Rey, 2009;

Revista do Advogado – Ética e Prerrogativas do Advogado – AASP, 2007;

Prerrogativas Profissionais do Advogado, Alberto Zacharias Toron e Alexandra Lebelson Szafir, OAB/Editora, 2006;

Estatuto da Advocacia, Comentários e Jurisprudência Selecionada, Gisela Gondim Ramos, OAB-SC/Editora, 1999;

Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB, Paulo Luiz Netto Lôbo, Editora Saraiva, 2002;

A Advocacia e a Ordem dos Advogado do Brasil, Gladston Mamede, Editora Sintese, 1999;

As Misérias do Processo Penal, Francesco Carnelutti, traduzido por por José Antonio Cardinalli, 2ª. Edição, Editora Bookseller, 2002

Notas

[1] SODRÉ, Ruy Azevedo, apud Rui Barbosa, A Ética Profissional e o Estatuto dos Advogados, São Paulo, LTr, p. 267.

[2] Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

*Marco Aurélio Vicente Vieira é advogado criminal e vice-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP

BIOÉTICA, BIOTECNOLOGIA E BIODIREITO

O mundo vive uma revolução sem precedentes, que passa despercebida pela imensa maioria das pessoas, inclusive por nós, advogados. Na história da humanidade, nunca antes se experimentou uma disseminação do conhecimento com velocidade tão gritante como a que estamos presenciando.

Se por um lado a velocidade com que o conhecimento é apreendido e disseminado traz grandes avanços científicos à humanidade, por outro pode trazer prejuízos irreparáveis às gerações futuras. Nesse sentido, o momento representa um paradigma determinante para a sociedade que queremos e a que deixaremos para as futuras gerações.

Por isso, sob os pontos de vista ético e legal, é primordial responsabilizar-nos, como operadores do direito, por um posicionamento jurídico quanto à aplicação dos avanços em prol da sociedade. Embora existam várias conceituações sobre bioética, basicamente este é o ramo do conhecimento que se preocupa com as consequências éticas e morais dos avanços científicos, norteando princípios a serem observados para sua adequada utilização.

Os princípios bioéticos são excluídos de coerção legal. São indicações morais para o emprego ético das novas técnicas. Estabelece-se, então, a importância de se relacionar a bioética ao direito, que deve valer-se dos princípios da bioética como forma de operacionalizar e responder a questões gerais que nos causam perplexidade. Chega-se, pois, ao biodireito, o direito aplicado à bioética.

A Comissão de Bioética, Biotecnologia e Biodireito da OAB/DF se propõe aprofundar junto à classe dos advogados e à sociedade os temas:
· Transgênicos – organismos geneticamente modificados e sua interação com o homem e o meio ambiente
· Células-tronco – até onde pode intervir a ciência em nome do avanço na cura de doenças
· Invasão de privacidade – segundo notícia recente, na cidade de São Paulo existe uma câmera para cada 16 habitantes, o que significa estarmos vivendo o big brother previsto por George Orwell
· Interação homem-máquina – até onde podemos ir?
· Eutanásia – pode o homem dispor livremente sobre sua vida?
· Cobaias humanas – pode dispor de seu corpo? qual o limite?
· A indústria farmacêutica e a lógica do mercado
· Clonagens – terapêutica e reprodutiva
· Outros – comércio de órgãos humanos; biodiversidade; eugenia; transexualidade; relação médico x paciente; aborto; biopirataria; etc.

Ressalte-se que a bioética é um ramo do conhecimento transdisciplinar influenciado pela Sociologia, Biologia, Filosofia, Medicina, Psicologia, Teologia e pelo Direito, dentre outros.

Importante que nós, advogados do Distrito Federal, estejamos na vanguarda das discussões. Precisamos estar habilitados a nos posicionarmos frente às novas questões, dando as respostas legais que a sociedade espera. Nesse sentido, a OAB/DF tem de ser indutora da capacitação de seus filiados.

Onde estávamos nós, advogados do DF, quando da discussão e da aprovação da “Declaração Universal Sobre Bioética e Direitos Humanos”, da “Declaração Internacional Sobre Dados Genéticos Humanos”, da “Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos” e de outras regulações?

Com o objetivo de fazer frente aos temas ligados à bioética, em 2005 o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional o PL 6032, que visa à criação do Conselho Nacional de Bioética – órgão ligado ao Presidente da República, que se encontra atualmente em grau de tramitação com regime de urgência. Este PL está apensado ao PL 3497/04, já em curso no Congresso.

Não se pode admitir outro papel à advocacia de Brasília senão o de vanguarda. A advocatícia praticada precisa fazer jus à relevância de nossa cidade, a capital da República, que concentra os órgãos de decisão do país. Não mais podemos esperar. Cabe-nos ser objetivos e dar novo viés na formação de nossos pares. Nossa Comissão se pretende disseminadora da discussão, patrocinando encontros com a academia, com seguimentos da sociedade, por meio de palestras, cursos e seminários, para dar qualidade ao trabalho do advogado brasiliense.

Estávamos, até a criação da CBBB, alheios a essas discussões, caminhando a reboque dos operadores do direito de outras Unidades da Federação, e isso não pode mais ser admitido, porque atingimos a maioridade.

É imperativo que a advocacia do DF passe a ter percepção desses temas para poder bem exercer seus compromissos no século XXI.

*Antônio Marcus da Silva é presidente da Comissão de Bioética, Biotecnologia e Biodireito da OAB/DF

MINISTRO BRITTO É JUIZ DIGNO E ESTÁ SENDO PREJULGADO

Nunca privei do convívio pessoal ou social com o ministro Carlos Ayres Britto, tampouco do de sua filha e genro (estes sequer de nome conhecia até anteontem). Conheço-o, tão só, e sem qualquer intimidade, das lutas institucionais travadas no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil e do cotidiano da árdua e sofrida advocacia criminal que exerço desde 1980, quando, estagiário, iniciei minhas atividades no escritório do professor Nilo Batista, com quem trabalhei cerca de um ano, e, mais tarde, antes de montar minha banca em meados da década de 80, com o professor Antonio Carlos Barandier, com quem labutei por cerca de três anos.

Não raro, discordo – e com muita veemência –, o que é natural em uma democracia que se pretende amadurecida, dos votos proferidos pelo ministro Britto, tido e havido, principalmente pelos criminalistas, como um dos mais rigorosos quando o tema em julgamento está afeto ao Direito Penal; isto é público e notório.

Neste momento, em que o sagrado silêncio de sua intimidade familiar foi escancarado, sinto-me no dever de registrar que Sua Excelência, homem de fino trato e de elegância ímpar, é credor da confiança – inquebrantável – de todos os profissionais do Direito e dos cidadãos brasileiros. Ele é, sem dúvida, um juiz. Um juiz que está a dignificar o Supremo Tribunal Federal.

O fato que veio à balha nos últimos dias não terá o condão de tisnar sua ilibada reputação.

E, aos afoitos que atiram pedras e pretendem, sem qualquer pudor, ver sangue escorrendo no lugar de suas legítimas lágrimas, e que não têm a preocupação com o sofrimento de um homem – sim, antes do magistrado, posta-se o ser humano igual ao mais humilde brasileiro –, pai de família, professor e com uma vida inteira de excelentes serviços prestados à democracia desta nossa novel República, lembro, sem prejulgar/julgar quem quer que seja, que não existe homem neste planeta imune, no seio de seus lares, às teias da fatalidade.

A fatalidade a todos pode atingir (repito em tom alto: não estou a julgar ou prejulgar ninguém). Ela não escolhe CPF ou RG! A investigação criminal já foi requisitada pelo ministro Ayres Britto e tudo restará esclarecido no seu devido tempo – confio que este tempo não seja contaminado, ainda que por intermédio do processo químico de osmose, pelas paixões e rancores, por vezes presentes n’alma de seres apequenados.

Portanto, reflitam bastante antes de jogarem, irresponsavelmente, “lenha na fogueira”. A cidadania agradece.

* Luís Guilherme Vieira é advogado criminal

A POLÊMICA DO QUÓRUM NAS DECISÕES DO STF

Um dos temas que tem surgido no noticiário jurídico brasileiro é o problema de quórum do Supremo Tribunal Federal para deliberação de questões constitucionais que ensejam uma maioria qualificada. Nos Estados Unidos a previsão de quórum para os julgamentos da Suprema Corte não está na Constituição, mas no regimento da Corte. É que os juristas americanos entendem que inserir na Constituição dispositivos relativos ao quórum necessário para deliberação da Suprema Corte poderia resultar num engessamento para os trabalhos judiciários. Coube à jurisprudência norte-americana construir raciocínio segundo o qual só se deveria decidir se uma lei é inconstitucional pela maioria dos integrantes da Corte. Essa orientação ganhou o nome de full bench.

Há situações curiosas nas quais não foi possível formar a maioria necessária para a deliberação constitucional. Ao apreciar o caso Hepburn v. Griswold, (1870) e Illinois Cent. R. Co. v. State of Illinois (1892) a Corte estava desfalcada. É que o Chief Justice Edward Douglass White havia participado do julgamento na instância ordinária e o Justice Samuel Blatchford tivera ligações profissionais com a companhia autora da ação. O jeito foi declarar a inconstitucionalidade do ato questionado valendo-se do voto de somente quatro justices, dentre os nove que compunham a Corte. Vejam que não houve maioria formada e mesmo assim o ato foi declarado inconstitucional.

O ideal é que todos os julgamentos de uma Suprema Corte ocorram com a presença da totalidade dos seus membros. Mas nem sempre isso é possível. Basta lembrar o clássico caso Marbury v. Madson (1803), que estabeleceu a possibilidade de o Judiciário declarar uma lei inconstitucional. Esse precedente foi firmado por quatro votos, quando a Corte era composta por seis justices. O tribunal não estava completo quando julgou o mais importante caso da história do controle de constitucionalidade do mundo. Atualmente o quórum para abertura da sessão da Suprema Corte nos Estados Unidos é de seis justices sendo, o tribunal, formado por nove justices. No Brasil, o STF funciona tendo de respeitar dois tipos de quórum. O primeiro tipo é o “quórum de sessão” e o segundo, o “quórum de julgamento”.

O quórum de julgamento tem previsão constitucional no artigo 97 que diz que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros” o STF pode declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público. Já o quórum de sessão tem previsão regimental e legal. Ele é previsto no parágrafo único do artigo 143 do Regimento Interno do STF que diz que o quórum para votação de matéria constitucional é de oito ministros. A Lei 9.868/99 dispõe, no seu artigo 22, que “a decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito ministros”. A Lei 9.882/99, em seu artigo 8º, diz que a decisão sobre Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos ministros (oito).

Frise-se que, em caso de não haver quórum para a instalação da sessão de julgamento de processo que trate de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, não será declarada prejudicada a ação. O que se faz é adiar o julgamento para que ele seja procedido quando houver quórum na sessão.
Do mesmo modo, uma vez iniciado o julgamento, mas tendo caído o quórum em razão da saída de ministros durante a sessão de modo que não mais haja no plenário número suficiente para a apreciação da ação, o julgamento será suspenso e retomado com o quórum suficiente à apreciação da demanda.

Durante o julgamento da ADPF 46, que debatia o monopólio postal exercido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), a Corte se deparou com um placar de 5 x 5. O voto que faltava, do saudoso ministro Menezes Direito, não ocorreria, uma vez que Sua Excelência havia se declarado suspeito. Assim sendo, a Corte não tinha um resultado a dar, pois, para uma ou outra corrente precisaria de, pelo menos, seis votos.

Em razão disso o ministro Cezar Peluso registrou: “É nesse sentido que proponho ao tribunal proclamar o resultado do julgamento: não tendo sido obtido o quórum especial para a pronúncia de incompatibilidade ou pronúncia de revogação, o diploma normativo subsiste”. Depois da proposta, houve a evolução de um voto e foi possível alcançar os necessários seis votos para uma dada posição.
Após essa situação, o STF realizou uma sessão administrativa dia 2 de dezembro de 2009 e aprovou a Emenda Regimental 35, introduzindo um conjunto de medidas destinadas a evitar que a Suprema Corte se depare com esses embaraços institucionais.

O artigo 13, IX, instituiu o chamado voto de qualidade para o presidente da Corte. Cabe-lhe proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição; b) vaga ou licença médica superior a 30 (trinta) dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o ministro licenciado.

Também foi modificado o artigo 40, passando a dispor que o presidente do STF convocará ministro licenciado para completar quorum no Plenário, em razão de impedimento ou licença superior a 30 dias. Foi o que aconteceu recentemente, no dia 4 de agosto de 2010. Um empate por 5 x 5 determinou a suspensão do julgamento, pelo Plenário, do RE 564.413/SC, com repercussão geral admitida, em que se discutia a imunidade — ou não — das receitas com exportações à incidência da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL).

O ministro Joaquim Barbosa, que deveria desempatar o caso, estava de licença-médica. O ministro Cezar Peluso, presidente da Corte, informou que o ministro Joaquim interromperia, na semana seguinte, sua licença para tratamento de saúde para participar de votações no Plenário e desempatar a questão. Assim foi feito.
A Emenda Regimental alterou, ainda, o artigo 146 para que, havendo empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, a questão seja considerada julgada, proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta.

Por fim, o parágrafo único do artigo 146 dispõe que, no julgamento de habeas corpus e de recursos em habeas corpus, em caso de empate, será proclamada a decisão mais favorável ao paciente. Aqui, foi retirada a restrição anteriormente prevista de que “o presidente não terá voto”. Agora o presidente pode votar. Sabemos que o exercício do controle de constitucionalidade das leis depende da votação da maioria absoluta do STF, logo, podemos dizer que o artigo 146 se volta para decisões decorrentes do controle de constitucionalidade e não o artigo 13, IX, que fala da possibilidade do voto de qualidade do presidente. Até porque o próprio artigo 13, IX, diz só ser aplicável em casos em que o Regimento não disciplinar o que não ocorre com os julgamentos de controle de constitucionalidade.

A redação do artigo 146 gera inúmeras controvérsias. Se for feita uma leitura ao pé da letra certamente teremos contradições. É que, no caso da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) o que se pede é exatamente a declaração de constitucionalidade da lei ou ato normativo. Em caso de empate, a solução contrária à pretendida seria a declaração de inconstitucionalidade que operar-se-ia sem o quórum de maioria absoluta exigido pela Constituição Federal.

Logo, a interpretação a ser dada deve ser no sentido de que nenhuma lei ou ato normativo jamais será declarado inconstitucional senão pela maioria absoluta da Corte, e, caso haja empate em qualquer que seja a ação, não teremos maioria absoluta formada, logo, a lei ou ato normativo questionado permanece no ordenamento.

Na hipótese acima, contudo, a decisão quanto à lei ou ato normativo não se revestiria da chamada eficácia vinculante, ou seja, posteriormente, havendo mudança na composição do Tribunal, o questionamento poderia ser feito novamente, uma vez que possivelmente a situação anterior, qual seja, ausência de quórum para formar maioria absoluta seja no sentido da declaração de constitucionalidade, seja no sentido da inconstitucionalidade.

No julgamento da Ação Penal 133/PR, o STF se viu diante de uma saia justa que trouxe à tona a aplicabilidade do mencionado artigo 146. O Tribunal debatia se condenava, ou não, um político acusado da prática de um crime. Como o ministro Eros Grau estava justificadamente ausente, a Corte teria de esperar o seu retorno para o desfecho do caso. Contudo, quando o ministro retornasse, o suposto crime estaria prescrito.

A ministra Ellen Gracie propôs aplicação da Emenda rejeitando-se a denúncia na esteira do que diz a parte final do artigo que diz considerar julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida. Como o que se queria era a condenação do político, a solução contrária seria a sua absolvição. Esta foi a proposta da ministra Ellen. Contudo, a Corte rejeitou a proposta e preferiu aguardar o ministro Eros Grau.

O autor Tedesco Ernest Friesenhahn (In La Giurisdizionale nella Repubblica Federale Tedesca. Ristampa, Milano: Dott. A. Guiffrè, 1973, p. 140, n. 13) discorrendo sobre disposição idêntica ao artigo 146 usada pelo Tribunal Constitucional Federal alemão afirma que havendo número idêntico de votos, não cabe ao presidente o desempate, mas a rejeição do pedido. Neste ponto ele faz o alerta de que o dispositivo pode levar a resultado impossível, porque a solução da lide poderia depender da forma positiva ou negativa do pedido. Assim, em caso de paridade de votos, tal como foi ajuizado o pedido, não pode ser declarada uma violação da Lei Fundamental ou de outro direito federal.

Essa parece ser a linha que deve ser adotada pelo STF. Em se tratando de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo não há que se falar em voto de qualidade do Presidente. Não há essa possibilidade como acontece, por exemplo, na Suprema Corte Italiana. Assim, no STF, havendo empate em casos dessa natureza prevalece a máxima “one man, one vote”, ou seja, o voto do presidente vale exatamente tanto quanto vale o voto dos seus pares.

*Advogado Constitucionalista, professor de Direito Constitucional do IESB e autor do livro “Controle de Constitucionalidade Moderno”.

DEFINIÇÃO E PUNIÇÃO À ALIENAÇÃO PARENTAL

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou o projeto de lei n.´ 4.053/2008, no último dia 7 de julho, que define formas de manifestação e dispõe sobre a punição ao pai ou mãe que tente desconstruir a imagem do outro genitor para o filho, gesto conhecido como alienação parental.

A alienação parental ocorre quando um dos genitores acaba implantando memórias falsas e/ou distorcidas em uma criança ou adolescente sob sua guarda, desfazendo a real imagem do outro genitor, através de uma campanha de desqualificação reiterada da conduta deste no exercício da paternidade ou maternidade.

Esta “implantação de falsas memórias” pode ocorrer, ainda, em relação a outras pessoas do convívio familiar, que não tenham a guarda da criança ou adolescente, como por exemplo, os avós e os tios.

Alguns casais conseguem enfrentar a separação sem descuidar da proteção dos filhos. Outros, porém, não só fazem deste momento um campo de batalha, como não poupam os filhos dos conflitos conjugais, utilizando-os como instrumentos para atingir o ex-cônjuge ou companheiro.

As estratégias utilizadas pelo alienador são muitas e variadas, mas giram ao redor de um denominador comum, organizado em torno de avaliações prejudiciais, negativas, desqualificadas e injuriosas em relação ao outro genitor.
Estudos indicam que 80% dos filhos de pais divorciados ou em processo de separação já sofreram algum tipo de alienação parental.

No Brasil, o número de “órfãos de pais vivos” é, proporcionalmente, o maior do mundo. Fruto de mães, que, pouco a pouco, apagam a figura do pai da vida e do imaginário da criança. Nos Tribunais de Justiça brasileiros já existem mais de trinta acórdãos relacionados à alienação parental, especialmente nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.

A alienação parental pode acarretar graves distúrbios psicossociais as crianças e adolescentes, jovens com apenas um dos pais são três vezes mais propensos a problemas comportamentais comparados aos que tem pai e mãe presentes na mesma casa.

Esse afastamento não é deletério apenas para a criança, mas, também, aos pais abandonados pelos filhos. Richard Gardner, professor do Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Columbia, EUA, conclui que: “a perda de uma criança nesta situação pode ser mais dolorosa e psicologicamente devastadora para o pai-vítima do que a própria morte da criança, pois a morte é um fim, sem esperança ou possibilidade para reconciliação, mas os “filhos da alienação parental estão vivos, e, consequentemente, a aceitação e renúncia à perda é infinitamente mais difícil e dolorosa”.

O projeto estabelece alguns exemplos de manifestação da alienação como: dificultar o contato da criança com os genitores e as visitas regulamentadas; omitir informações sobre a criança; e até mesmo, mudar de cidade ou país para prejudicar o convívio com o outro genitor.

Outra manifestação prevista é apresentar falsa denúncia contra o genitor de forma a obstar o contato com a criança. As punições vão desde advertência e multa, ampliação da convivência com o genitor “alienado”, determinação de acompanhamento psicológico, até a inversão da guarda da criança e a suspensão da autoridade parental.

A aprovação deste projeto de lei vem ao encontro da necessidade de se determinar parâmetros mais bem definidos com relação à eventual ocorrência da alienação parental, de modo a permitir aos envolvidos com esta delicada situação (presente no âmbito das entidades familiares), atuarem com o objetivo de evitar que ocorram ainda mais traumas às crianças e aos pais envolvidos nos já desgastantes processos de separação.

*Ana Luisa Porto Borges é advogada da área cível.

AULA INAUGURAL NA ESA SOBRE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

A Escola Superior de Advocacia da OAB/DF inicia o curso de pós-graduação em Direito Processual Civil, com aula inaugural do desembargador do Tribunal de Justiça do DF, Arnoldo Camanho de Assis. Ele discorrerá sobre o tema “As bases constitucionais do processo”.

Segundo Camanho, que é mestre em Direito, o estudo do Código de Processo Civil em vigor é fundamental para a compreensão das mudanças propostas pela comissão de reforma do CPC, que já tramita no Congresso.

A aula será na sexta-feira (20/8), às 18 horas, no auditório da ESA, no edifício-sede da OAB/DF, na 516 Norte.

PONTOS DE VENDA DE CONVITES PARA A FESTA DO ADVOGADO

A tradicional festa do advogado será na próxima sexta-feira (13/8). Os convites já estão à venda. Confira os locais:

Sala de apoio aos advogados, no TJDFT; Fórum Desembargador Antônio Mello Martins, em Taguatinga; Juizado Especial da Justiça Federal; Fórum de Santa Maria, Fórum Juscelino José Ribeiro, em Sobradinho; Fórum José Júlio Leal Fagundes, próximo à estação Parkshopping do metrô; STF; Terminal de Integração das Vans, ao lado do Tribunal de Contas do DF ; tesouraria da OAB/DF, na 516 norte; e subseções.

As atrações incluem Mr. Babão, Rogério Midlej e Jazz Quinteto. A festa começa às 23h, no Clube do Exército. Informações: [email protected] ou 3035-7243 e 3035-7221.

Confira (aqui) a programação completa do mês do advogado.

Exame indispensável

A composição de conflitos na ordem social por meio de mediação de instâncias judiciárias é uma das principais garantias que substanciam o Estado Democrático de Direito. Não passa de truísmo afimar que, onde o Judiário é apenas peça decorativa para simular a existência de democracia, não há segurança quanto à reparação de violências a direitos fundamentais. Mas é preciso colocar em cena a verdade inconteste ante reações que parecem desconhecê-la.

A autoridade da Justiça, nos regimes abertos, afluentes e sujeitos aos cânones da ordem jurídica, não é exercida de forma autárquica, isto é, depende de provocação da sociedade. Quem se investe no direito de acionar o Poder Judiciário em nome dos cidadãos são profissionais dotados de comprovada habilitação técnica. No plano da representação dos interesses privados, cumpre aos advogados fazê-lo (salvo os jurisdicionados a órgãos públicos). É o que todos sabem. Mas há os que não se conformam.

É o caso da resistência de bacharéis ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) como pressuposto indispensável para declará-los aptos ou não ao exercício da advocacia. A prova de conhecimento busca evitar que demandas sejam ajuizadas por quem carece de capacidade acadêmica para atuar nas instâncias judiciais. A deficiência docente de centenas de cursos de direito, entre os 1.066 existentes no país (dado do Ministério da Educação), responde pela outorga de diplomas universitários a estudantes despreparados.

Não surpreende, pois, o fato de 88,2%, dos 106.891 bacharéis avaliados pela OAB este ano, terem sido reprovados. Outro resultado alarmante, mas distante de representar novidade: nenhum candidato de 81 das 610 faculdades que submeteram diplomados ao filtro da OAB obteve êxito. O retrato assustador comprova que o Exame de Ordem não é apenas indispensável. Deve ser utilizado, também, como fonte para consolidar ações do Ministério da Educação na tarefa de ampliar a fiscalização das entidades de ensino jurídico e, se necessário, puni-las ou desativá-las.

Lamenta-se que milhares de brasileiros, a maioria onerada ao extremo, sejam vítimas de instituições desprovidas de mínimas condições pedagógicas para ministrar matérias de nível superior. Admitir a extinção do Exame de Ordem para favorecer os prejudicados, como prega o desespero de muitos deles, implicaria condenar a coletividade ao escrutínio de milhares de advogados iletrados em ciência jurídica. Chegar-se-ia ao caos generalizado. Na Justiça, pela possibilidade de decidir de modo injusto ante a má formulação do direito ou em razão de sustentações exóticas das peças contestatórias. Na OAB, pela desmoralização dos advogados.

O Exame de Ordem não se impõe apenas em consequência de previsão no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994). Decorre, sobretudo, da função crítica que a OAB exerce no conjunto das instituições democráticas, dever incompatível com a admissão em seus quadros de membros inábeis à postulação judicial. Não por outra razão, o artigo 133 da Constituição declara: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (no caso, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil).

*Josemar Dantas é editor do suplemento Direito & Justiça, do jornal Correio Braziliense