A PEC dos recursos não será solução para o judiciário

O mundo jurídico assiste agora a uma verdadeira campanha patrocinada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, combativo e valoroso defensor do projeto apelidado de PEC dos recursos.

Recentemente, o autor da proposta foi ao Senado Federal, desfilou números e argumentos em defesa da sua posição. Conseguiu, de imediato, atrair a simpatia de alguns parlamentares com o discurso, bem elaborado e sedutor, típico nas pessoas inteligentes, que atribui aos recursos — e, de forma subliminar, aos advogados que os utilizam — a culpa por todas as mazelas do Judiciário, em especial a longa duração dos processos.

O ministro Peluzo afirma que algumas poucas injustiças deverão ser toleradas. É duro ouvir isso de um magistrado, ainda mais quando a realidade revela que as “poucas injustiças” não são tão poucas. Dados revelados no Relatório Estatístico do Superior Tribunal de Justiça, referente ao ano de 2010, revelam que esses casos — de decisões proferidas em desrespeito à legislação federal — são bem numerosos.

Os números desse relatório assustam, pois atestam que, do total de recursos julgados pelo STJ (330.283), 21,32% são providos. Quando se analisa apenas os números dos recursos especiais — que são objeto da famigerada PEC dos Recursos — constata-se que estes, em 2010, foram em número de 69.797, dos quais 39,37% foram providos.

Se aprovada essa PEC, as decisões acima, mais de um terço do total, irão se tornar “definitivas” e poderão ser, de imediato, objeto de execução. Isso significa dizer que de cada dez dessas decisões, quatro serão executadas, mesmo tendo sido proferidas de forma contrária a normas de lei federal.

Num país sério isso é inadmissível. Quanto aos números no Supremo Tribunal Federal, existe uma controvérsia, ou melhor, uma incógnita. Isso porque o ministro Peluso afirmou que apenas uma pequena parte dos recursos que aportam ao STF é provida. Porém, numa outra ocasião (ADPF 144), o ministro Ricardo Lewandowsky afirmou em seu voto que quase um terço dos recursos criminais apreciados pelo STF era provido, no todo ou em parte.

O que se sabe do STF, segundo dados do estudo “Supremo em Números” divulgado pela FGV, é que o seu grande cliente, quando se trata de competência recursal, é a administração pública.

Segundo esse estudo, a análise dos litigantes com mais de mil processos no STF revela que quase 90% dos processos têm a administração pública como parte. Chega a ser engraçado, se não fosse trágico, constatar que a administração pública, que deve pautar sua atuação pela obediência ao principio da legalidade, é a maior cliente do STF. Essa sim é a origem de um dos grandes problemas do Judiciário.

O recurso é uma manifestação de vontade da parte, vencida no processo, que busca, em uma outra instância, a reforma de uma decisão que lhe foi desfavorável. No Brasil, como regra, da sentença cabe apenas um único recurso. As decisões interlocutórias — aquelas proferidas no processo, solucionando inúmeras questões incidentes, — também podem ser combatidas por um único recurso.

No que toca aos Tribunais Superiores (STF e STJ) estes têm sua competência, originária e recursal, definida pela Constituição Federal (arts. 102 e 105). A Carta Magna prevê a possibilidade de interposição de recurso extraordinário e especial em hipóteses restritas e excepcionais. Ou seja, nem todas as decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais poderão ser levadas a reexame das Cortes Superiores.

Pois bem, fixados esses pontos, resta saber: no Brasil existem muitos recursos? A resposta é: não. A realidade é que os problemas do Judiciário são outros. Os gargalos do sistema, em sua maior parte, estão localizados na primeira instância. É lá que proliferam as decisões interlocutórias e escasseiam as sentenças proferidas em um prazo razoável. Por coincidência, é na primeira instância que são realizados os menores investimentos do Poder Judiciário e, por consequência, é ali que se encontra a pior estrutura de suporte à atividade judicial.

Aos Tribunais Superiores (STF e STJ) a Constituição Federal atribuiu a função de zelar pela correta aplicação das normas constitucionais e pela uniformidade da interpretação da lei federal.

E não se fale na existência de três ou quatro graus de jurisdição. Os recursos aos Tribunais Superiores somente podem ser interpostos nas hipóteses previstas na Constituição. Se existe abuso na utilização dos recursos, que seja punido. A lei contém instrumentos para tanto. O nosso sistema recursal tem problemas, sim. Porém, matar o doente não é a cura.

É contrária à Constituição Federal — e também ao bom senso — a proposta de se privar da parte o direito à utilização dos recursos especiais e extraordinários. É a Constituição que assegura, como direito fundamental, a ampla defesa, o contraditório e os meios e recursos a ela inerentes.

Felizmente vozes sábias têm se levantado contrariamente a essa proposta. Dentre estas, merece destaque o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Porém, não são apenas os advogados que acham a mudança proposta descabida. Alguns ministros como Marco Aurélio (do STF) e, recentemente, Napoleão Nunes Maia (do STJ) também se posicionaram como adversários da mudança proposta, sendo que este último foi preciso ao afirmar que “hoje quem fala mal de recursos é aplaudido, mas a verdade é que eles existem para combater os abusos. Não são os recursos que devem ser diminuídos, e sim as ilegalidades.”

A proposta ora em debate lembra a velha piada do marido traído, que cansado da infidelidade da esposa, resolveu vender o sofá em cima do qual a traição ocorria. Espera-se que a sociedade promova um debate maduro sobre o assunto, com base em argumentos racionais, em dados verdadeiros, sem apelos emocionais.

José Guilherme Carvalho Zagallo e Ulisses César Martins de Sousa são conselheiros federais da Ordem dos Advogados do Brasil.

O advogado e sua função social

Discutir a função social do advogado é apontar para a importância e a indispensabilidade deste profissional na sociedade. Se há vida social, há, em algum nível, uma ordem jurídica. A formação acadêmica do advogado e o exercício diário de seu ofício o credenciam a conhecer e operar o Direito. Não por acaso, atos da advocacia constituem múnus público. O profissional se obriga a encargos coletivos e de ordem social. Caso seu desempenho acarrete prejuízo, o advogado está sujeito a sanções processuais e disciplinares.

Ser indispensável à administração da Justiça está constitucionalmente garantido. Por sua vez, a lei federal diz que, no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. Pode-se afirmar, sem exageros, que a trajetória de vida e a atuação destemida de bravos advogados e da gloriosa Ordem dos Advogados do Brasil, que congrega e dirige a classe, foram fundamentais para alcançarmos o tão sonhado Estado Democrático de Direito. Agora, o desafio que temos pela frente é o da construção de uma sociedade mais solidária. Não por acaso, o legislador nos deu a nobre e árdua missão de defender a Constituição, a ordem jurídica, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da Justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

Esse mister encontra sua gênese nos primórdios da profissão. Mesmo na ausência de leis escritas, o convívio humano exigiu o estabelecimento de normas de relacionamento para fluência da vida social. Com o surgimento do Estado, o homem perdeu o poder de decidir apenas como indivíduo. A tutela passou a ser jurídica e estatal, e a satisfação dos interesses passou a demandar o devido processo legal. Por outro lado, o cidadão ganhou o poder de exigir a prestação jurisdicional e a atenção do Estado para garantir direitos básicos a todo ser humano. Neste cenário, o advogado é peça fundamental, porque é ele quem postula em juízo, ou fora dele, em nome de nossa sociedade para assegurar a observância desses direitos universais.

A advocacia evoluiu. Não ficou apenas na defesa do indivíduo e de seus interesses privados. Com o fortalecimento do Estado do Bem-Estar Social, os indivíduos encontraram caminho fértil para se associarem. Surgiram grupos de naturezas diversas, e seus interesses tornaram-se coletivos. As leis acompanharam o processo, e ao advogado coube também a missão de defender os interesses difusos. No contexto, a atuação da OAB e, por conseguinte, do advogado, cresceu em importância na sociedade, na medida em que contribuiu para impulsionar grandes transformações sociais.

O advogado é também peça essencial na proteção dos direitos e das garantias fundamentais, prerrogativas constitucionais que formam um dos pilares do Estado Democrático de Direito, ao lado do enunciado da legalidade e do princípio da separação dos poderes. Por isso, é função social do advogado velar pelos direitos e pelas garantias do cidadão, participando de forma ativa na construção de uma sociedade mais igualitária e livre. Tem ele papel fundamental para que haja irrestrito cumprimento dos princípios constitucionais que fundamentam a República, em especial o da dignidade da pessoa humana e o dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Constata-se que a função social do advogado evolui com o Direito e com as próprias transformações da sociedade. Não é algo estático ou acabado. Cada vez esse profissional é mais exigido. Quanto mais complexas as relações, maior a responsabilidade do advogado. É ele quem oferece, em juízo, novas e mais oportunas interpretações para obtenção de uma vida adequada à democracia. É ele quem demonstra que as normas estão em constante mutação, por ser dele o papel de ajustá-las à realidade e necessidade da sociedade e de requerer dos magistrados humanidade nos julgamentos, propiciando constantes avanços sociais.

O debate sobre a função social do advogado ganhará, a partir de hoje à noite, palco privilegiado: a VII Conferência dos Advogados do Distrito Federal, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, com desenvolvimento de trabalhos nos dias 1º e 2 de junho. Jamais se esgotará o tema; mas na quinta-feira, ao final da Conferência, a classe poderá formatar conceitos e construir conclusões sobre a real importância do advogado!

Artigo publicado no Correio Braziliense desta terça-feira (31/05)

Exemplo de Função Social

Importa lembrar neste 19 de maio, Dia do Defensor Público, que esses profissionais realizaram, aqui em Brasília, 500 mil atendimentos só em 2010. O número expressa o espírito com o qual os constituintes escreveram o artigo 134 da Carta de 1988, ao conferir à Defensoria status de instituição essencial à função jurisdicional do Estado.
Ser essencial à Justiça não é mero privilégio dos defensores.

A prerrogativa é da sociedade, que tem seu amplo direito à defesa assegurado, mesmo para quem não tem condições de pagar a um advogado. Tal papel, que garante o Estado Democrático de Direito, tem sido realizado diligentemente pela Defensoria Pública do Distrito Federal, revelando uma instituição que compreende a extensão social de um dos pilares da Justiça, a defesa.

Não me admira o excelente trabalho realizado em defesa da população hipossuficiente. Nossa Defensoria foi das primeiras do Brasil criadas nos moldes da Constituição. Foi instituída em 1994 com o nome de Centro de Assistência Judiciária do Distrito Federal. Mais recentemente, o Governo do Distrito Federal propôs e a Câmara Legislativa aprovou projeto de lei que confere autonomias funcionais, administrativas e orçamentárias à Defensoria Pública do DF. A lei determina os objetivos da instituição, seus beneficiários e fixa os direitos do cidadão quanto à informação, à eficiência e à presteza do atendimento.

O texto ainda trata da forma de investidura e das atribuições do diretor-geral, do corregedor, dos membros do Conselho e da Ouvidoria. Assegura-lhes a estabilidade necessária ao desempenho de suas atividades. Tive a honra de presidir a sessão de sanção desta magnífica lei. A OAB é uma defensora da Defensoria Pública. Ao valorizar e privilegiar a instituição, temos defensores mais motivados e mais preparados para defender a parte carente da sociedade e promover a cidadania.

E um exemplo de promoção da cidadania realizada pela Defensoria do DF é o projeto “Conhecer Direito”, que permite aos jovens sem condições financeiras fazerem curso de conhecimento básico de Direito inteiramente gratuito para ingressarem em universidades e em cargos públicos. Esse extraordinário projeto mostra que a Defensoria Pública assimilou o comando legal do advogado de defender a Constituição, os direitos humanos, a justiça social, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento das instituições jurídicas.

A Defensoria tem levado às últimas consequências a função social do advogado, que é exatamente o tema da VII Conferência dos Advogados do DF. Somos promotores da justiça social. Temos de construir uma sociedade mais democrática, mais fraterna, mais justa e mais igual. A Defensoria do DF tem dado o exemplo. Parabéns!

Fonte: Jornal de Brasília (19/05/2011)

Limitar prisão preventiva é resposta ao punitivismo

Em 7 de abril deste ano, o Senado Federal aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei 111, de 2008, da Câmara dos Deputados que, prosseguindo na implementação da reforma do Código de Processo Penal, altera dispositivos do referido diploma no que importa, principalmente, à prisão, medidas cautelares e liberdade.
O projeto, originariamente registrado como Projeto de Lei 4.208/2001, segue agora para sanção presidencial, criando um espaço extremamente fecundo, uma verdadeira convulsão intelectual sobre as mudanças que propõe, enquanto aguarda a chancela do Poder Executivo.

Nada mais natural, portanto, que surjam nesse momento toda sorte de comentários, críticas e elogios ao texto que está prestes a ganhar vida no dia-a-dia dos tribunais.
Um dos pontos altos da reforma, digno, aliás, das mais sinceras homenagens, diz respeito à enorme preocupação hoje existente no país em relação ao problema do crescimento da população carcerária, que traz, numa análise mais simplista, três principais pilares: 1) a exorbitante quantidade de presos provisórios que ocupam vagas no sistema penitenciário; 2) o fracasso da sistemática de progressão de regimes; 3) a lamentável cultura de recrudescimento da legislação penal no Brasil.

E tal aumento na população carcerária, como não podia deixar de ser, também provoca, dentre várias outras, três principais conseqüências: 1ª) o triste insucesso dos ingênuos propósitos de reeducação, ressocialização e reinserção do preso e do egresso; 2ª) a criação de ambiente propício ao desenvolvimento da criminalidade organizada dentro dos próprios estabelecimentos prisionais; 3ª) as rotineiras e graves ofensas aos direitos humanos.

Todos esses itens foram observados há anos e já há tantos outros vêm sendo sistematicamente discutidos. O Projeto de Lei 4.208/2001, por sua vez, chega como uma tentativa muito bem intencionada de atacar justamente um desses pilares do aumento do encarceramento e, por tabela, das mazelas que essa proporciona: a desproporcional quantidade de presos provisórios que habitam o sistema penitenciário.
Nesse aspecto, um artigo divulgado recentemente pelo jornal Valor Econômico, de autoria do desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, traz uma abordagem interessante sobre a reforma trazida no projeto de lei em questão e, sobretudo, o alcance e as consequências práticas que esse tende a provocar no Direito criminal brasileiro.

O desembargador, que até 2010 respondia pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, especializada em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Valores, inicia o artigo atribuindo-lhe o seguinte título “A blindagem do crime econômico” e argumenta que a prisão provisória no Brasil ficará praticamente inaplicável, eis que o Projeto prevê a implementação de nove medidas que se propõem sempre anteriores à decretação da prisão.

Segue o autor trazendo exemplos de tipos penais que não admitirão essa hipótese de medida constritiva, como todos aqueles com pena máxima inferior a quatro anos e o desembargador faz questão de citar um rol exemplificativo que conta com vários delitos. Em conclusão, ainda faz questão de destacar que, dentre eles, situam-se a maior parte dos crimes econômicos e financeiros.

Essas as considerações, impossível não rememorar a exposição de motivos do Código de Processo Penal, igualmente editada em 1941, na qual o legislador esmerou-se em declarar a existência e vigência da chamada “prisão obrigatória”, para aqueles delitos cuja pena máxima fosse igual ou superior a dez anos. Tal instituto hoje se afigura como um verdadeiro acinte ao Estado Democrático de Direito, representando a máxima expressão da anti-democracia, da negação da presunção de inocência. A muito custo, no lavor diário e incansável da reafirmação da democracia e consolidação da Constituição Republicana de 1988, tal hipótese foi banida do direito brasileiro.

E já agora, passados sessenta anos do nascimento legal da prisão obrigatória, quando os tempos são radicalmente outros e a prisão constitui-se, cada dia mais, uma excepcionalidade, como de fato há de ser, algumas vozes ainda se levantam bradando pelo retorno dos grilhões, pela maximização do punitivismo, pelo recrudescimento da legislação penal, das hipóteses de prisão, provisórias ou definitivas.

Ora, na Europa — sobretudo em Portugal, Alemanha e Áustria — ganham força os movimentos de descriminalização de condutas, como o Direito de Mera Ordenação Social, que sustenta a administrativização das infrações penais, que passariam a ser ilícitos administrativos, punidos quase sempre com sanções pecuniárias.
No Brasil não se chega a tanto, mas é impossível não admitir como uma inovação extremamente salutar a implementação de medidas legais que necessariamente deverão anteceder a decretação de prisão preventiva, como vem trazer o Projeto de Lei 4.208/2001, digno dos mais sinceros e veementes aplausos.

A prisão agora sim começa a caminhar para seu devido lugar, rumo à excepcionalidade, à tão falada ultima ratio, cabível tão somente ante a falência de medidas outras, recém criadas, mas tão efetivas quanto e sem lançar os cidadãos às agruras do cárcere, sobretudo quando ainda não julgados, tampouco condenados em definitivo.

A luta pela dignidade humana, pelas condições mínimas de higiene, alimentação, saúde, que passa necessariamente pelo despovoamento das penitenciárias, tem como objeto principal a população mais humilde, que hoje representa percentual infinitamente maior do público carcerário. Logo, tais medidas previstas na reforma processual virão a beneficiar, obviamente, o criminoso comum, jamais aqueles afetos à criminalidade econômico e financeira, tal como quis fazer supor o Desembargador Fausto de Sanctis.

A tal “blindagem do crime econômico”, caso existisse, jamais poderia ser considerada como um reflexo da reforma constante do Projeto Lei 4.208/2001, jamais! Pois a prisão preventiva como hipótese restrita haverá de afetar, inegavelmente, um público que não é aquele característico da criminalidade econômica.

Ademais, impossível não destacar, a partir das considerações esposadas no referido artigo do dr. Fausto de Sanctis, que dos inúmeros delitos que trazem penas máximas inferiores a 04 (quatro) anos, a grande maioria certamente admitirá benefícios processuais como a transação penal, a suspensão condicional do processo ou a substituição de pena; assim, por coerência, jamais poderiam admitir a prisão preventiva.

Na verdade, a preocupação externada por De Sanctis desnuda o verdadeiro uso a que se tem dado à prisão preventiva nos dias de hoje. Dada a incapacidade do Poder Judiciário de encerrar os processos relativos a crimes econômicos e tantos outros, vitimados pela morosidade judiciária, a prisão provisória acaba se tornando um falso baluarte contra a seletividade do sistema penal.

Por fim, deve-se festejar as inovações trazidas no Projeto de Lei em questão, tidas como uma resposta ao exacerbado punitivismo, à falsa e maléfica noção de que o cárcere é a melhor resposta, qualquer que seja o delito, o público, quaisquer que sejam os valores envolvidos.

Se alguma blindagem há, é contra o injustificável aumento da população carcerária, contra as condições subhumanas nas quais são lançados diariamente homens e mulheres, sobretudo aqueles menos favorecidos economicamente.

E, no que importa à criminalidade econômica, talvez agora finalmente possamos assistir o fim dos lamentáveis espetáculos propagandísticos e midiáticos proporcionados pelas prisões, pelas algemas, pelas dezenas de policiais fortemente armados até os dentes nas deflagrações das grandes operações policiais, quando os grilhões jamais se prestam a garantir a integridade ou a segurança de quem quer que seja, pois se prestam exclusivamente a impor aos cidadãos, em rede nacional, a humilhação, a pecha de culpados àqueles que são, acima de tudo, presumivelmente inocentes, até que se prove o contrário.

Antônio Carlos de Almeida Castro é advogado criminalista
Marcelo Turbay Freiria é advogado.

UM BELO EXEMPLO

Quando alguns tribunais do país, esquecendo que o acesso à justiça é “o mais fundamental dos direitos humanos” (Mauro Capeletti) e que a prestação jurisdicional é um serviço essencial à cidadania, questionam a norma do Conselho Nacional de Justiça que amplia o horário de atendimento ao público, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo dá um grande exemplo, ao adotar o horário estendido.

Alguns tribunais, dentro de uma clara campanha de enfraquecimento do Conselho Nacional de Justiça, recusam-se a cumprir a norma, sob o argumento da autonomia administrativa. Na verdade, o que está por trás do discurso em defesa da autonomia é um conceito ultrapassado, elitista, que não compreende que os tempos são outros e que cada dia mais imensas massas de deserdados adquirem (conquistam) o acesso à justiça. Além, é claro, da manifesta resistência que ainda existe – e parece que recrudesce – contra o avanço e o arejamento que o CNJ representou para o Judiciário brasileiro.

Mesmo afirmando a autonomia administrativa dos tribunais (o que, no dizer dos que resistem, implicaria na inconstitucionalidade da norma do CNJ), o TJES teve a percepção e a grandeza de reconhecer a necessidade de uma prestação jurisdicional mais acessível a todos, entendendo que outros são os tempos, que hoje grandes massas se utilizam dos serviços do Judiciário e que as medidas que servem para facilitar o público devem ser aplicadas.

Por isso, está de parabéns o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, quando afirma que vai ampliar o horário de atendimento ao público. E isso deve ser proclamado.

*Homero Junger Mafra é presidente da OAB-ES

A RESPONSABILIDADE DO CNJ, STF E STJ

Pergunta: CNJ, STF E STJ devem ser resposnsáveis pelo respeito às leis ou devem ser guardiões de infratores?

Nos últimos dias, por meio de decisões e manifestações dos mais importantes membros do CNJ, STF e STJ, ficou comprovada a preocupante tendência do Poder Judiciário em permitir interpretações permissivas da lei, de modo que os direitos dos indivíduos e empresas sejam vistos e julgados com menor eficácia do que os interesses de Estado ou de grandes empresas nacionais.

A democracia, regime alicerçado no direito de livre escolher, votar e eleger os representantes do povo, é a forma pela qual se protegem os interesses da coletividade, segundo um sentimento da maioria. A lei, por sua vez, elaborada pelos representantes eleitos no processo democrático, possui propósito mais específico, pois visa proteger os interesses individuais e das minorias contra a força dos mais poderosos e do próprio Estado.

Estes são ideais consagrados desde a Revolução Francesa, em que: “Nem reis, nem o Estado, são isentos de responder por quaisquer violações aos direitos dos indivíduos.

Ministros, Desembargadores e Juízes, além dos membros do Ministério Público Federal e Estadual, não possuem autorização constitucional para “relativizar”. Indisponivelmente, cabe-lhes fiscalizar e fazer cumprir o disposto objetivamente na lei. Por isto que ao Poder Judiciário a constituição assegura total independência em relação aos Poderes Executivo e Legislativo. Diferente disto o Poder Judiciário seria mero co-autor e cúmplice de outros poderes, afastando o sentimento de segurança que é obrigado a devolver à sociedade organizada.

A relativização das decisões judiciais tem afetado sobremaneira toda sociedade brasileira.

Não por outra razão que nossos jovens sonham em sair do país e nossos empresários vendem suas empresas para investir em países onde haja maior estabilidade e segurança jurídica.

Prova desta deformação institucional, é o relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça na última semana do mês de março, onde o Dr. Fernando Marcondes, Secretário Geral do CNJ, trouxe a público um relatório assustador. Nele estão relacionados levantamentos que comprovam que o Governo Brasileiro (o Estado), representado por suas autoridades, pelas empresas privadas que

controla direta ou indiretamente, ao lado de instituições governamentais e dos poderosos Bancos, são os maiores réus das ações judiciais em trâmite no país, o que os torna responsáveis, por conseguinte, pela existência dos milhões de processos que congestionam e prejudicam o trabalho dos tribunais.

O CNJ foi ainda mais contundente quando apontou que do total das ações judiciais existentes, 51% envolvem o Estado, comprovando que as autoridades governamentais, pela pouca eficácia que as decisões do Poder Judiciário encontra, estão estimulados a descumprir leis e violar direitos de forma impune. Outro dado assustador apresentado no relatório é o que atestou que ao lado do Governo, são os poderosos Bancos Brasileiros responsáveis por 38% do total das ações sob cuidado do Poder Judiciário. Ou seja, o Governo e os Bancos obrigam que 89% dos Ministros, Desembargadores, Juízes, Promotores e funcionários do Poder Judiciário, trabalhem quase que exclusivamente para eles, em prejuízo e contra os interesse do restante da população e das empresas brasileiras.

Não se justifica que o Poder Judiciário, por meio de decisões do STF e STJ, edite ou reforme súmulas e decisões judiciais, que acabam por favorecer os maiores violadores das leis e dos direitos individuais.

Exemplos: (1) A Ministra Corregedora Eliana Calmon, importante membro do CNJ e do STJ, tem relativizado a lei com seus votos e decisões monocráticas que tornam legítima a absurda prática de condenar pessoas, empresas e agora advogados, que interponham recursos judiciais previstos na lei, quando em quase 99% dos casos, a defesa interposta é contra Governos e Bancos, os mesmos que são os maiores infratores da legislação brasileira.

(2) No STF, na primeira semana de abril, três dos seus mais eminentes ministros, Drs. Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski, defenderam

em seus votos – favorecendo ao governo, maior cliente do Poder Judiciário- a tese de que até as decisões de última instância transitadas em julgado podem ser revista e “relativizadas”. A lei vale pelo que nela está expresso.

(3) A “relativização” da vontade da lei, quando acontece, serve até para que juízes soltem presos condenados aos milhares, ao invés de darem eficácia a suas decisões para obrigar as autoridades públicas a construírem os presídios e albergues necessários para manter os criminosos longe do convívio de suas vítimas.

É imoral, inconstitucional e até temerário aceitar o argumento de que o governo e os bancos tudo podem fazer.

– Deus proteja nossos Ministros, Desembargadores e Juízes!

*Édison Freitas de Siqueira é advogado, presidente do Instituto de Estudos dos Direitos dos Contribuintes (IDEC) e Consul da Sérvia no RS.

AGILIDADE PROCESSUAL SE ALCANÇA COM BOA GESTÃO

Parece-me que não é apenas a coluna vertebral do senhor ministro Joaquim Barbosa que anda doente. Outras colunas vertebrais também estão enfermas no Supremo Tribunal Federal de hoje. As colunas da democracia; dos direitos humanos e das prerrogativas dos advogados também estão machucadas.
Em nome e em homenagem a uma pretensa agilidade processual, o senhor ministro Cesar Peluso, com todo o respeito devido, atropela direitos fundamentais, agride a advocacia brasileira e sustenta posições ditatoriais e arbitrárias em tempos de propalada democracia.

Após diversos apelos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mantém o senhor ministro Cesar Peluso o impedimento de recebimento de Habeas Corpus impetrados por advogados em favor dos seus pacientes no Supremo Tribunal Federal, exceto se ali requeridos exclusivamente por meio eletrônico ou pela pessoa do próprio paciente, sem assistência de advogado.

Considerando que no Brasil existem 700 mil advogados e que tão somente um número inferior a 10 mil estão habilitados ao requerimento por meio eletrônico, significa dizer que tal posicionamento impede que em torno de 690 mil advogados levem à Suprema Corte seus Habeas Corpus.

Isto, receio, parece ser para afastar ou ao menos dificultar a presença da advocacia brasileira naquela corte. Tal posicionamento inflexível é extremamente ofensivo às prerrogativas dos advogados e atenta inegavelmente contra os direitos da pessoa humana, pois tais Habeas Corpus impetrados por advogados não são recebidos fisicamente mesmo quando requeridos em favor de pacientes presos e encarcerados. Isso é desumano. Extremamente desumano.

Por sua vez, sua excelência o senhor ministro Peluso não esconde pretender um CNJ mais submisso, brando, com menor poder de punição de alguns magistrados que saem da linha. Nesse aspecto trava uma queda de braço com a eminente ministra corregedora nacional, Eliana Calmon, que não tem poupado esforços para submeter magistrados de todo o país aos ditames da lei, da moral, da ética e da disciplina, quando e onde necessária se faz sua intervenção.

E agora, como se a pretender provocar mais uma vez a advocacia brasileira, pois no momento em que esta encontrava-se reunida em sessão plenária do Conselho Federal da OAB, para lançamento do Movimento em Defesa do CNJ, onde convidada a se fazer presente a senhora ministra Eliana Calmon, o senhor ministro Peluso se fez ouvir apresentando seu texto de Projeto de Emenda Constitucional (PEC), em que agora também pretende já ver executadas todas as sentenças, inclusive aquelas proferidas em processos criminais, após sua confirmação por uma única instância recursal.

Em matéria criminal, essa iniciativa se constitui em mais um atentado aos direitos humanos, na medida em que nossos presídios – verdadeiros depósitos de presos – estarão abarrotados de presos “temporários”, ali encarcerados “provisoriamente”, até que instância recursal superior os declare, definitivamente, inocentes.
Que se construa, então, em todo o país, dezenas de novos presídios para atender os possíveis e prováveis encarcerados provisórios inocentes que surgirão. Em vez dos conhecidos Bangu I, II e III, teremos agora os Presídios Provisórios dos Inocentes (PPI) I, II, III, etc.

Serão milhares de presos em resposta à primeira confirmação de uma sentença criminal condenatória e serão outros milhares de presos soltos quando as instâncias superiores os declararem, finalmente, inocentes; ineptas as denúncias; nulas as sentenças; prescritas as pretensões punitivas e reduzidas as penas a patamares não condizentes com o encarceramento.

E quem atua na área criminal, juízes, promotores, advogados e defensores públicos sabem muito bem que o número de casos de absolvição, redução drástica das penas, decretos de nulidade de sentenças, trancamento de ações penais diversas por Habeas Corpus nas instâncias superiores – STJ e STF – é enorme. E como ficarão, então, os presos, aos montes, quando reconhecidamente inocentes após o encarceramento? Terão o rótulo de uma nova classe social? Serão os ex-presidiários inocentes? EPIs?

E fiquem certo que os inocentes ficarão presos e encarcerados por muito tempo, pois pode até parecer masoquismo, mas o certo é que os recursos para as instâncias superiores, pelo projeto do senhor ministro Peluso, poderão continuar a ser manejados, ou seja, poderão continuar abarrotando os tribunais superiores, contudo, com uma grande e essencial diferença, ou seja, a presunção não será mais a da inocência até o trânsito em julgado, e sim a da culpa com encarceramento antecipado antes do último julgado, que poderá ser o de reconhecimento tardio da inocência e consequente absolvição. Assim, o projeto do senhor ministro Peluso traz apenas uma inversão de valores, humanos.

O senhor ministro Peluso, para assim propor, o fez na presunção equivocada de que os juízes de primeira instância são infalíveis em suas sentenças criminais e que tais veredictos de primeiro grau serão examinados, relatados e julgados sempre em ambientes tranquilos de esfera recursal, por desembargadores com bastante tempo ao minucioso exame do processo e não muitas vezes em sistema de mutirão, apenas por juízes também de primeiro grau, convocados, ou até por assessores, mal ou bem preparados, conhecedores ou não de processos criminais e do Direito Penal. Esse projeto não se presta para atingir o objetivo anunciado por sua excelência. O problema não concentra-se nos recursos, e sim na má gestão do próprio Judiciário.

Não temos juízes em milhares de comarcas; em milhares de casos temos um só magistrado atendendo, sozinho, em mais de uma comarca; incontáveis juízes que só trabalham terça, quarta e quinta; juízes que não produzem e não são punidos; juízes por aí mal remunerados; comarcas sem estrutura mínima de pessoal e equipamentos; tribunais de apelação abarrotados por ausência de pessoal, magistrados e estrutura suficientes; burocracia por vezes estúpida e desnecessária; gastos excessivos em supérfluos; prédios palacianos; carros de luxo; corredores pouco movimentados que mais parecem pistas de skates e patins; plenários suntuosos; ares imperiais; uma Justiça atrasada e distante do seu povo e de seus anseios.

Disso é que deveria tratar o senhor ministro Peluso e não propor a correção da má gestão do Judiciário levando ao cárcere, precocemente, muitas pessoas inocentes antes de assim declaradas em nome de uma agilidade processual que, sabe-se de antemão, que não será alcançada com iniciativas do tipo.

Délio Lins e Silva é Conselheiro Federal da OAB

EM DEFESA DO CNJ

O Judiciário Brasileiro vive momentos de efervescência, com as mudanças exigidas pela sociedade brasileira e impostas pelo CNJ. Pesquisas mostram que sua credibilidade cresceu nos últimos 5 anos, numa demonstração de que as mudanças havidas estão sendo percebidas pelos cidadãos.

Dentre as razões que levaram a essa significativa melhoria, sem sobra de dúvidas, a principal delas foi a atuação do Conselho Nacional de Justiça. Sua criação foi objeto de muita discussão, especialmente no meio jurídico, tendo havido forte oposição da magistratura, que não admitia o controle externo. A experiência até aqui vivida mostra o quanto foi importante sua criação e o quanto o Judiciário avançou com suas ações.

Agora, a sociedade brasileira é mais uma vez chamada a debater o tema. É que a atuação do CNJ tem sido objeto de fortes críticas por parte de entidades que congregam a magistratura, notadamente a AMB, que não tem economizado nas críticas, notadamente contra a atuação de sua Corregedoria. E esse inconformismo dos magistrados encontrou ressonância no Supremo Tribunal Federal, cujas decisões de alguns de seus membros vêem recheadas de fortes críticas à sua atuação.

Claro que aqui não se quer discutir a missão de guardião da Constituição desempenhado pelo STF, nem tampouco a importância do controle que esse deve exercer em relação a decisões emanadas do CNJ, evitando abusos e equívocos, por ventura ocorridos. A grande preocupação reside na possibilidade de consolidação, no STF, do entendimento de que o CNJ não pode dar início a procedimentos originalmente, o que, segundo explanam, constituir-se-ia em supressão de instância, remetendo a competência para as Corregedorias dos Tribunais, conforme decidiu monocraticamente o Ministro Celso de Mello, ao determinar o retorno de Desembargadores de Mato Grosso, afastados pelo CNJ, acusados de corrupção.

Esse posicionamento provoca o esvaziamento completo da Corregedoria do CNJ, remetendo a competência exclusiva para punir magistrados faltosos, às suas respectivas corregedorias, historicamente letárgicas e corporativistas, reservando ao Conselho uma atuação singela, coadjuvante. Também tem sido largamente difundido pela imprensa o descontentamento do atual presidente do STF e também do CNJ, Ministro Cezar Peluzo, com a atuação do órgão, inclusive quanto a sua composição, posição essa que já ecoou no Congresso Nacional, através de propostas de emenda Constitucional tendentes a enfraquecê-lo.

No caso da PEC 457/2010, por exemplo, melhor seria trazer em seu texto um único artigo extinguindo o CNJ, para evitar que o País, em esta sendo aprovada, mantenha uma

“instituição de ornato aparatoso e inútil”, como temia Rui Barbosa ao propor a criação dos Tribunais de Contas. A história nos mostra que Rui Barbosa tinha razão em suas preocupações, e o Brasil, seguindo sua orientação, tornou os Tribunais de Contas cada vez mais fortalecidos e atuantes, constituindo-se em importante instrumento de controle das administrações públicas, papel semelhante ao que deve desempenhar o CNJ em relação ao Judiciário.

Acreditamos, portanto, que o CNJ, também, sairá fortalecido desse embate, levando em consideração as transformações positivas do Judiciário brasileiro, que estão apenas em seu início, havendo, ainda, muito por fazer, e nem o STF, nem o Congresso brasileiro vão querer passar para a história como responsáveis por sua derrocada.

Quanto ao STF, que prossiga fazendo o controle judicial das decisões do CNJ, sempre que provocado, para coibir erros e impedir abusos eventualmente ocorridos, sem impedir que estes procedimentos possam ser iniciados no próprio CNJ. E que o Congresso diga não às iniciativas que visem seu enfraquecimento.

*José Norberto Lopes Campelo é Conselheiro Federal e Presidente da Comissão Nacional de relações institucionais da OAB

SISTEMA JURÍDICO NACIONAL – O ADVOGADO, O JUIZ E O PROMOTOR

O mundo jurídico contemporâneo ainda faz confusão acerca da inexistência de hierarquia ou subordinação entre o advogado, o juiz e o promotor, no exercício de suas atribuições. Isso acontece, na maioria das vezes, devido ao tratamento inadequado dispensado ao advogado por alguns juízes esquecidos da sua real colocação constitucional entre os Poderes, em conseqüência dos arroubos exacerbados da arrogância e da vaidade pessoal.

Entretanto, embora a figura central de todo o sistema de distribuição da justiça seja o Juiz, tal atividade jurisdicional, via de regra, não prescinde da participação efetiva do advogado, tendo em vista o princípio da inércia que caracteriza a jurisdição, segundo o qual o Judiciário não dispõe de iniciativa própria para prestá-la, atuando, normalmente, mediante provocação.

Além disso, salvo raríssimas exceções, a capacidade postulatória, definida como a aptidão técnica para postular em juízo, é prerrogativa exclusiva do advogado, assim considerado o bacharel em direito com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, após aprovação no Exame de Ordem.

Com efeito, a Constituição da República Federativa do Brasil consagra a garantia dessa capacidade, no capítulo das Funções Essenciais à Justiça, como se infere do Título IV, Capítulo IV, Seção I: Do Ministério Público (arts. 127/130), Seção II: Da Advocacia Pública (arts. 131/132) e Seção III: Da Advocacia e da Defensoria Pública (arts. 133/135). Portanto, de acordo com a Lei Maior, todo aquele que não possuir capacidade postulatória (com exceção das causas dos juizados especiais cíveis, observado o valor de alçada; das ações trabalhistas, quando empregado; das ações penais privadas exclusivas e do habeas corpus) deve se fazer representar em juízo por um advogado, lembrando que, em se tratando de direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos de natureza indisponível, a atribuição compete ao Ministério Público na tutela desses direitos.

Ademais, com a Magna Carta de 1988 o advogado passou a ser reconhecido como indispensável à administração da Justiça, sendo que no seu ministério privado exerce função social e presta serviço público relevante, e no processo judicial colabora na postulação de decisão favorável ao seu constituinte e ao convencimento do julgador, consistindo os seus atos num verdadeiro múnus público (art. 133 da CF c/c o art. 2º, §§ 1º, 2º e 3°, da Lei nº 8.906/94 (EAOAB).

Dito isso, pode-se afirmar, com absoluta segurança, que a atividade jurisdicional não pode abstrair da efetiva participação do Advogado e do Ministério Público, bem como que a administração da Justiça é necessariamente compartilhada com ambos, sendo correto dizer que essa participação e esse compartilhamento não violam quaisquer preceitos normativos, pelo contrário, integram o perfil constitucional da autonomia e independência do Poder Judiciário.

Por consequência, sem sombra de dúvida, o advogado atualmente se encontra inserido, por força de lei, no mesmo nível hierárquico dos integrantes do Poder Judiciário, no seu dia-a-dia forense. Assim sendo, deve se relacionar de modo cordial e respeitoso com todos os outros participantes da atividade judiciária (juízes, promotores, procuradores, defensores e serventuários da Justiça). Contudo, a recíproca é igualmente verdadeira, isto é, todos o devem tratar com a mesma cordialidade, urbanidade e respeito, sendo certo que se o magistrado e os demais operadores do direito faltarem-lhe com o respeito devido, estarão ignorando a isonomia constitucional existente entre eles durante a tramitação processual, em violação frontal à legislação pertinente.

Nesse diapasão, reza o artigo 6º do EAOAB, in litteris: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.”

Essa delineação de garantia se denomina imunidade profissional ou judiciária, extremamente necessária à própria função jurisdicional, uma vez que não interessa ao Estado o exercício de uma advocacia frágil, com medo de desagradar, temores e submissão aos demais operadores jurídicos ou a quem quer que seja, porquanto eventual atitude covarde do advogado põe em perigo o próprio sistema democrático e de garantias constitucionais, haja vista que na Justiça se discute com razão e bastante emoção conceitos e valores diversos constantes no ordenamento jurídico pátrio, sendo inteiramente natural num cenário desse jaez que os debates realizados sejam vibrantes e produtivos, como é da própria natureza humana, o que somente é possível com ousadia e liberdade de expressão.

A advocacia, portanto, deve ser exercida com urbanidade, mas também com dignidade, intrepidez e altivez, não se deixando abalar por ninguém, pois, advocacia forte é uma garantia para todos, principalmente para aqueles que necessitam da tutela jurisdicional.

Em verdade, a divisão de tarefas e de funções na máquina judiciária não implica em submissão ou subordinação. Logo, não existe nem deve existir hierarquia, tampouco temor reverencial entre advogados, magistrados, promotores, procuradores e defensores públicos, não havendo que se falar em qualquer elo subordinativo entre eles. E, por serem elementos importantes na magnitude do seu campo de atuação, devem se tratar com cordialidade e urbanidade, merecendo respeito mútuo e tratamento recíproco adequado. Ao juiz deve ser dado o tratamento de Meritíssimo ou Excelência; ao advogado o título de Doutor, não só por tradição, mas também em razão da Lei Imperial de 11 de agosto de 1827, que lhe conferiu o título (grau) de Doutor e, como é cediço, se encontra em pleno vigor; ao promotor ou procurador de justiça dá-se também o tratamento de Excelência. Todos, na verdade, para melhor harmonia, devem receber, entre si, o tratamento cordial de Doutor (Doutores da Lei) por tradição histórica e ensinamento bíblico.

No entanto, em virtude de uma doença grave e crônica conhecida no jargão forense por “juizite”, que acomete pequena parte do judiciário, a coisa não ocorre bem assim. Explicando melhor: utilizando-se do sufixo “ite”, em linguagem médica, podemos afirmar, consoante dito alhures, que se trata de uma enfermidade, ou seja, de uma inflamação no ego de alguns indivíduos extremamente vaidosos, de pouca educação e muita arrogância, que passam a ocupar o cargo de juiz de direito. Por conseguinte, não se trata de um mal

inerente à função, pois a ela é preexistente, sendo que o fator influente para o desdobramento evolutivo patogênico seria o poder (verdadeiro ou fictício) que o “doente” tem (ou imagina ter), passando a agir com um

pernosticismo sem-par, olvidando-se de que também é um bacharel em direito, ou que já fora advogado e que, naquela situação, muitas vezes desejou ser bem tratado pelos juizes e promotores, ou que, num futuro próximo, pretende trocar a toga pela beca ao se aposentar.

Não cabe aqui mencionar, um a um, todos os sintomas típicos dessa moléstia, já que os mais acentuados são do conhecimento pleno dos operadores públicos da justiça, devendo-se ressaltar, contudo, que a “juizite” já fora reconhecida inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, quando um dos seus presidentes, falando sobre a morosidade da Justiça¹, asseverou que “O Judiciário tem diversos defeitos, como a juizite, doença que acomete principalmente os magistrados mais novos. Eles chegam cheios de vontade, achando-se super-homens. Muitas vezes tomam decisões exóticas, que acabam reformadas.”

Vê-se, desse modo, que a Suprema Corte de Justiça reconheceu explicitamente a existência da “juizite” nas entranhas do Poder Judiciário, não descartando a hipótese de incidência em todos os graus de jurisdição, considerando que o substantivo magistrado não se refere apenas a juiz de primeiro grau, mas também a desembargador e ministro.

Apenas para se ter uma idéia da gravidade do tema, vale relembrar casos não muito remotos, noticiados pela mídia, em que portadores dessa virose, de maneira insólita e sem a preocupação necessária com a nobre função pública que ocupam, em meio à discussão das causas durante a realização de audiências ou sessões, violando frontalmente o EAOAB, ordenam que o causídico se mantenha sentado no momento das suas sustentações orais, chegando até a cometerem outros excessos contra advogados que, na defesa dos direitos de seus constituintes, praticam atos albergados pelo princípio da imunidade judiciária previsto na Constituição Federal, que nada mais é senão a garantia da liberdade de expressão do profissional, em visível cometimento de abuso de autoridade.

É bom salientar, en passant, que a situação melhorou bastante após a reforma do Poder Judiciário pela Emenda Constitucional nº 45/04, com a criação do Conselho Nacional de Justiça. Porém, conforme afirmou recentemente a atual corregedora desse órgão fiscalizador, Ministra Eliana Calmon², a doença ainda não acabou.
“Nós, magistrados, temos tendência a ficar prepotentes e vaidosos. Isso faz com que o juiz se ache um super-homem decidindo a vida alheia. Nossa roupa tem renda, botão, cinturão, fivela, uma mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta virada. Não pode. Essas togas, essas vestes talares, essa prática de entrar em fila indiana, tudo isso faz com que a gente fique cada vez mais inflado. Precisamos ter cuidado para ter práticas de humildade dentro do judiciário. É preciso acabar com essa doença que é a ‘juizite’.”

Nesse contexto, para louvor da Deusa Themis, tal enfermidade, tem baixa incidência no meio judicial atualmente. Apenas uma pequena minoria se deixa contaminar por ela, visto que os grandes cérebros da magistratura nacional encontram-se imunizados. Todavia, lamentavelmente, ainda existe e necessita ser banida, antes que outros agentes públicos, não imunizados, também sejam contaminados, pois já se fala inclusive em “promotorite”, e até mesmo em “assessorite”, que seria a síndrome do assessor ou diretor que se acha mais importante do que partes e causídicos.

Cabe recordar alguns dos conselhos extraídos do discurso do então Desembargador Getúlio Vargas de Moraes Oliveira em saudação aos novos juízes do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, na solenidade de posse realizada em 9 de março de 2001³, in verbis:
“Zelem ciosamente pela sua reputação na vida pública e na vida privada. Os senhores não são representantes do Poder Judiciário, são o próprio Poder Judiciário. O juiz é a justiça andando, como já se observou. Sejam humildes. A magistratura é carreira vulnerável ao exercício da arrogância. Nunca levantem a voz, não gritem. Tenham o senso da medida nas palavras e nos atos. Mantenham com os Advogados e Membros do Ministério Público relações de respeito e urbanidade. Nunca cerrem a porta de seus gabinetes aos advogados, pois ali é a terra onde medram as teses que semeiam.”

Vejo como louváveis as palavras do ilustre Desembargador. Em verdade, a Magistratura constitui um verdadeiro sacerdócio para o qual se impõem severas limitações e restrições e só consegue exercê-la quem tem realmente vocação e paixão pelo cargo.

Nessa ordem de idéias, é bom lembrar que a profissão de advogado, ao lado do magistrado e do promotor, é uma das mais belas do mundo. O advogado é um parceiro do juiz e do promotor de justiça, é um dos protagonistas no processo e no lavor de se outorgar uma boa prestação jurisdicional. Consequentemente, não são inimigos, mas sim parceiros irmanados para real distribuição da justiça, como ocorre nos principais países europeus, a exemplo de Portugal e Roma, nos quais o direito brasileiro tem, respectivamente, as suas raízes e influências históricas.
Finalizando, cumpre invocar a célebre lição do saudoso mestre italiano Piero Calamandrei, in verbis:

“Num regime em que, como em nosso país, o advogado se considera investido de uma função pública, advogados e juízes são colocados moralmente, ainda que não materialmente, no mesmo plano. O juiz que falta ao respeito para com o advogado e, também, o advogado que não tem deferência para com o juiz, ignoram que advocacia e magistratura obedecem à lei dos vasos comunicantes: não se pode baixar o nível de uma, sem que o nível da outra desça na mesma medida.”

Ante o exposto, a solução para o problema seria a autoconscientização dos próprios portadores desse mal, com mudanças radicais de conceitos e comportamentos pessoais que permitam a sua completa extinção do sistema jurídico nacional, para que tenhamos a perspectiva de uma Justiça mais harmônica, dinâmica e eficaz.

NOTAS
1. Entrevista concedida à Revista Veja nº 35, de 03 de setembro de 2003.
2. Em entrevista à Revista Veja, edição 2184 – ano 43 – nº 39, de 29 de setembro de 2010.
3. O texto integral foi publicado na Revista de Doutrina e Jurisprudência do TJDFT nº 65/2001, p. 102/105.
4. Extraída do livro “Eles, Os Juízes, Vistos Por Um Advogado”. Editora Martins Fontes. São Paulo. 1996, pág. 55

*Joaquim de Campos Martins é Advogado. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB); Pós-Graduado pela Escola da Magistratura do DF; Autor do livro Manual da Legislação Específica do TJDFT e de artigos jurídicos publicados em jornais, revistas e informativos especializados.

O DIREITO À SUSTENÇÃO ORAL EM TODOS OS RECURSOS

O ADVOGADO E O DIREITO À SUSTENTAÇÃO ORAL EM TODOS OS RECURSOS: ENTENDA A POSIÇÃO DO STF1

1. INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil (CPC) dispõe, no art. 554, que: “Na sessão de julgamento,
depois de feita a exposição da causa pelo relator, o presidente, se o recurso não for de embargos
declaratórios ou de agravo de instrumento, dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente e ao
recorrido, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem
as razões do recurso”.
Já a Lei 8.906/94 estabeleceu, no seu art. 7º, IX, o seguinte: “São direitos do advogado:
IX – sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento,
após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos,
salvo se prazo maior for concedido”.
É evidente que essa última revogou, tacitamente, o art. 554 do CPC, pois é lei posterior e
regula a mesma matéria. Não interessa o fato de o CPC ser lei especial (regula o processo civil) e
a Lei 8.906/94 ser uma lei geral em relação ao Código, porque, quando surge esse tipo de
antinomia, certamente deve prevalecer a lei posterior. O Estatuto da OAB é uma lei especial, pois
regula a atividade advocatícia, e, por ser o seu art. 7º, IX, incompatível com o art. 554 do CPC,
tem-se que ocorreu a revogação. Esse é o melhor entendimento, pois deve-se partir da premissa
de que o legislador sabia da existência da norma anterior e, por meio da norma posterior, quis
revogar a última.
Cumpre registrar ainda que foram ajuizadas duas ações diretas de inconstitucionalidade
(ADIns), no Supremo Tribunal Federal (STF), sob os números 1.105 e 1.127, por duas entidades
diferentes, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do inciso IX do art. 7º da Lei
8.906/94.

Por fim, conforme se verá a seguir, ocorreram uma série de equívocos que nos permitem
afirmar, sem qualquer dúvida, que a parte do inciso IX do art. 7º do Estatuto da OAB que dispõe
sobre o direito do advogado de proferir sustentação oral em todos os recursos na esfera judicial
está plenamente em vigor.

2. AS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE TRAMITAM NO STF

A seguir, vamos trazer breves fatos acerca das duas ações que estão tramitando no STF,
versando sobre o dispositivo legal já citado.
2.1. A ADIn n. 1.105
A ADIn n. 1.105 foi proposta em agosto de 1994 pelo Procurador-Geral da República
(PGR) e foi requerida a declaração de inconstitucionalidade do art. 7º, IX, da Lei 8.906/94.
Na petição inicial de três laudas, à disposição no site do STF, pode-se vislumbrar que o
inconformismo do PGR foi apenas em relação a duas partes do dispositivo legal, quais sejam,
aquela que diz que a sustentação oral vem após o voto do relator e também da garantia de
sustentação nas esferas administrativas. Não se discorreu sobre “sustentação oral em todos os
recursos, isto é, não faz parte da causa petendi.
No dia 03 de agosto de 1994, por maioria de votos, o Pleno do STF deferiu liminar para
suspender a eficácia do dispositivo legal em comento até o julgamento final, tendo sido publicado
o acórdão apenas em 27 de abril de 2001. Contra essa decisão, o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) interpôs, em 04 de maio de 2001, recurso de embargos de
declaração, com excelentes argumentos jurídicos, no entanto, não foi conhecido, sob o
fundamento de que é vedada a intervenção de terceiros nos procedimentos regidos pela Lei
9.868/99. No dia 17 de maio de 2006, o STF, também por maioria de votos, julgou procedente o
pedido e declarou a inconstitucionalidade do artigo já referido. Todavia, apenas no dia 04 de
junho de 2010 foi publicado o acórdão da decisão, contra o qual foi interposto o recurso de
embargos de declaração pela OAB. E, segundo o site do STF, ainda não foram julgados os
aclaratórios.
Com relação ao mérito dessa ADIn, o que se percebe, facilmente, é que no voto de todos
os ministros não se debateu absolutamente nada acerca do “direito do advogado de proferir
sustentação oral em todos os recursos e processos na esfera judicial”. Isso porque os ministros,
certamente, se ativeram apenas às colocações estabelecidas na petição inicial da ação, e, nela,
como já asseverado anteriormente, só se questionou dois pontos, que são “sustentação após o
voto do relator” e “sustentação nos processos e recursos administrativos”.
E aqui é exatamente onde reside toda a nossa discordância, pois, apesar de nem a petição
inicial do PGR, e nem os votos dos ministros terem tocado no ponto do “direito do advogado de
proferir sustentação oral em todos os recursos e processos na esfera judicial”, o pedido contido na
exordial foi julgado totalmente procedente e, conseqüentemente, foi decretada a
inconstitucionalidade do inciso IX do art. 7º da Lei 8.906/94. Trata-se de decisão inválida e que
não pode prosperar.

2.2. A ADIn n. 1.127

A ADIn n. 1.127 foi proposta em setembro de 1994 pela Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) e nela se requereu a declaração de inconstitucionalidade de diversos
dispositivos legais da Lei 8.906/94, inclusive do art. 7º, IX, da Lei 8.906/94.
Na extensa petição inicial, à disposição no site do STF, pode-se vislumbrar que, nos dois
únicos parágrafos em que são tecidos comentários acerca do mencionado dispositivo legal, só se
coloca em xeque o fato de a “sustentação oral ser após o voto do relator”; nada mais que isso.
Prova maior disso é que o pedido que consta da exordial é apenas para se retirar do texto legal a
frase “após o voto do relator”.
Em setembro de 1994, foi deferida liminar para suspender a eficácia de vários artigos da
Lei 8.906/94, porém, nada se falou sobre o inciso IX do art. 7º da já referida Lei.
Doze anos depois, em maio de 2006, o Pleno decidiu colocar em pauta para julgamento
essa ADIn. No que concerne ao tema desse estudo, reitera-se que nada se falou sobre “direito do
advogado de proferir sustentação oral em todos os recursos e processos na esfera judicial”, pois
os votos dos ministros só discutiram a expressão “após o voto do relator”. A propósito, às folhas
236 do acórdão, o ministro Marco Aurélio indaga a presidente do STF, ministra Ellen Gracie,
sobre o objeto da ADIn, lembrando-a – e aos demais, claro – que só se discutiu o ponto relativo à
expressão “após o voto do relator”. Todavia, na ementa ficou estabelecido que o inciso IX do art.
7º da Lei 8.906/94 foi declarado inconstitucional, o que não ocorreu. Como se pode demonstrar,
apenas parte dele foi tido como contrário à nossa Constituição, e é justamente a parte com a
expressão “após o voto do relator”.
A conclusão a que se pode chegar é que essa ADIn só versou sobre a expressão “após o
voto do relator”, nada mais que isso. Em outras palavras, os advogados continuam tendo o direito
de sustentar oralmente em qualquer recurso e processo na esfera judicial.

3. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E CONCLUDENTE DO PEDIDO

O art. 293 do CPC estabelece que “os pedidos deve ser interpretados restritivamente”, ou
seja, não se pode dar interpretação ampliativa ou extensiva, sob pena de a decisão ser ultra ou
extra petita.
No tocante aos requisitos, é uníssono na doutrina e na jurisprudência que o pedido deve
ser certo, determinado e concludente. Certo quer dizer expresso, não podendo ser vago nem
ambíguo. Determinado implica delimitação qualitativa e quantitativa. Concludente significa que
o pedido deve, obrigatoriamente, estar de acordo com a causa de pedir (fatos e fundamentos de
direito) da ação ajuizada.
Na falta de qualquer um desses requisitos, significa que a petição é inepta, contudo, antes
de ser aplicada essa sanção ao autor, deve o magistrado conceder-lhe prazo de 10 dias para
emendar a petição inicial, sob pena de extinção do feito.
Feita essa introdução, passemos às ADIns objeto do nosso estudo.
Na ADIn n. 1.105, a brevíssima causa de pedir (fatos + fundamentação) existente guarda
relação apenas com “a sustentação oral após o voto do relator” e “sustentação oral nas esferas
administrativas”. O pedido, por sua vez, é para que o STF declare a inconstitucionalidade de todo
o inciso IX do art. 7º da Lei 8.906/94.
A pergunta que naturalmente vem agora é a seguinte: o pedido, na ADIn n. 1.105, é
concludente? Claro que não! A amplitude do pedido não condiz com a restrita causa petendi.
Logo, é ilegal requerer a declaração de inconstitucionalidade de todo um dispositivo de lei se a
fundamentação não lhe alcança a integralidade.
Com toda certeza, pode-se dividir o inciso IX do art. 7º da Lei 8.906/94 em pelo menos
cinco partes, quais sejam: (i) sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo nas
sessões de julgamento; (ii) após o voto do relator; (iii) em instância judicial ou administrativa;
(iv) pelo prazo de quinze minutos; (v) salvo se prazo maior for concedido.
Ratificando-se o que já foi vastamente demonstrado, a exordial da ADIn n. 1.105
impugnou apenas a constitucionalidade dos itens ii e iii, por conseguinte, no entender da própria
parte requerente, os demais itens são constitucionais.
E o que foi que fez o augusto STF, por maioria de votos? Declarou a
inconstitucionalidade de todo o dispositivo legal. Com efeito, não nos resta qualquer dúvida de
que o acórdão é nulo, pois julgou procedente um pedido nulo e inadequado.
Já com relação à ADIn n. 1.127, o problema é ainda mais grave, uma vez que o pedido foi
certo, determinado e concludente para se declarar apenas a inconstitucionalidade da expressão
“após o voto do relator”. E o que fez o nobre STF? Decretou a inconstitucionalidade de todo o
inciso IX do art. 7º da Lei 8.906/94.
Sendo assim, pode-se concluir que, na ADin n. 1.105, o pedido não foi concludente e,
mesmo assim, a decisão do STF passou desapercebida por isso. Na ADIn n. 1.127, apesar de o
pedido ter sido correto, a decisão judicial extrapolou, e muito, os limites do pedido formulado na
petição inicial. Desse modo, em ambos os casos, o acórdão é nulo, devendo ser reparado até
mesmo ex officio pelo STF.
Conclui-se essa parte citando-se a ementa da ADIn n. 259/DF, cujo relator foi o ministro
Moreira Alves, na qual se decidiu, com muito acerto, que “é necessário, em ação direta de
inconstitucionalidade, que venham expostos os fundamentos jurídicos do pedido com relação às
normas impugnadas, não sendo de admitir-se alegação genérica de inconstitucionalidade sem
qualquer demonstração razoável”.

4. O DISPOSITIVO DA DECISÃO DEVE ESTAR EM CONFORMIDADE COM A
FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com a melhor doutrina, é imprescindível a coerência entre a fundamentação e a
conclusão da decisão judicial, pouco importando se é decisão interlocutória, sentença ou acórdão.
Assim, “não basta que a decisão judicial seja clara e direta; é necessário que ela seja
concludente, é dizer, que haja uma vinculação lógica entre tudo o que se narrou no relatório, os
fundamentos lançados na motivação e a conclusão alcançada no dispositivo” (DIDIER, Fredir et al.
Curso de direito processual civil. v. 2. 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 337). Em outras palavras,
“ao fundamentar a sua decisão, a exposição feita pelo magistrado precisa retratar fielmente a
coerência e a logicidade do raciocínio que traçou na análise das alegações de fato, das provas e
dos argumentos jurídicos” (Op. cit., p. 338).
Conforme já mencionado, a falta de conformidade entre a fundamentação da decisão e a
sua parte dispositiva importa em nulidade, passível de ser sanada. A decisão judicial incoerente é
inválida porque o ordenamento jurídico não admite que se possa decidir algo sem
fundamentação. Dentre as várias normas sobre o tema, destaca-se o art. 93, IX, da Constituição
Federal.
Na ADIn n. 1.105 a decisão é nula porque é incoerente. Nos itens anteriores restou
provado o seguinte: (i) na petição inicial não se falou, em momento algum, da possibilidade de se
proferir sustentação oral em todos os recursos na esfera judicial, e, mesmo assim, o pedido
formulado foi pela inconstitucionalidade de todo o inciso IX do art. 7º da Lei 8.906/94; (ii) a
fundamentação do acórdão não discorre sobre a possibilidade de se proferir sustentação oral em
todos os recursos na esfera judicial, todavia, decretou-se a inconstitucionalidade de todo o
dispositivo, acolhendo-se o pedido inepto da exordial.
Na ADIn n. 1.127, o acórdão é nulo porque é extra petita, isto é, decidiu-se fora do
pedido, uma vez que foi requerido apenas a declaração de inconstitucionalidade da expressão
“após o voto do relator” do dispositivo em comento.
Nas duas hipóteses a invalidade pode e deve ser sanada, inclusive ex officio, e, para tanto,
basta apenas um pouco de boa vontade do colendo STF. Não estamos sustentando que deveria ser
decretada a nulidade de todo o processo. Não, não é isso. Com base nos princípios da
instrumentalidade, da razoabilidade, da efetividade, da economia processual, da razoável duração
do processo e pas de ité sans grief, seria absurdo pensar nisso. São duas ações que já
tramitam há mais de 16 anos, sendo viável e lícita a retificação a fim de recolocar as decisões nos
trilhos da legalidade.
Caso alguém venha a sustentar que o STF, no controle concentrado de
constitucionalidade, não está adstrito aos argumentos trazidos pela parte requerente (dentro todos
os precedentes, confira-se a ADIn n. 2.396/MS, de 2001), não há como pensar diferente, até porque
essa premissa é válida para toda e qualquer ação, mesmo que iniciada em primeiro grau de
jurisdição. Entretanto, não pode o STF tomar nenhuma das seguintes medidas: (i) alterar a causa
de pedir para poder ampliar o pedido e seu alcance, e nem mesmo (ii) julgar pedidos que não
foram solicitados pelo propositor da ADIn. A adoção de qualquer uma dessas duas medidas, além
de ser um desrespeito a todas as regras elementares de processo civil, significa violação à
Constituição Federal, uma vez que o STF não figura no restrito rol dos legitimados a ajuizar ação
direta de inconstitucionalidade. A utilização de qualquer uma das idéias acima significa ainda a
não observância da vontade do proponente da ação. Àqueles defensores de que o pedido pode ser
criado, ex officio, pelo STF, pedimos vênia para discordar, pelas razões já apresentadas e a seguir
expostas.
Apenas para ratificar o que foi afirmado no parágrafo anterior, uma coisa é o STF valer-se
de argumentos não trazidos à baila, pelo autor da ação, para chegar ao mesmo resultado por ele
almejado, porém, outra coisa, completamente diferente, é a ampliação da causa petendi para, com
isso, justificar o alargamento do pedido. Não bastasse, caso isso fosse possível, haveria violação
ao princípio da constitucionalidade (pois se desrespeitou a Constituição), da segurança jurídica,
do contraditório e da ampla defesa (porque não teria como argumentar contra os novos
fundamentos criados e utilizados pelo STF). É sempre importante lembrar que o processo, no
Estado Democrático de Direito, deve ser visto como um procedimento em contraditório, e, ao
mesmo tempo, como uma garantia do jurisdicionado; se não há contraditório, resta prejudicada a
ampla defesa. Sem ambos, não há devido processo legal e, conseqüentemente, adeus segurança
jurídica. Mudar o pedido, de ofício, significa permitir-se que o STF seja um legitimado a propor
ADIns, quando, na verdade, sabe-se que no art. 103 da Constituição Federal na há tal previsão.
Ao STF cumpre o julgamento, e, não, a postulação.
Dessa forma, não há de se falar na aplicação da tese da existência de causa de pedir
aberta no controle concentrado de constitucionalidade, pois, além de isso ser um jeito de se
atribuir legitimidade ao STF de suscitar a inconstitucionalidade e constitucionalidade de
dispositivos da Constituição, por via oblíqua, fere enormemente os princípios constitucionais
acima elencados.
Portanto, é certo dizer que corrigir os vícios de validade apontados, sem que seja aplicada
a todo o processo a sanção de nulidade, é o mais correto para a presente situação, uma vez que se
estará respeitando as regras processuais e constitucionais, sem, contudo, criar qualquer tipo de
prejuízo para as ADIns, para o ordenamento jurídico e para a nossa sociedade. Muito pelo
contrário. Esse é o anseio de toda a comunidade jurídica.

5. AS SOLUÇÕES QUE PODEM SER ADOTADAS PARA SE RESOLVER A QUESTÃO

As soluções que estão ao alcance do STF e da OAB seriam as seguintes:
5.1. Julgamento de procedência parcial do pedido nas ADIn
O STF poderia julgar o pedido de ambas as ADIns parcialmente procedente, para se
retirar do inciso IX do art. 7º da Lei 8.906/94 apenas a expressão “após o voto do relator”, pois
apenas isso foi objeto da fundamentação dos acórdãos, sem falar que foi o único pedido constante
na ADIn n. 1.127.
Como nas duas ADIns a invalidade é notória, pode o relator chamar o feito à ordem ou,
então, nos embargos de declaração que estão pendentes de julgamento, decretar a nulidade de
parte do acórdão, especialmente porque tal medida deve ser tomada até mesmo de ofício pelo
magistrado. Basta que se retifique o acórdão para que a declaração de inconstitucionalidade seja
apenas da expressão “após o voto do relator”, ou seja, suprimi-la do texto legal, ao invés de se
decretar a inconstitucionalidade de todo o dispositivo legal.
Das duas idéias acima, a que mais nos agrada é a do julgamento dos aclaratórios já
manejados pela OAB. Caso seja argüida preliminar de impossibilidade de intervenção de
terceiros em sede de ADIn, por suposta violação do art. 7° da Lei 9.868/99, e, por conseguinte,
pretender não conhecer do recurso, ainda assim é juridicamente correto a declaração de nulidade
do acórdão, com a retificação do que for necessário, haja vista o dever de se conhecer da nulidade
ex officio.
5.2. Ajuizamento de ação declaratória de constitucionalidade
Como a lei ainda está em vigor, é possível o ajuizamento, pela OAB, de ação declaratória
de constitucionalidade (ADC) referente ao art. 7°, IX, da Lei 8.906/94, que seria distribuída por
dependência às demais ADIns, em face da conexão existente. Apenas relembrando, o art. 103 do
CPC dispõe que há conexão entre duas ou mais ações sempre que lhes for comum o objeto ou a
causa de pedir. In casu, o objeto é idêntico, uma vez que está em jogo o futuro do mesmo
dispositivo legal dentro do nosso ordenamento jurídico.
Acresça-se a isso o fato de que nem a Constituição Federal, e nem a Lei 9.868/99, criam
entraves para o sucesso dessa medida.
5.3. Impetrar mandado de segurança no próprio STF
Esta outra opção é legítima e viável, uma vez não ser possível o manejo da ação rescisória
em sede de ADIn, ex vi do disposto n art. 26 da Lei 9.868/99. Ademais, o art. 102, I, ‘d’, da
Constituição Federal tem previsão expressa sobre isso.
É claro que alguém vai dizer que essa medida é impossível, porque esbarraria na Súmula
268 do STF, que dispõe que “não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com
trânsito em julgado”. No entanto, essa regra vem sendo flexibilizada. Senão, vejamos.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é lícito o uso do writ contra as decisões
transitadas em julgado dos Juizados Especiais, para a realização do seu controle de competência,
uma vez que a Lei 9.099/95 veda o uso da ação rescisória no seu âmbito (STJ, 3ª T., RMS n.
30.170/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05/10/2010).
Qual foi o raciocínio por detrás dessa decisão? Muito simples. Foi o de não deixar uma
injustiça convalidar-se no tempo, só por causa de uma filigrana processual. Entre permitir que a
ilicitude convalescesse, só porque não se pode ajuizar ação rescisória nos Juizados Especiais, ou
encontrar uma saída razoável para a solução do problema, optou-se por utilizar-se essa última.
Até mesmo a coisa julgada já vem sendo relativizada, em casos excepcionais, quando
demonstrado que a sentença, acobertada pela res iudicata, viola diretamente o texto
constitucional.
Desse modo, por que não se permitir o manejo do mandado de segurança para se contestar
a nulidade dos acórdãos das duas ADIns? Ora, caso o STF não mude seu posicionamento ex
officio ou pela provocação dos embargos de declaração aviados nas duas ADIns, e caso a ADC
seja rejeitada, tem-se como uma boa e correta opção a impetração de mandamus pela OAB, haja
vista a discrepância indesejável cometida pela maioria dos ministros do STF. E, para se por em
prática tal medida, não é preciso nem mesmo aguardar o trânsito em julgado de qualquer uma das
ADIns.
5.4. O direito de petição
Por fim, na hipótese de todas as outras medidas terem fracassado, ainda resta o direito de
petição, assegurado pelo art. 5º, XXXIV, ‘a’, da Constituição: “são a todos assegurados,
independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa
de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
É, destarte, uma saída a mais para que o STF possa rever o posicionamento adotado nas
duas ADIns, mas, para que funcione, é importante que se peticione antes do trânsito em julgado
dos processos, para se evitar eventual resposta do Judiciário no sentido de que a prestação
jurisdicional já se exauriu.
5.5. Considerações finais desse tópico
Como se pode ver ao longo desse pequeno tópico, há uma série de medidas, ao alcance da
OAB, para fazer cessar o equívoco do egrégio STF no que diz respeito à incorreta declaração de
inconstitucionalidade de todo o inciso IX do art. 7º da Lei 8.906/94. Apesar de não
concordarmos, a única parte desse dispositivo legal que pode ser tida como inconstitucional é a
expressão “após o voto do relator”, cuja explicação já foi trazida a lume ao longo desse trabalho.
Com efeito, data venia, de nada adiantará a OAB tomar todas as medidas corretas se o
STF não quiser entender a dúvida criada por ele próprio. É o juiz que diz, com o auxílio das
partes, e por meio de decisões fundamentadas, o que a lei quer dizer, todavia, quando isso é feito
com abuso de direito, então está-se negando a prestação jurisdicional e violando-se diversas
regras constitucionais, em especial o art. 5º, XXXV, que consignou o princípio da
inafastabilidade da jurisdição, e prega que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da
apreciação do Poder Judiciário.
Por fim, o que nos causa bastante surpresa, é o fato de a Constituição Federal prever, no
seu texto, a possibilidade de se tomar medidas para a revisão ou cancelamento de súmula
vinculante, conforme reza o art. 103-A, § 2º, contudo, não há nenhum instrumento similar para as
decisões tomadas nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade. Por que isso? Por que esse tratamento diferenciado para dois institutos,
diferentes, mas que possuem efeito final bastante similar?
Trata-se de uma enorme contradição, tendo em vista que, nos termos do art. 103-A, que
cuida das súmulas vinculantes, e do art. 102, § 2º, que regula as ADIns e as ADCs, haverá a
vinculação daquilo que se decidir. Em outras palavras, o poder de uma súmula vinculante ou de
uma decisão em sede de ADIn ou de ADC, é muito mais forte e importante que a própria lei, na
medida em que essa é passível de interpretação pelos magistrados e pela administração pública, já
as demais, não. Fica, portanto, a recomendação para que seja modificada a nossa legislação, a fim
de se criar mecanismos que possam permitir a revisão das decisões tomadas nas ADIns e nas
ADCs, nem que seja por um curto espaço de tempo. Precisamos refletir sobre isso.

6. A IMPORTÂNCIA DA SUSTENTAÇÃO ORAL NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

Com a crise do Poder Judiciário, cuja maior causa é o excesso de ações, tem-se que a
sustentação oral é uma das mais importantes ferramentas ao alcance do advogado.
Nos tribunais, quem, em princípio, tem melhor conhecimento do objeto do recurso é o seu
relator. O revisor e o vogal, por força do Regimento Interno dos tribunais, passam a ter maiores
dificuldades na apreciação dos processos a que estão vinculados.
Outro fato de suma importância é o do grande volume de serviço que assola os nossos
tribunais. Não bastasse, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem exigido que toda a
magistratura julgue o maior número de ações possíveis (Meta 2) e que também adotem as
súmulas dos tribunais superiores (art. 5º, ‘e’, da Resolução n. 106/2010). A conseqüência do
somatório desses dois fatos juntos é o de se ter, cada vez mais, magistrados mais preocupados
com a quantidade, ao invés da qualidade e, para ajudá-los a fazer isso, poderão apenas transcrever
os enunciados das súmulas dos tribunais superiores ou das ementas da jurisprudência dominante
acerca do tema, sem se preocuparem com as particularidades da lide. Também deve ser ressaltado
que, quanto maior o volume de ações, e menor o prazo para decidi-las, a chance de ocorrer algum
tipo de erro cresce. O magistrado é um ser humano, logo, é suscetível de erro. Esse é,
provavelmente, o principal fundamento do princípio do duplo grau de jurisdição.
Diante desse quadro difícil pelo qual atravessa o Judiciário brasileiro, vemos a
sustentação oral como um meio de prova de grande excelência e presteza, pois, por pelo menos
15 minutos, há a certeza de que os membros julgadores no tribunal ouvirão as razões recursais de
uma ou ambas as partes. Durante esse período, pode o advogado chamar atenção para os detalhes
da lide, documentos importantes, testemunhos ou depoimentos aos quais não se deu o devido
valor, ou até mesmo demonstrar que, ao caso concreto, não se pode aplicar determinada súmula
ou jurisprudência dominante (distinguishing).
No afã de ter que decidir centenas de processos, em tão curto espaço de tempo, aumenta a
chance de erro e diminui a chance de o desembargador verificar se a parte fática do caso concreto
se amolda mesmo à súmula ou à jurisprudência majoritária que pretende adotar. A possibilidade
de o advogado da parte poder se dirigir, oralmente, aos julgadores do recurso, é um mecanismo
de suma importância que não pode ser deixado de lado sob o egoísta pretexto de que haveria
maior demora nas sessões de julgamento.
Do ponto de vista dos princípios constitucionais, restringir o direito à sustentação oral do
advogado importa em grave restrição ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, da
Constituição Federal). O contraditório garante a participação do advogado no processo e, ao
mesmo tempo, o poder de influir no resultado da decisão. Já a ampla defesa, que permite a
produção de todos os meios de prova lícitos em Direito, é o instrumento para a consecução do
contraditório.
Dessa feita, quando não se permite a sustentação oral no agravo de instrumento,
especialmente por estarmos na era das liminares, onde muitas vezes esse recurso é mais
importante que a própria apelação, está certamente ocorrendo violação aos princípios do
contraditório e da ampla defesa, na medida em que não está se permitindo a interferência no
processo com todos os meios de prova que o advogado da parte entende são devidos e
necessários.
Com efeito, não é preciso que os tribunais de segundo grau de jurisdição e os tribunais
superiores aguardem decisão final das ADIns para começarem a agir em prol do jurisdicionado.
Os simples fato de se ter na Constituição, como garantias fundamentais, o direito ao contraditório
e à ampla defesa, por si só, já bastariam para se permitir a sustentação oral nos agravos de
instrumento. Todavia, se quiserem optar pelo caminho mais fácil, basta que deixe as coisas como
estão, e se escore na corrente aparentemente legalista que nega esse direito ao advogado com
base no art. 554 do CPC. Em suma: o julgamento de um agravo de instrumento, sem que seja
permitida a sustentação oral do advogado, é violação às garantias constitucionais do contraditório
e da ampla defesa, e, ao mesmo tempo, um desrespeito para com o jurisdicionado.
Cumpre ainda registrar que o Projeto de Lei do novo CPC aprovado pelo Senado, e que já
está na Câmara dos Deputados, já melhora bastante a caótica situação atual, pois permite a
sustentação oral em diversos feitos. A redação é a seguinte: “Art. 892. Na sessão de julgamento,
depois da exposição da causa pelo do relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao
recorrente e ao recorrido, pelo prazo improrrogável de quinze minutos para cada um, a fim de
sustentarem as razões nas seguintes hipóteses: I – no recurso de apelação; II – no recurso
especial; III – no recurso extraordinário; IV – no agravo interno originário de recurso de apelação
ou recurso especial ou recurso extraordinário; V – no agravo de instrumento interposto de
decisões interlocutórias que versem sobre tutelas de urgência ou da evidência; VI – nos embargos
de divergência; VII – no recurso ordinário; VIII – na ação rescisória”.
Assim sendo, diante de todos esses argumentos demonstrados, por que não resolver o
problema apontado da melhor e mais rápida maneira possível? Enquanto a situação perdurar da
forma como está, quem paga o preço é o jurisdicionado. Isso é certo? Ora, se é certo que
ocorreram equívocos no julgamento das duas ADIns, e, somando-se a isso o fato de o legislador
querer manter a sustentação oral em quase todos os recursos, haja vista o dispositivo do projeto
de lei do CPC, por que não já voltarmos a ser como deveria? Os três órgãos do Poder devem
sempre agir pensando no que é melhor para o povo, e, como a sustentação oral é forma de
facilitação da defesa do jurisdicionado, deve-se permiti-la em todos os recursos, e especialmente
no agravo de instrumento.
Por fim, lembramos a todos que, na época em que o atual CPC foi promulgado, não havia
a cláusula geral de antecipação de tutela do art. 273. O instituto já existia no Brasil, como se via
na Lei do mandado de segurança e no rito das ações possessórias. Todavia, com a positivação da
tutela antecipada para todo e qualquer procedimento, houve um enorme aumento do manejo do
agravo de instrumento, o que justifica, ainda mais, a necessidade da sustentação oral no aludido
recurso. Certamente, o professor Alfredo Buzaid só deixou o art. 554 do CPC ficar com aquela
redação porque a realidade, daquela época, é muito diferente da atual. É por isso que insistimos
que a sustentação oral, em todos os recursos, é uma necessidade do jurisdicionado que não pode
ser desprezada pelo Poder Judiciário.

7. CONCLUSÕES

Nossa idéia, desde o início, era a de redigir um sucinto artigo explicando os detalhes maisrelevantes da propositura e do julgamento das duas ADIns contra o inciso IX do art. 7º da Lei 8.906/94, e agora, ao final, vimos que o objetivo foi alcançado.
Não há a menor dúvida de que a sustentação oral é ferramenta indispensável do advogado para que possa galgar êxito nas suas lides. Especialmente com o grande aumento das antecipações de tutela, concedidas ou indeferidas, tanto nas ações comuns quanto nos mandados de segurança e ações coletivas, percebe-se que a chance de sucesso cresce com a possibilidade de sustentação oral no recurso de agravo de instrumento. Todavia, em razão do equivocado entendimento criado pela maioria dos ministros do STF, o jurisdicionado está ficando seriamente prejudicado. Por conseguinte, o acesso à justiça não está sendo pleno, como deveria, e isso não
está situado entre os melhores propósitos do Estado Democrático de Direito.

As duas ADIns propostas, ainda em tramitação, não podem prosperar no tocante à
inconstitucionalidade total do inciso IX, do art. 7º, da Lei 8.906/94. Se se quiser manter a decretação de inconstitucionalidade da parte do artigo que diz que “a sustentação oral será proferida após o voto do relator”, não é de todo errado, muito embora entendemos ser constitucional tal medida, especialmente porque o advogado poderá rebater eventuais equívocos do voto. Todavia, a constitucionalidade da regra de se poder sustentar em todos os recursos é gritante. Os diversos vícios já facilmente comprovados, que pairam sobre as duas ADIns, não podem ser ignorados pelo STF.

Ademais, mesmo que não existissem todos os vícios já apontados e comprovados, mesmo assim seria um erro decretar-se a inconstitucionalidade de todo o dispositivo legal em comento, uma vez que não há qualquer violação à Constituição Federal no tocante ao direito de o advogado poder proferir sustentação oral em todos os recursos na esfera judicial. Portanto, o que se espera, com essas considerações, é que o STF reveja o seu posicionamento adotado até o presente momento e que a OAB continue lutando, firmemente, em prol da classe dos advogados, pois não existe Democracia sem advogados, e tentar enfraquecer a nossa classe é um desrespeito ao adequado cumprimento dos direitos fundamentais. É a cidadania enaltecida, uma vez que o advogado é apenas o procurador da parte; proteger o advogado e zelas
pelos direitos fundamentais do jurisdicionado.

1 Dedico este artigo aos Ministros do STF, Marco Aurélio Mello e Sepúlveda Pertence, porque foram os únicos que tiveram a sensibilidade e a apurada visão no julgamento das duas ações diretas de inconstitucionalidade referidas neste estudo, pois vislumbraram que o objeto, em ambas, não atingia a parte do inciso IX do art. 7º da Lei 8.906/94 que dispõe sobre o direito de o advogado proferir sustentação oral em todos os recursos e processos na esfera judicial.

*Leonardo de Faria Beraldo – Diretor-Secretário da ESA da OAB/MG e Diretor-Segundo Secretário do IAMG