Por Rodrigo Badaró de Castro
No ano que ora se encerra, evoluímos muito quanto à postura do Ministério Público (MP) em relação aos advogados e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que é fruto da incipiente mudança de perfil ministerial, especialmente no que se refere a estabelecer uma isonomia de tratamento, que começou a ser reconhecida, bem como da necessidade de o membro do Parquet ser mais acessível à comunidade jurídica e à sociedade.
Nessa senda, o Conselho Nacional do Ministério Público, atendendo a clamores sociais e à própria OAB, percebeu a necessidade de fomentar o diálogo entre seus membros e a sociedade. De forma sábia, editou a Resolução 88, de 28 de agosto de 2012, que dispõe sobre a obrigatoriedade de membros do Ministério Público prestarem atendimento, sempre que lhes for solicitado, ao público e ao advogado de qualquer das partes. O respeito a esta prerrogativa dos advogados é um avanço na facilitação da comunicação entre as partes, o que imprime maior transparência e eficiência no trabalho do Ministério Público.
No entanto, é inegável que, com certa frequência, o MP quer fazer às vezes do magistrado e luta por prerrogativas que o distingam do advogado, como no caso da disposição da cátedra. Nessa linha, o MP, no dia 27 de novembro de 2012, obteve, perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), decisão que impediu a mudança da posição do representante do Ministério Público na cátedra, até o Supremo Tribunal Federal (STF) definir qual modelo deve ser adotado em todo o território brasileiro.
Essa questão é objeto da ADI 4.768, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB, que, após acolhimento unânime de parecer de minha relatoria no citado órgão, resolveu impugnar o artigo 18, alínea “a”, da LC 75/93, no que se refere a afastar a “prerrogativa” do MP de sentar-se ao lado do juiz, em nível diferente do advogado, nas causas que atua como parte e não como fiscal da lei.
Tal pretensão da advocacia já foi abraçada pelo Legislativo e vem sendo debatida no Congresso Nacional por meio do PLP 179/2012, que visa assegurar a isonomia e “paridade de armas”.
Não adentrando nas obrigações institucionais e legais, tem-se observado que o Ministério Público age, em certos momentos, com um excesso de ativismo, o que coloca em cheque o interesse público e o resguardo do regime democrático. Ao agir assim, o MP atua sozinho, isolando-se do papel que lhe é incumbido e afastando-se da sociedade, da Ordem dos Advogados do Brasil e da comunidade jurídica, que em tese buscam os mesmos objetivos.
O Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil são unidos na gênese pela formação técnica e na preservação do Estado Democrático de Direito. As questões que os distinguem são formais e de atribuições tão somente, pois, na essência, no dever, nas obrigações e na responsabilidade, são iguais, tanto quanto os juízes, sendo todos essenciais à administração da Justiça.
Vejo que o Poder Legislativo assim como o Poder Judiciário e até mesmo o Conselho Nacional do Ministério Público têm- se rendido à necessidade de união produtiva entre o MP e a OAB.
Volvendo-se para a OAB como entidade que deve andar pari passu com o Parquet, é de aproveitar este espaço para esclarecer alguns pontos suscitados pela afirmativa trazida no artigo da lavra do promotor de Justiça do estado de Minas Gerais Dr. André Luís Alves de Melo, com o título de “OAB não é entidade autárquica federal”, reproduzido pela revista Consultor Jurídico.
O nobre membro do parquet sustenta, com base no que definiu o STF ao julgar improcedente a ADI 3.026 (julgada em 2006), proposta pelo Procurador Geral da República, a qual visava a exigência de concurso público para provimento de cargos na OAB, que a OAB não é pessoa jurídica de direito público, nem mesmo autarquia, tampouco autarquia de regime especial, motivo pelo qual não poderia mais ser julgada pelo Judiciário Federal. Assim, afirma-se no referido artigo: “Logo, como a OAB não é mais autarquia especial, vincula-se pela ADIN que não tem mais foro federal”. Nessa linha, o ilustre articulista cita inúmeras decisões do STJ para corroborar sua tese.
Ora, é interessante registrar que as decisões mencionadas pelo referido Promotor (CC 47613 – DJU 22.08.2005 e REsp 235723 – DJU 04.11.2002) são anteriores ao definido pelo STF, razão pela qual não foram influenciadas pelo julgamento da ADI 3.026. Pelo contrário, inúmeras decisões recentes do STJ, posteriores a manifestação do STF, confirmam a competência da Justiça Federal para julgar ações em que a OAB seja parte.
Outras decisões, inclusive do ano corrente, reafirmam essa competência da Justiça Federal, havendo, em todas elas, exame específico sobre o reflexo da ADI 3.026, julgada pelo STF. Alguns desses julgados são: CC 121.574/DF (DJe 13.11.2012); CC 124.469/DF (DJe06.11.2012); CC 125.175/DF (Dje 24.10.2012).
Não se pode olvidar que as atribuições afetas à OAB pelo artigo 44, I e II, da Lei 8.906/94[1] têm natureza federal, e, com base nisso, o próprio Superior Tribunal de Justiça entende que “Não há como conceber que a defesa do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Fundamentais, a regulação da atividade profissional dos advogados, dentre outras, constituam atribuições delegadas pelos Estados Membros.”[2]
Como se vê, ao contrário do que é sustentado pelo articulista, as causas nas quais a OAB figure como parte são de competência da Justiça Federal. Fica claro que a decisão do STF na ADI 3.026 não afetou a compreensão do STJ, tendo o mesmo a enfrentado de forma clara.
Por fim, vale relembrar que a OAB e o MP não são entidades diferentes porque defendem, muitas vezes, posições contrárias. São iguais e assim devem ser para o bem da justiça.
[1] Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;
II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
§ 1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.
§ 2º O uso da sigla OAB é privativo da Ordem dos Advogados do Brasil.
[2] AgRg no REsp 1255052 / AP – DJe 14/11/2012
Fonte: Conjur