Brasília – O artigo “Entre Manifestos e Propostas”, de autoria do presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado, foi publicado na edição desta quinta-feira (27) do jornal Correio Braziliense.
Em um panfleto que circulou na França revolucionária de 1789, intitulado Qu’est-ce que le tiers État?, o padre Emmanuel-Joseph Sieyès, perguntava e respondia a três perguntas: o que é o terceiro Estado (que incluía burguesia, classe média e povo)? Tudo. O que ele tem sido até agora? Nada. O que ele deseja ser? Alguma coisa.
É preciso prestar atenção às faixas e cartazes das últimas manifestações para entender que as centenas de pessoas nas ruas das principais cidades brasileiras querem do Estado muito além dos vinte centavos das passagens de ônibus. Elas querem atenção. Querem ser ouvidas. Estão cansadas de práticas políticas dissociadas dos interesses dos contribuintes. Querem saúde, educação, segurança, o fim da corrupção, enfim, querem qualidade de vida.
A ideia de sociedade-plateia que assiste passivamente aos acontecimentos mudou a partir da Internet e da democratização do acesso à informação que este meio permite, unindo as pessoas em redes sociais, independentemente das formas de organização tradicionais e partidos. E todo esse movimento eclode no ano do 25º aniversário de uma Constituição que, ao redefinir o conceito de cidadania, deu ao povo o sistema pelo qual ele possa conduzir, soberanamente, os destinos do país. Coincidência ou não, é bom que seja assim.
Democracia não é um sistema acabado, como se pode inferir dos últimos acontecimentos. Se fosse, não haveria necessidade de pressionar o Congresso Nacional para aprovar uma Lei destinada a impedir a eleição de políticos com condenação na Justiça. Antes disso, outro dispositivo teve de ser aprovado criminalizando a vergonhosa prática de compra de votos. Mas nada saiu do acaso. Foi obra de intensa mobilização que a própria Constituição exige para dar efetividade à iniciativa popular de propor leis. Mais de um milhão de assinaturas de cada vez.
É o que precisamos, por exemplo, hoje, para levar o Congresso a aprovar uma reforma política abrangente, como a sociedade deseja, extirpando vícios arraigados ao longo dos anos, ou séculos. Ao lado de várias entidades da sociedade civil, a Ordem dos Advogados do Brasil está empenhada em buscar 1,5 milhão de assinaturas necessárias em torno de um projeto de lei proibindo empresas financiar campanhas políticas, origem e causa de dez entre dez escândalos que são denunciados. O poder emana do povo, não das empresas.
Espera a OAB dar concretude às mensagens das ruas, sem jamais interferir ou reivindicar alguma posição no comando das manifestações, que devem se manter livres, e, sobretudo, pacíficas. Por essa razão, defende um anteprojeto de lei de reforma política por iniciativa popular convergindo para três temas: o financiamento democrático, que irá baratear as campanhas e permitir que os políticos apresentem suas ideias sem se submeter às relações espúrias com empresas, o voto transparente e a liberdade de expressão na Internet.
Mas podemos ir além, reunindo as assinaturas para aprovação de lei, também por iniciativa popular, que destine 10% da receita bruta do governo federal à saúde pública. O projeto recebeu o nome de Saúde+10, que significa promover uma reviravolta no precário, para não dizer falido, atendimento à população. Isto pode ser feito também com relação à educação, um setor fundamental se quisermos alcançar uma posição de destaque entre as nações desenvolvidas. Na base de todas as distorções está a carência nacional por educação. Na medida em que promovermos educação, estaremos organizando a sociedade, reduzindo a exclusão social e ampliando a consciência dos brasileiros.
Ainda com outros segmentos da sociedade, a OAB constituiu um comitê para acompanhamento do cumprimento das leis de acesso à informação e de transparência por parte dos governos federal, estaduais e municipais, inclusive com relação aos gastos com as copas das Confederações e do Mundo.P
or último, ingressou a OAB com Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), um instituto ainda desconhecido, no Supremo Tribunal Federal, para que os poderes, em respeito à população, editem uma lei própria de proteção a quem faz uso do serviço público, nos moldes do Código de Defesa do Consumidor. Essa lei foi prevista no artigo 27 da Emenda 19 da Constituição para que fosse editada em 120 dias. Já se passaram 15 anos.
É uma obrigação das instituições da sociedade civil, como também dos entes governamentais, o acolhimento das reivindicações que ecoam nas ruas, para transformá-las em realidade. Na medida em que se trata o tudo como nada, era previsível que mais cedo ou mais tarde a voz de quem quer ser alguma coisa se fizesse ouvir com mais intensidade. Quem sabe, possamos fazer de cada brasileiro um cidadão com plena capacidade de interferir no destino do País.
A história anda aos saltos.