Segurança jurídica em eventual transição de governo passa pela atuação da Advocacia Pública 

Confira artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico desta quarta-feira (10)

Presidente da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Tema distante da rotina da maioria dos brasileiros, a atuação da Advocacia Pública impacta a vida de todos os cidadãos mais do que é possível se perceber pelo senso comum. No novo desenho constitucional trazido pela Constituição de 1988, o advogado público passou a ser um agente-chave na estrutura estatal, um verdadeiro defensor dos fundamentos do Estado democrático.

Há muito, porém, as carreiras da Advocacia Pública – advogados da União, em suas quatro carreiras, os advogados das estatais e da Administração Indireta – almejam a tão esperada autonomia real e efetiva. Por não percebemos que a atuação desses agentes vai além da ideia de que representam o escudo do Erário, esquecemos que a Advocacia Pública é a advocacia do interesse comum e da cidadania.

Infelizmente, paralelamente à importância da carreira, parece faltar a esses agentes a necessária estrutura administrativa e autonomia para atuar sem embaraços e em pleno exercício de suas atribuições. Já passou da hora de discutirmos, portanto, a valorização dessas carreiras. E o atual momento, de crise econômica e política, pode ser uma oportunidade histórica para esse debate.

Passa pela Advocacia Pública a garantia da segurança jurídica numa provável transição de governo, caso o impedimento da presidente da República se confirme. Na atuação de representação da União, ou defendendo os interesses de órgãos públicos, estatais e autarquias, cabe a esses agentes preservar o que é de interesse próprio do Estado e da coletividade, o resguardando, para tanto, de possíveis convulsões e consequências do enfrentamento político e ideológico próprios do jogo democrático. Esse limite, esse feixe de luz a orientar a Administração Pública, quem dá é o advogado público no exercício de suas funções, na assessoria ao Poder Público.

É tamanha a importância da atuação estratégica desses profissionais, que o vice-presidente Michel Temer, figura central dos desdobramentos da crise política, em texto de apresentação preparado exclusivamente para o Anuário da Advocacia Pública publicado há quase dois anos pelo site Consultor Jurídico, afirmou que a Advocacia Pública é o pilar de sustentação da democracia e garantidor de execução de políticas públicas.

“É inegável a importância, a excelência, a indispensabilidade da Advocacia Pública, pilar de sustentação da democracia, garantia do cumprimento das leis e das Constituições federal, estaduais e municipais (leis orgânicas). Guardiã e defensora do patrimônio público, inclusive imaterial”, escreveu o vice- presidente, em 2014.

Foi em 2014, justamente, que a OAB/DF lutou pela aprovação e sanção da Lei Distrital 5.369, que trata do sistema jurídico do Distrito Federal, regulamentando o exercício da advocacia nos órgãos públicos, nas empresas públicas e de economia mista locais. Foi a primeira lei do tipo no Brasil, materializada em nível regional, dispondo sobre garantias fundamentais para o exercício de uma atividade que tem sua justificativa mais essencial no zelo do patrimônio coletivo e do bem comum.

A lei assegurou também que advogados contratados por empresa pública ou por sociedade de economia mista do DF, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, integrem o novo Sistema Jurídico e estabeleceu ainda a percepção de honorários pelos advogados públicos, uma das mais justas e importantes reinvindicações da carreira.

Foi um passo local, fruto de muito trabalho da OAB/DF na defesa dos interesses dos advogados públicos, mas há ainda um longo caminho apercorrer para que todas as carreiras disponham da estrutura e autonomia à altura de suas nobres atribuições, definidas pela nossa lei maior. Chegou a hora de dar o passo em nível federal. O advogado Michel Temer, se o quadro que se desenha no horizonte se materializar, saberá estabelecer esse rumo. Estaremos atentos, aptos para colaborar e, se for o caso, cobrar.

Artigo: A liberdade, o Supremo e a Constituição

Brasília, 23/2/2016 – O secretário-geral adjunto da OAB/DF, Cleber Lopes, teve artigo publicado na segunda-feira (22), no site jurídico Migalhas, a respeito da recente decisão do Supremo Tribunal Federal que passou a permitir que a pena de prisão de réus seja executada já depois da condenação em segundo grau.

Leia a íntegra do artigo, abaixo:

Cleber Lopes

Havendo um levante popular contra outras garantias constitucionais poderá haver mais retrocesso no plano dos direitos fundamentais.

O homem nasce para ser livre e disso ninguém discorda, sendo a liberdade o valor máximo da nossa existência, do que servem de exemplos as inúmeras passagens da história em que a sociedade lutou para defender a liberdade. Não pretendo aqui mostrar de maneira pormenorizada a forma como a liberdade foi tratada ao longo dos séculos.

Quero cuidar da nossa realidade a partir do que preconizado na Constituição de 1998, pois a meu sentir essa deve ser a matriz teórica para discutir a decisão tomada pela Suprema Corte no último dia 17 de fevereiro. Sim, não importa o que dizem os ordenamentos jurídicos dos países citados pela maioria, nem tampouco as lições da doutrina alienígena, pois nada disso pode modificar o texto da nossa carta maior, cuja obediência deve ser de todos, em especial de quem tem o dever de guardá-la e defendê-la em favor da sociedade. Quero ressaltar, a propósito, que o Supremo é guardião, mas não é dono da Constituição. A Constituição é da sociedade.

Veja-se que a liberdade está em posição de destaque no texto constitucional, não só quando assegura a presunção de inocência, mas quando garante o devido processo legal, a ampla defesa, o relaxamento da prisão ilegal, o direito de não ser preso sem motivação idônea, o habeas corpus, e a indenização em caso de erro judiciário. Enfim, não há como negar que a nossa constituição é libertária.

No ponto, importa ressaltar que a garantia segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ao lado das demais garantias acima referidas, encontra-se protegida pela nota de cláusula pétrea, ou seja, somente o constituinte originário poderia suprimi-la do rol das garantias individuais do homem. Esse é o argumento central que me entusiasma a escrever esse modesto artigo, pois o que o Supremo fez, em última análise, ainda que movido pela melhor das intenções, foi suprimir, ou relativizar, uma garantia fundamental, coisa que o Congresso Nacional que aí está não poderia fazer, nem mesmo por meio de emenda ao texto constitucional. A questão é simples assim!

Fora disso, como todo o respeito, a questão vira sofisma e só confirma a tese de que o Direito é mesmo uma massa de modelar. Ao lado desse ponto matricial da questão, vejo com muita preocupação a guinada na jurisprudência, pois isso me faz pensar que a Suprema Corte poderá dizer daqui a pouco que não há mais reserva de jurisdição para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, por exemplo, como já está sinalizando ao dizer que a Lei Complementar 105 é constitucional.

Vejam a gravidade do problema, pois a argumentação da maioria ao autorizar o cumprimento da pena após a confirmação da sentença pelo segundo grau de jurisdição, passa pelo sentimento da sociedade e isso me leva a concluir que havendo um levante popular contra outras garantias constitucionais poderá haver mais retrocesso no plano dos direitos fundamentais.

Pois bem. Se o problema está na nossa Constituição, sejamos francos e honestos para propor uma nova carta mais ajustada aos anseios da nossa sociedade, o que não me parece o caso, pois a nossa Constituição, embora pródiga no capítulo dos direitos fundamentais, ainda está longe de ser inadequada para nossa realidade, sobretudo quando se sabe que a sociedade quer é comida, diversão, escola, hospital, segurança, estradas, emprego e, claro, menos corrupção, mas não é por conta de meia dúzia de réus endinheirados que permanecem soltos por que ainda não condenados em definitivo que faremos essa mutilação do texto constitucional.

Estou certo de que pagaremos um preço alto por essa mudança de rumo na jurisprudência, pretensamente motivada pelo sentimento da sociedade, isso por que não vai demorar para vivermos um quadro em que pessoas inocentes, principalmente os costumeiros clientes do sistema punitivo, serão levados ao cárcere e depois postos em liberdade por que a decisão estava errada. Penso que a decisão do Supremo enfraquece a jurisdição extraordinária, que é prestada pelo STJ e pelo próprio STF, na medida em que sugere que o Recuso Especial e o Extraordinário, são apenas meios de protelação da conclusão do processo, quando se sabe que há muitos casos – não tenho os números – em que há provimento desses apelos excepcionais, senão para absolver, mas para reduzir a pena e isso pode mudar o regime de cumprimento, com as consequências que todos conhecemos.

Outro aspecto que me preocupa diz com os critérios que serão adotados para definir quem e quando haverá o cumprimento imediato da pena, pois tenho lido que a prisão vai depender de pedido do MP. Isso me parece mais grave ainda, pois se a prisão está autorizada por que em conformidade como o texto constitucional, como admitir que dependa de pedido do MP? Ou o acórdão deve ser executado imediatamente por que estamos falando de cumprimento da pena, ou estamos criando uma nova espécie de prisão cautelar fora do plano normativo, em franca ofensa ao princípio da legalidade, até agora vigente entre nós, ao menos até que o Supremo lhe tire a validade. Outra questão que me atormenta é o fato que a decisão tomada pelo Supremo se mostra na contramão do esforço que tem sido feito para reduzir o número de presos provisórios no país. Vale dizer, com a decisão confirmada ou não pela segunda instância, haverá um enorme número de pessoas – os de sempre – que irão para a cadeia antes que terem uma sentença com trânsito em julgado, o que irá degradar ainda mais o que já é a reinvenção do inferno.

Some-se a isso, o fato de que o STJ e o STF irão conviver em breve com uma enorme quantidade de processos com réus presos, o que que irá gerar uma demanda ainda mais sensível, tendo em vista a garantia, ainda vigente, da duração razoável do processo, ou seja, em breve, estaremos vendo os Ministros da duas Cortes em desespero com tantos réus presos e os advogados pedindo preferência no julgamento, tudo por conta de uma irrefletida decisão que não levou em conta todas essas consequências, supondo que iria apenas fechar uma das janelas da impunidade. É o que penso, com a devida vênia.

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*Cleber Lopes é advogado em Brasília.

Fonte – Migalhas

 

Não existe advogado sem OAB!

O presidente da OAB/DF, Ibaneis Rocha, publicou artigo no site Diário do Poder, nesta sexta-feira (15), no qual repudia o projeto de lei que cria a figura do “paralegal” para permitir que bacharéis em Direto possam atuar por três anos sem precisar da aprovação no Exame da Ordem. Confira, abaixo: 

Na semana passada, o respeitável jornal Correio Braziliense estampou em sua capa a seguinte manchete: “Advogados sem OAB provocam polêmica”. A reação da advocacia no Distrito Federal foi imediata. “Advogado sem OAB? Como? Isso existe?”, questionaram leigos e advogados durante toda a sexta-feira, 8 de agosto, quando circulou a edição do matutino.

A manchete fazia referência ao projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados e pretende permitir que bacharéis em Direito atuem por três anos sem precisar de aprovação no Exame de Ordem, os chamados “paralegais”. Uma aberração que, levada ao pé da letra, denigre a história dos cursos jurídicos e, portanto, a própria essência de uma profissão reconhecida constitucionalmente como essencial à administração da Justiça.

A proposta, que desqualifica a carreira jurídica no país, surge em meio a resistências dentro do Congresso (sobre as quais já tive oportunidade de me manifestar em artigo publicado neste espaço) ao Exame de Ordem, instrumento que atesta a capacidade do bacharel em Direito para exercer a advocacia. Por tudo isso, não deve ir adiante.

Assim como o médico, o advogado lida com os mais preciosos bens dos cidadãos. Se nas mãos dos médicos os pacientes entregam suas vidas, aos advogados os clientes entregam a responsabilidade de defender sua honra, seu patrimônio e sua liberdade. O profissional destacado para essas funções tem de conhecer o mínimo – e é o mínimo que se exige nas provas do Exame de Ordem.

Ninguém é indiferente ao drama de milhares de bacharéis que se formam todos os anos. Somos, hoje, quase 900 mil advogados espalhados pelo Brasil. Há 20 anos, o Brasil tinha 200 cursos de Direito. Hoje, são mais de 1.200 faculdades que formam quase 100 mil bacharéis por ano, esbanjando quantidade em detrimento da qualidade. Até mesmo em outros ramos profissionais percebe-se esse descompasso, que ao fim e ao cabo é prejudicial a todos.
Logo, torna-se necessária uma reformulação profunda no ensino jurídico para que não se vendam ilusões. É preciso fechar os cursos que não formam, de fato, os alunos, mas apenas lhes vendem diplomas como uma mera “mercadoria”.

O Exame de Ordem nada mais faz do que revelar esse problema. Não é acabando com ele ou tentando aprovar leis que são dribles ao teste da OAB que se resolverá o problema. Há faculdades que aprovam mais de 70% de seus estudantes no Exame; outras, sequer pontuam com uma aprovação. Trata-se da mesma prova aplicada para bacharéis nas mesmas condições. Ora, como explicar uma discrepância tão grande no resultado alcançado pelas faculdades? Qualidade de ensino é a resposta.

Uma das principais chagas do país é essa mania de tentar curar doenças graves com a prescrição de placebos. A proposta que cria a aberração do “advogado sem OAB” é um dos mais bem acabados exemplos dessa chaga. Nosso papel, não apenas de advogados, mas de cidadãos, é combatê-la.

Ibaneis Rocha é presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF)

As funções dos pais devem ser exatamente as mesmas das mães!

DIA DOS PAIS – 10 de agosto de 2014

Tradicionalmente, o segundo domingo de agosto no Brasil é o dia em que parabenizamos e homenageamos a figura paterna. Propomos nesta data repensar essa figura. Estamos acostumados a ouvir: “ele é um pai muito bom: ajuda a trocar as fraldas”, “arruma tempo para ficar com as crianças”, “participa da educação dos filhos”, “ele fica com os pequenos quando a mãe não pode”, entre outras.

O equívoco de todas essas frases é encarar como um auxílio paterno a maioria das ações relacionadas às/aos suas/seus filhas/os, não como um dever seu e direito dessas/es.  Quando um casal heterossexual opta por ter uma criança, a figura do pai é tão importante quanto a da mãe na criação dessa criança. Ambos igualmente possuem a tarefa de educar, alimentar, cuidar, vigiar suas/seus filha/os e os pais não devem ser considerados melhores quando o fazem.

A responsabilidade pelos filhos tem sido cultural​mente destinada às mães, mas essa tarefa é tanto dos pais quanto das mães. Pais devem participar de reuniões escolares e não serem considerados melhores simplesmente por fazerem isso. Ir à reunião de pais e mestres na escola dos filhos não é uma atividade extra que o pai realiza para ajudar a mãe numa atividade que seria dela.

Também não se deve confundir atenção afetiva com atenção material. Ainda hoje existem pais que encaram que “não deixando faltar nada à/ao filha/o” eles cumprem com a função lhes dada pela paternidade.

Apesar de essa visão tradicional de paternidade parecer, de inúmeras formas, benéfica aos homens existe cada dia mais homens que se dão conta das “amarras” que esse tipo de pensamento provoca na relação deles com suas/seus filhas/os – embora esses obstáculos não se comparem com as dificuldades enfrentadas pelas mulheres, que se veem compelidas a cumprir uma tarefa que é de ambos, entretanto com quase nenhuma participação masculina , ainda que dentro de uma relação heterossexual. Não se trata de ajuda, mas de obrigação. Obrigações de criar, educar e se responsabilizar pela criança.

As “amarras” hoje sentidas por alguns homens podem ir desde piadas dos colegas por um homem limpar as fraldas das/os filhas/os, até a dificuldade da justiça de reconhecer o direito do pai de concorrer em igualdade com a mãe pela guarda dos filhos, mesmo com inúmeros fatores envolvidos.

Embora avanços sejam notados, muitos entraves culturais ainda são colocados sobre os homens, como os que inibem a demonstração de afeto entre pai e filha/o. Nenhum pai deve se sentir sem jeito em beijar e abraçar a/o filha/o independente da idade de ambos.

Costuma-se questionar a capacidade de cuidado dos homens. Mas essa capacidade não está relacionada a gênero, não se relaciona simplesmente ao fato de alguém se dizer homem ou mulher. Vale mencionar, inclusive, que há casais homoafetivos e pais solteiros que dão conta do recado, sem nenhum heroísmo, abarcando assim uma diversidade maior no conceito de família.

Por isso, pais que encaram as responsabilidades com suas/seus filhas/os, independente do tipo de família em que se insiram, esta responsabilidade (ou corresponsabilidade com sua/seu companheira/o) trata-se tanto de um dever quanto de um direito seu.

Ábiner Augusto M. Gonçalves (Secretário Adjunto da Comissão da Mulher Advogada OAB/DF)
Com colaboração de Andréa Stefani, Maria Tereza Nunes e Milena Martins.

Advocacia Pública da União e Honorários

A manchete do Correio Braziliense do dia 24/2/2014 estampa: “Governo tenta reverter derrota milionária”. Segundo a matéria, o “Palácio do Planalto vai montar uma ofensiva com os líderes da base aliada no Senado para reverter a derrota que sofreu na Câmara no início do mês, que garantiu aos integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU) o direito aos honorários das causas vencidas pela União pagos pelas partes perdedoras.”

Se, contudo, o governo imagina estar diante de uma derrota milionária, o equívoco que está cometendo, este sim, é multimilionário. Explico o motivo. Apenas uma visão muito míope, ou nenhuma, pode fazer com que qualquer pessoa, seja o governo, uma empresa ou um cidadão, desprestigie o advogado que o defende. Como costumo dizer, não devemos economizar na hora de contratar médicos, advogados e contadores. Mas é isso que pretende o governo.

Se, por um lado, o governo quer permanecer senhor das verbas que, a começar pelo nome, devem pertencer aos advogados, por outro, não é propriamente uma conduta isolada, visto que o governo já faz isso na correção monetária do desconto padrão no IRPJ, na ridícula dimensão do desconto para despesas com educação, no sucateamento da Polícia Federal etc. Não erra, todavia, todo o tempo. Há pouco, por exemplo, convocou os analistas tributários aprovados e aguardando nomeação, ajudando dessa forma a Receita Federal a funcionar melhor. Contudo, o governo deveria ser mais assertivo ao prestigiar e valorizar as carreiras públicas. E isso deveria ser feito por prestigiar quem já está em atuação.

Outra questão pertinente: assim agindo, o governo abdica de criar um justo e eficiente incentivo para a produtividade dos advogados públicos. Até quando a Administração Pública se negará a trazer para a prestação dos serviços públicos as boas lições que a iniciativa privada já aprendeu? Premiar resultados é inteligente, eficaz e traz resultados.

Ainda, e mais grave, a situação atual é de desestímulo aos advogados públicos no âmbito federal. O que isso irá acarretar? Muito simples: competentes que são, farão concursos para as procuradorias municipais e estaduais e a União irá perder os bons advogados que tem. Óbvio que nem todos farão novos concursos, mas certamente haverá uma perda considerável.

E isso vai causar um prejuízo estratosférico. O que significa que aquilo que o governo entende como derrota é, para o país e a União, uma vitória, mais do que para os próprios advogados.

Os movimentos de menoscabo aos advogados da União não são novos. A tentativa de submetê-los a meros reprodutores do pensamento da chefia vem se intensificando desde a tentativa de tornar membros da AGU, indicados não concursados, um verdadeiro “Trem-bala da alegria”, do qual falamos quando escrevemos a respeito do malsinado PLP 205/2012, cujo texto está disponível em: <http://blogwilliamdouglas.blogspot.com.br/2013/08/a-nova-pec-37-agora-querem-calar-os.html>.

A advocacia pública precisa ser de Estado e não de governo, e uma boa advocacia se faz com a valorização e o respeito aos advogados e aos seus direitos.

Enfim, a Câmara dos Deputados andou bem e merece aplauso. Lamentável é o esforço do governo em desfazer algo de bom que se fez. Como diz a matéria, os advogados públicos estão precisando fazer um grande “corpo a corpo”. O que não seria necessário caso o governo prestigiasse mais os cérebros dos quais já dispõe e que corre o risco de perder, bem como de não dispor, no futuro, de pessoal habilitado para novas contratações já que haverá preferência pelas procuradorias que valorizam os seus profissionais.

Finalizando, me indagaram se não me incomodaria com o “risco” de a remuneração dos advogados públicos exceder à dos magistrados. Respondo. Em princípio, no momento atual, esse risco está longe de ocorrer, pois a divisão dos honorários não bastaria para tanto. Porém, faço votos de que o aumento de produtividade incentivado pela percepção dos honorários torne esse risco cada vez mais próximo. Um dos motivos dessa torcida é que o país precisa de dinheiro para pagar as despesas correntes, os estádios inúteis e um porto bilionário em Cuba. Indo além, não é porque a remuneração dos magistrados está aquém do correto que irei nivelar por baixo e ir contra uma medida salutar tomada em prol da União Federal, que é quem mais ganha com a qualidade e produtividade dos advogados públicos. Espero que se resolva a situação vexatória em que os juízes se encontram, mas nunca através da socialização da remuneração inadequada.

Como disse o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, “advogado valorizado significa o cidadão respeitado” e a decisão da Câmara “representa uma enorme conquista para os advogados públicos brasileiros”, ao que acrescento: quem ganhou foi o país, que, mercê da decisão do Plenário da Câmara dos Deputados, ao analisar o projeto do novo CPC, deu um grande passo em direção à maior valorização da advocacia pública.

Por tudo isso, a melhor expectativa é a de que o Senado Federal trate a questão com visão estratégica e de Estado, prestigiando a Câmara dos Deputados e, principalmente, valorizando os que defendem a União. Confirmando a medida, teremos evolução legislativa favorável ao bom funcionamento do Estado brasileiro.

* William Douglas é juiz federal, professor e escritor.

Transição segura do Processo Judicial Eletrônico é possível?

Aldemario Araujo Castro e Luiz Cláudio Allemand

Em plena sociedade da informação (ou do conhecimento), quando superados historicamente os paradigmas anteriores de produção de riquezas e valores, representados pela terra produtiva e pela máquina (a vapor e, depois, elétrica), não existe, na atual quadra da sociedade brasileira, nenhuma resistência social relevante à implantação e desenvolvimento do chamado processo judicial eletrônico (PJe). Esse movimento, assim como a utilização da urna eletrônica (com as cautelas devidas) e a ampla informatização da Administração Tributária, revelam importantes avanços do Brasil no campo tecnológico.

A chegada vitoriosa da sociedade da informação aos domínios do processo judicial possui um significado especial. Afinal, o mundo jurídico tradicionalmente mostra um exagerado apego ao formalismo, inúmeras vezes divorciado de qualquer utilidade ou valor. Não custa lembrar, nessa linha, que no início do século XX foram proferidas várias decisões contrárias a sentenças datilografadas. Exigia-se, por alguma engenhosa construção de incompatibilidade com os fundamentos básicos da disciplina processual, que as decisões fossem escritas pelo magistrado de próprio punho!

Depois de uma evolução legislativa com vários capítulos, a Lei nº 11.419, de 2006, encerrou o ciclo de normas jurídicas voltadas para a informatização completa do processo judicial no Brasil. Com efeito, o aludido diploma legal regulou, de forma bastante detalhada, o uso dos meios eletrônicos na tramitação de processos, na comunicação de atos processuais e na transmissão de peças processuais. Restou consignado expressamente no ordenamento jurídico brasileiro que “todos os atos ou termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico”.

A Lei nº 11.419/06 introduziu, definitivamente, nas lides forenses, o uso da assinatura eletrônica, em especial a assinatura digital baseada em certificação criptográfica de chave pública e privada. Imagina-se que a utilização em larga escala da assinatura digital produzirá, na seara jurídico-processual, assim como nas mais variadas áreas de atuação humana, uma profunda e significativa mudança de costumes com a manutenção da assinatura física como algo claramente residual.

Portanto, não existe caminho de volta para o processo judicial brasileiro. Em todas as instâncias, em menor ou maior intervalo de tempo, ele será informatizado. Afinal, o quadro normativo necessário está posto e o ambiente social e tecnológico de implementação e desenvolvimento das atividades pertinentes impõem esse passo rigorosamente necessário no campo do processo judicial.

Embora sejam promissoras as perspectivas do PJe, são consideráveis as preocupações com as imprescindíveis providências para uma transição minimamente segura e tranquila do “velho” processo físico para o “novo” processo eletrônico.

As inquietações, usando um eufemismo, levam em conta as declarações oriundas de autoridades do Conselho Nacional de Justiça, no final do ano de 2013, quando aprovada a Resolução nº 185 daquele colegiado, no sentido de que já se tem uma versão completamente estável do sistema (PJe) apta a ser instalada por todos os tribunais.

Não obstante as manifestações dos responsáveis pelo PJe no âmbito do CNJ, observa-se uma atuação crescente e incisiva da Ordem dos Advogados do Brasil, pugnando: (i) pela necessidade de lapso temporal adequado para a transição do velho processo em papel para o novo processo eletrônico; (ii) pela correção de inúmeras falhas de natureza técnica (que tornam o sistema indisponível ou excessivamente complexo para o exercício da Advocacia em função de problemas com a infraestrutura de comunicação, administração de bancos de dados e aspectos de segurança); e (iii) pela devida atenção aos problemas de acessibilidade, notadamente para profissionais da Advocacia com idades mais avançadas ou certas limitações físicas.

Vários atores do processo judicial, dentro e fora da OAB, insistem em aspecto de fundamental importância. Argumenta-se, com inegável acerto, que a transição segura para o PJe envolve o respeito e a observância a direitos fundamentais inscritos na Constituição de 1988. Não se tratam de meras reclamações corporativas. Afinal, quando o trabalho do advogado é dificultado ou obstado, por falhas ou definições desarrazoadas, as maiores vítimas são as partes (cidadãos, empresas e próprio Poder Público em seus vários níveis e instâncias) que buscam resguardar ou obter direitos pela via do processo judicial. Quando a Carta Magna afirma que não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesões ou ameaças a direitos (art. 5º, inciso XXXV), estabelece um comando inafastável para o legislador e todas as autoridades judiciárias que administram os meios e ferramentas viabilizadas da prestação jurisdicional por intermédio do processo.

O aludido período adequado de transição decorre, entre outros fatores relevantes: (i) da necessidade de adaptação cultural dos profissionais do Direito (advogados, magistrados, servidores, etc.) às novas tecnologias e suas ferramentas; (ii) da necessidade de realização dos treinamentos pertinentes; e (iii) de consideráveis discrepâncias na infraestrutura de acesso e utilização da internet em um país de dimensões continentais. Não custa lembrar que em inúmeros locais deste vasto Brasil o acesso à internet não existe ou mostra-se extremamente precário.

Perceba-se que o legislador, ao editar a citada Lei nº 11.419/06, indicou claramente o caminho da cautela na implementação do PJe. Não houve uma definição de utilização exclusiva da assinatura digital antes referida. O § 2º do art. 1º daquele diploma legal estabeleceu, como forma de identificação do signatário de peças processuais, o cadastro perante o Poder Judiciário (conhecido como acesso mediante login e senha). A convivência das duas soluções de identificação do usuário (assinatura digital e senha) pode e deve ser tomada como uma diretriz do legislador no sentido da utilização prudente e cadenciada das possibilidades tecnológicas no âmbito do PJe.

No tocante às definições e falhas técnicas, deve ser dispensado especial cuidado para as relações institucionais com a Advocacia, o Ministério Público e a Defensoria Pública, com o objetivo de serem editadas normas razoáveis e minimamente consensuais. Neste momento, é fundamental compreender as dinâmicas específicas e as peculiaridades de interação dos vários segmentos com o “novo” processo judicial.

As questões de acessibilidade não são aspectos secundários no contexto de implementação do PJe. Vivemos em uma sociedade plural e solidária, como define o próprio texto constitucional, e não podem ser esquecidos ou deixados no caminho aqueles que apresentam alguma limitação objetiva, notadamente decorrente de questões físicas.

Um ponto é digno de nota e reclama atenção especial. Trata-se do enfrentamento de problemas operacionais, em especial aqueles que inviabilizam a prática de atos processuais, como previsto no art. 10, § 2º, da Lei nº 11.419/06. Dois casos literalmente “tiram o sono”, especialmente dos advogados: (i) as situações de indisponibilidade do sistema (impossibilidade de acesso ou transmissão de peças); e (ii) os casos de atualização de programas (softwares) que reclamam procedimentos não amigáveis para simples usuários de equipamentos de informática.

Portanto, com a sensibilidade e espírito aberto dos gestores do PJe, e a participação vigilante e construtiva dos vários usuários do sistema informatizado, é perfeitamente possível construir uma transição segura e relativamente tranquila para a implementação e desenvolvimento da informatização do processo judicial no Brasil.

ALDEMARIO ARAUJO CASTRO é Mestre em Direito. Procurador da Fazenda Nacional. Professor da Universidade Católica de Brasília. Conselheiro Federal da OAB.

LUIZ CLÁUDIO ALLEMAND é Mestre em Direito. Advogado em Vitória/ES. Presidente da Comissão Especial de Direito da Tecnologia e Informação do CFOAB. Conselheiro Federal da OAB.

 

Democracia, Jurisdição Constitucional e os Movimentos Sociais no Brasil

 

Por: Christiane Pantoja
Sócia do escritório Siqueira Castro – Advogados em Brasília
Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB/DF

Premissa do modelo democrático é o atendimento ao princípio da separação dos poderes, insculpido na Constituição Federal, e a conseqüente inexistência de autoritarismo por parte de qualquer das instituições que compõem o tripé democrático. Nesse contexto situa-se a suposta crise de legitimidade do Supremo Tribunal Federal diante de decisões de cunho político que ultrapassariam sua esfera de poder e ingressariam no âmbito do poder legiferante.

Os supostos desvios institucionais praticados pelo Poder Judiciário, em especial pelo Supremo Tribunal Federal, têm origem na sabida falta de legitimidade democrática e atuação efetiva dos demais atores do Estado brasileiro, os Poderes Legislativo e Executivo.

As razões à falta de representatividade dos políticos brasileiros encontram-se no denominado Presidencialismo de coalizão que afasta do legislativo a execução das metas ou programas partidários para o alcance de uma maioria que sustente o governo no parlamento. A coalizão, portanto, afasta o legislador da necessária representatividade popular e centra-se em viabilizar os acordos entre partidos, normalmente com a ocupação de cargos no Poder Executivo. A conclusão inafastável é a inexistência de representação efetiva do cidadão no Parlamento para consecução dos objetivos sociais da República, donde o evidente crescimento da atuação do Supremo Tribunal Federal para o alcance dessas metas.

E o Judiciário aparece mediante a prestação jurisdicional para atendimento de demandas de grupos em sede de controle de constitucionalidade de forma a oferecer ao jurisdicionado, em especial às minorias, as respostas a pleitos sociais legítimos não atendidos ou violados pelos demais poderes da República.

Nas palavras do professor Lenio Luiz Streck, “assim como a Presidência da República tem de atender aos pleitos dos partidos, o STF, durante esses mais de vinte anos, acabou por engendrar uma espécie de ‘julgamentos políticos’. Assim,
– o “partido” das nações indígenas foi até o STF e teve suas demandas atendidas;
– o “partido” das cotas queria legitimar as cotas, e deu certo;
– o “partido” das uniões homoafetivas queria que o STF dissesse que união estável era equiparável a casamento, e obteve êxito;
– o “partido” das causas feministas, entre outras coisas, buscou retirar da mulher vitimada por maus tratos a titularidade da representação, e igualmente se saiu bem;
– o “partido” das questões ligadas aos embriões e células tronco, idem;
– o “partido” dos governadores (questões envolvendo guerra fiscal etc.) bateu às portas do STF uma infinidade de vezes;
– o “partido” das reivindicações de prestação de saúde via judicialização também alcançou seu desiderato;
– o “partido” da moralização das eleições foi pressionar para que o STF considerasse constitucional a Lei da Ficha Limpa;
– até mesmo o “partido” do parlamento saiu-se bem, pois, mesmo sem obedecer à Constituição, conseguiu validar quase 500 medidas provisórias graças a uma modulação de efeitos concedida pelo STF.” (1)

Trata-se do fenômeno do ativismo judicial que enseja episódios de grave tensão político-institucional, em especial entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, diante da suposta ingerência do último nas competências do primeiro.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou o mandado de segurança 32.033/DF, da relatoria do Ministro e professor Gilmar Mendes, impetrado contra o Projeto de Lei 4.470/2012, do Senado Federal, que, ao estabelecer que a migração partidária que ocorrer durante a legislatura não importará na transferência dos recursos do fundo partidário e do horário de propaganda eleitoral, acabou por restringir a criação de novos partidos políticos. (2)

Cerne da discussão no âmbito da Corte foi acerca da possibilidade de interferência da jurisdição constitucional no processo legislativo do parlamento.

Prevaleceu, por maioria, o entendimento anteriormente manifestado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido da viabilidade jurídica de paralisação do processo legislativo apenas e tão-somente quando violadas as disposições constitucionais acerca da tramitação processual. Não é possível à Corte analisar a constitucionalidade do mérito, do conteúdo, da proposição legislativa, mesmo que o entenda violador de cláusula pétrea, sob pena de malferimento do princípio da separação dos poderes. Também, o controle prévio ou preventivo de constitucionalidade de projeto de lei deve ser exercido pelo próprio Legislativo e pelo Executivo, nos termos da Constituição Federal.

A resposta do Poder Legislativo ao crescimento da atuação do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, efetiva-se mediante elaboração de normativas tendentes ao controle desse suposto ativismo judicial, como é o caso da Proposta de Emenda Constitucional 33/2011 – PEC 33, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. (3)

Essa proposta de emenda constitucional altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis, condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição.

Sem adentrar no mérito de cada uma das alterações constitucionais pretendidas pela proposta de emenda constitucional 33/2011, interessa ao presente estudo a análise da constitucionalidade da vontade legislativa – mediante constituinte derivado, de alterar o arranjo originário de controle de constitucionalidade previsto na Constituição Federal. Há violação à separação dos poderes inerente ao Estado Democrático de Direito?

Renomados doutrinadores escreveram sobre a matéria. Não há consenso porque o tema perpassa a própria legitimidade do Poder Legislativo diante da falência da real representatividade dos eleitores. Inexistente fosse a ineficácia legislativa ao atendimento das demandas sociais, a PEC 33/2011 teria sem dúvida mais consenso de constitucionalidade. Ocorre que esse não é o caso brasileiro.

O caso brasileiro é de momento histórico de crise do próprio sistema democrático que levou às ruas milhares de cidadãos inconformados com o descaso da classe política.

Os movimentos sociais dos últimos dias demonstram a absoluta falta de credibilidade que o cidadão brasileiro deposita nos representantes do parlamento e do executivo. Daí que a possibilidade de controle pelo Poder Legislativo das decisões do Supremo Tribunal Federal tomadas em sede de controle de constitucionalidade (PEC 33/2011) enseja acirradas reações públicas no sentido da sua inconstitucionalidade, tudo porque permite aos políticos formalmente representativos do povo, mas materialmente em descrédito, adentrar no controle da jurisdição constitucional exercida pelo Poder Judiciário, que detém mais credibilidade por responder às demandas sociais reprimidas no Parlamento e também no Executivo.

No cerne deste ambiente de conturbação sistêmica, está perplexo o mundo jurídico por acordar de uma ilusória maturidade democrática com a missão de encontrar soluções criativas e responsáveis para uma resposta eficaz e constitucional aos anseios populares. Certamente, essas soluções acabarão por desaguar no Supremo Tribunal Federal para análise da respectiva constitucionalidade. Aqui, justo o ativismo.

Diversas foram as saídas políticas e jurídicas apresentadas pela chefe do Poder Executivo Federal, inclusive a realização de uma “constituinte exclusiva” à reforma política que acabou afastada diante do entendimento quase uníssono de inconstitucionalidade.

Outra solução apresentada é a realização de plebiscito para o alcance da vontade popular acerca do sistema político brasileiro. Em que pese o ganho da participação popular no processo legislativo de reforma política que a proposta plebiscitária pretende, não se pode descuidar que a complexidade da matéria poderá ensejar dificuldade na sua concretude.

Caso, todavia, a proposta de plebiscito seja efetivada, será obrigatória a inclusão pelos parlamentares dos resultados das respostas populares na nova normativa acerca do sistema político brasileiro. Não se trata de mera consulta à sociedade civil.

Parece óbvio que a caracterização de simples consulta sem a necessária força compulsória aos parlamentares do que for decidido em sede de plebiscito poderá ensejar o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal contra as normas de reforma política diante da evidente violação do princípio mais fundamental do Estado Democrático de Direito, que legitimou e permitiu a própria existência dos Poderes da República quando da Constituinte Originária, o princípio da soberania popular. Afinal, estabelece o parágrafo único do art. 1º, da Constituição Federal, que todo o poder emana do povo.

A atuação do Supremo Tribunal Federal – da jurisdição constitucional, será, portanto, essencial à consolidação definitiva da vontade popular na construção de bases mais sólidas à democracia brasileira.

Nas palavras do professor Luis Roberto Barroso, “democracia significa soberania popular, governo representativo, vontade da maioria. Da soma dos dois surge o arranjo institucional que proporciona o governo do povo, assegurados os direitos fundamentais de todos e as regras do jogo democrático.”(4)

De somenos importância que o julgamento venha a ser político. O entendimento do fenômeno jurídico há muito deixou a frieza do formalismo clássico e permitiu-se o contágio do componente político no momento da interpretação jurídica efetivada nas decisões judiciais, em especial no âmbito da jurisdição constitucional.

O importante é que o Supremo Tribunal Federal garanta, com ativismo judicial mesmo, a higidez da Constituição Federal e, consequentemente, do Estado Democrático de Direito no Brasil.
Bibliografia Consultada

(1) STRECK, Lenio Luiz. Democracia, Jurisdição Constitucional e Presidencialismo de Coalisão. Observatório da Jurisdição Constitucional. Ano. 6, vol. 1, mai./2013. ISSN 1982-4564.

(2) In: HTTP://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MS_32033.pdf

(3) In: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD26MAI2011.pdf#page=212, p. 2612. Acesso em 25.04.2013.

(4) In: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/115886-bem-justica-e-tolerancia.shtml

SILVA, Paulo Virgílio Afonso. Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-jun-13/virgilio-afonso-silva-professor-usp-comenta-pec-33-embate-poderes. Acesso em 20.06.2013.

BERCOVICI, Gilberto. BARRETO LIMA, Martonio Mont’Alverne. Judiciário e STF não só podem, como devem ser controlados. Disponível em http://www.viomundo.com.br/politica/bercovici-e-barreto-lima.html. Acesso em: 20.06.2013.

Artigo – Advogados não devem assessorar magistrados

Aldemario Araujo Castro
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Professor da Universidade Católica de Brasília
Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/DF)

Brasília, 5 de julho de 2013

No dia 25 de junho do corrente, o Conselheiro José Lúcio Munhoz, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), concedeu medida liminar no Procedimento de Controle Administrativo no 0000706-90.2012.2.00.0000, onde constou: “Ante o exposto e em atenção aos princípios da moralidade, legalidade e igualdade entre as partes, que respaldam a atuação do gestor público, acolho o pedido de medida liminar para, até o julgamento de mérito, determinar ao Egrégio TRF da 2ª Região, em 48 (quarenta e oito horas), que promova a exoneração da ilustre Procuradora da Fazenda Nacional, Dra. Patrícia de Seixas Lessa, para atuar como assessora judiciária perante aquela corte, e a sua devolução respectiva ao órgão de origem, até porque ilegal a cessão referida, diante do que dispõe o art. 7º da Lei 11.890/08” (Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-27/liminar-cnj-proibe-atuacao-procuradora-fazenda-assessora-juiz>. Acesso em: 29 jun. 2013).

A análise dessa questão deve ser balizada por dois conjuntos normativos. O primeiro, de natureza constitucional, consiste na definição das Funções Essenciais à Justiça (arts. 127 a 135). O segundo, no plano legal, consiste nas definições presentes no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei no 8.906, de 1994), notadamente em seu artigo sexto.

Como foi apontado, o constituinte, no Título IV, da Organização dos Poderes, instituiu as chamadas Funções Essenciais à Justiça em capítulo específico (Capítulo IV), ao lado dos capítulos destinados ao Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (Capítulos I, II e III, respectivamente). Segundo a insuperável lição do Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, temos as seguintes Procuraturas Constitucionais no seio das Funções Essenciais à Justiça:

a) a advocacia da sociedade, viabilizada pelo Ministério Público, relacionada com a defesa de interesses sociais com várias dimensões subjetivas, da ordem jurídica e do regime democrático;
b) a advocacia dos necessitados, operacionalizada pela Defensoria Pública, voltada para a defesa dos interesses daqueles caracterizados pela insuficiência de recursos;
c) a advocacia do Estado (ou Advocacia Pública em sentido estrito), instrumentalizada pela Advocacia-Geral da União e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vocacionada para a defesa dos interesses públicos primários e secundários (com a clara prevalência dos primeiros em relação aos últimos, em caso de conflito, em homenagem à construção responsável do Estado Democrático de Direito).

Portanto, não existe o exercício da jurisdição sem o concurso dessas instituições e seus integrantes. Ressalte-se que não há, no desenho constitucional dessas atividades, uma relação de subordinação ou acessoriedade em relação ao Poder Judiciário e aos magistrados.

As relações horizontais, e não verticais ou hierárquicas, entre os magistrados e os integrantes das Funções Essenciais à Justiça estão claramente delineados no Estatuto da Advocacia e da OAB. Com efeito, o artigo sexto dessa último diploma legal consigna: “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Na perspectiva destacada, não parece fazer sentido ou ser razoável que um integrante das Funções Essenciais à Justiça funcione como assessor de magistrado, de qualquer nível ou grau, inclusive nos Tribunais Superiores. Temos, com essa possibilidade, uma diminuição do papel institucional do Ministério Público, da Advocacia (Pública e Privada) e da Defensoria Pública. As necessárias atividades de assessoria de magistrados, notadamente em Tribunais, devem ser exercidas por servidores de carreira recrutados por concurso público para essa finalidade.

O que não parece fazer o menor sentido é focar o debate da questão no plano da moralidade administrativa ou da influência indevida (ilícita) sobre o magistrado tão-somente pelos advogados públicos. Não é possível ou aceitável admitir uma presunção de conduta desviada do advogado público que atua como assessor (o que não deveria existir) impondo ao magistrado assessorado, agente público cercado de garantias funcionais, supostos interesses escusos existentes no âmbito do Poder Público. Instala-se, de forma indevida e perigosa, o império da presunção de adoção de comportamento irregular só, e somente só, pelo cargo público ocupado, mera adjetivação da condição substancial de advogado.

O âmago da problemática, como posto, é de outra natureza. O desenho institucional ofertado pelo constituinte, e explicitado pelo legislador infraconstitucional, reclama a segregação das funções desempenhadas e o mais intenso desempenho de cada uma delas segundo a identidade que lhe é própria. Nessa linha, pouco importa se público ou privado, o advogado, qualquer que seja ele, insista-se, não deve, sob pena de amesquinhamento de sua posição institucional, assessorar ou coadjuvar qualquer integrante ou membro do Poder Judiciário ou das demais Funções Essenciais à Justiça.

Assim, merecem as necessárias revisões as autorizações presentes no artigo sétimo da Lei no 11.890, de 2008, quando admitem as cessões de advogados públicos federais para exercício de cargos comissionados (e, portanto, subordinados) em gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior e no Gabinete do Procurador-Geral da República.

Vale registrar, por fim, que sustento posição estritamente pessoal nas linhas acima lançadas. Não se trata aqui de veiculação de posição do Conselho Federal da OAB, que integro com muita honra, ou da Comissão Nacional de Advocacia Pública do CFOAB, que presido com igual júbilo.