Honorários sucumbenciais não são receita pública

Não obstante a Advocacia Pública seja tratada na disciplina constitucional como função essencial à Justiça, ao lado do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia stricto senso, o desígnio de tratamento isonômico entre essas carreiras está longe de ser implementado.

Os advogados públicos possuem entre suas funções a defesa do regime democrático, a viabilização das políticas públicas, o controle de legalidade e constitucionalidade dos atos administrativos, entre outras atribuições indispensáveis para toda a sociedade. Todavia, fato é que o Governo Federal e outros entes federados estão descumprindo com o que determina a Constituição e as leis.

A titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência, aqueles fixados pelo juízo no processo contencioso em que a Fazenda Pública seja vencedora, aos Advogados Públicos é um dos vilipêndios à legalidade.

Alguns governos declaram, unilateralmente, ao alvedrio da lei, que enxergam os honorários advocatícios como “receita pública”. Embora o façam sem qualquer respaldo legal, face o que determina a Lei n.° 8906/94, assim tem ocorrido diante da inércia que dificulta a mudança de certos paradigmas, ainda que bastante frágeis em suas bases.
A Lei n.º 8.906/94, também conhecida como o Estatuto dos Advogados ou da Ordem dos Advogados do Brasil, deixa claro que os honorários pertencem ao advogado, sem fazer qualquer ressalva, seja ele público ou privado, assim dispondo:

Art. 3º […]
§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.

Art. 24 […]
§ 3º É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.

Uma interpretação literal, sistemática e teleológica dos dispositivos transcritos afasta qualquer celeuma interpretativa, ficando evidente que o legislador fixou, de forma intencional, específica e redundante, a titularidade dos honorários ao advogado. Não obstante tal entendimento, fato é que algumas questões merecem um olhar mais detido.

Primeiramente, registre-se que esses honorários, os sucumbenciais, não integram a remuneração do Advogado Público, ou seja, não integram a remuneração paga pela Fazenda Pública ao seu “servidor”. Isso porque os honorários sucumbenciais não são pagos pelos cofres públicos, e sim pela parte contrária, vencida na demanda.

Segundo, enquanto a remuneração dos advogados públicos tem caráter administrativo, os valores recebidos como honorários sucumbenciais tem características civis. Tratando-se de elemento do custo do processo[1], ao lado das demais despesas processuais com que a parte deve arcar.

Acrescente-se que é a natureza do representante judicial (o fato de ser advogado) e não a natureza da parte (ser entidade pública ou privada) que importa para aferição do direito aos honorários. Assim, os Advogados Públicos, como são Advogados, regularmente inscritos na OAB, submetidos ao Estatuto, tem a titularidade dos honorários.

De outro giro, as diretrizes do CPC dão relevo ao aspecto da prestação do serviço. É nesse contexto de valoração do “zelo profissional”, do “trabalho realizado pelo advogado” e, mormente, diante da absoluta falta de lei autorizadora, que causa estranheza a apropriação desses honorários sucumbenciais como “receita pública”.

A tentativa de subordinar a sua percepção, pelos advogados públicos, às normas orçamentárias estatais e às exigências relativas à fixação de vantagens remuneratórias para os servidores públicos configura-se como evidente apropriação indébita. Reforça-se que os honorários sucumbenciais não decorrem do regime de contratação ou da política de remuneração estatal, tratando-se de retribuição profissional específica dos advogados, de caráter civil, fixada caso a caso pelo Poder Judiciário e devida pela parte vencida.

Se o fundamento dos honorários sucumbenciais é a lei civil, e não lei de caráter administrativo, e sendo os advogados públicos, identicamente advogados, submetidos à mesma “lei civil” que os advogados “privados” nesse e em outros pontos, devem receber os honorários.

Com base nessas premissas constata-se que o não recebimento fere o direito à propriedade, uma vez que o estatuto prevê que os honorários pertencem ao advogado, como direito autônomo. E nesse ponto repise-se: sendo a Fazenda Pública vencedora da lide, a verba sucumbencial é solvida pelo perdedor da lide, o que fulmina a argumentação de que esse valor seria integrado aos cofres públicos, uma vez que não advêm de qualquer ato praticado pela administração.

Como se observa, os honorários são direito autônomo dos advogados públicos e a transformação deles em verba pública configura verdadeira expropriação de recursos cuja titularidade é do advogado. Assim não fosse, não deveria a parte perdedora da lide sequer pagar os honorários, eis que não há previsão legal de pagamento de honorários para outra pessoa ou entidade que não o profissional advogado.

Soma-se a isso o fato de que o pagamento dos honorários aos Advogados Públicos pode funcionar como mais um estímulo ao melhor desempenho possível, uma vez que somente serão pagos nas ações em que a Fazenda Pública sair vitoriosa. Nesse sentido, no contexto de uma administração gerencial voltada a resultados, nunca se poderia entender o pagamento dos honorários aos Advogados Públicos como hipótese de se estar abrindo mão de recursos públicos (em verdade os recursos são dos advogados, como já constatado), mas sim deveria ser visto como um investimento em melhores resultados.

A identificação de que devem ser advogados esses profissionais que atuam na defesa jurídica do Estado não deve servir apenas para a existência de pré-requisito específico nos concursos públicos, mas também para lhes garantir os direitos que exsurgem dessa mesma condição. Os honorários advocatícios são o fruto do trabalho de um profissional e sendo fruto de um trabalho profissional devem ser pagos ao próprio profissional.

Uma Advocacia Pública forte significa que a sociedade terá uma melhor defesa do seu patrimônio. Portanto, investir nos advogados públicos é investir no interesse público, no melhor controle da legalidade e de constitucionalidade dos atos administrativos, na melhor solução dos litígios, na defesa dos valores republicanos e do regime democrático.

Inclusive, a continuar essa lógica, as partes vencidas que litigam contra a Fazenda Pública, a qual não destina esses valores aos seus Advogados Públicos, também estariam sendo lesadas, uma vez que não justifica o pagamento de honorários ao respectivo ente federado, mas sim ao advogado público.
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[1] LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Honorários Advocatícios no Direito Processual Civil Brasileiro. 2006. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p.10.

Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional, presidente do Forúm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz)

Fonte: Conjur