Artigo – Advogados não devem assessorar magistrados

Aldemario Araujo Castro
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Professor da Universidade Católica de Brasília
Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/DF)

Brasília, 5 de julho de 2013

No dia 25 de junho do corrente, o Conselheiro José Lúcio Munhoz, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), concedeu medida liminar no Procedimento de Controle Administrativo no 0000706-90.2012.2.00.0000, onde constou: “Ante o exposto e em atenção aos princípios da moralidade, legalidade e igualdade entre as partes, que respaldam a atuação do gestor público, acolho o pedido de medida liminar para, até o julgamento de mérito, determinar ao Egrégio TRF da 2ª Região, em 48 (quarenta e oito horas), que promova a exoneração da ilustre Procuradora da Fazenda Nacional, Dra. Patrícia de Seixas Lessa, para atuar como assessora judiciária perante aquela corte, e a sua devolução respectiva ao órgão de origem, até porque ilegal a cessão referida, diante do que dispõe o art. 7º da Lei 11.890/08” (Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-27/liminar-cnj-proibe-atuacao-procuradora-fazenda-assessora-juiz>. Acesso em: 29 jun. 2013).

A análise dessa questão deve ser balizada por dois conjuntos normativos. O primeiro, de natureza constitucional, consiste na definição das Funções Essenciais à Justiça (arts. 127 a 135). O segundo, no plano legal, consiste nas definições presentes no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei no 8.906, de 1994), notadamente em seu artigo sexto.

Como foi apontado, o constituinte, no Título IV, da Organização dos Poderes, instituiu as chamadas Funções Essenciais à Justiça em capítulo específico (Capítulo IV), ao lado dos capítulos destinados ao Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (Capítulos I, II e III, respectivamente). Segundo a insuperável lição do Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, temos as seguintes Procuraturas Constitucionais no seio das Funções Essenciais à Justiça:

a) a advocacia da sociedade, viabilizada pelo Ministério Público, relacionada com a defesa de interesses sociais com várias dimensões subjetivas, da ordem jurídica e do regime democrático;
b) a advocacia dos necessitados, operacionalizada pela Defensoria Pública, voltada para a defesa dos interesses daqueles caracterizados pela insuficiência de recursos;
c) a advocacia do Estado (ou Advocacia Pública em sentido estrito), instrumentalizada pela Advocacia-Geral da União e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vocacionada para a defesa dos interesses públicos primários e secundários (com a clara prevalência dos primeiros em relação aos últimos, em caso de conflito, em homenagem à construção responsável do Estado Democrático de Direito).

Portanto, não existe o exercício da jurisdição sem o concurso dessas instituições e seus integrantes. Ressalte-se que não há, no desenho constitucional dessas atividades, uma relação de subordinação ou acessoriedade em relação ao Poder Judiciário e aos magistrados.

As relações horizontais, e não verticais ou hierárquicas, entre os magistrados e os integrantes das Funções Essenciais à Justiça estão claramente delineados no Estatuto da Advocacia e da OAB. Com efeito, o artigo sexto dessa último diploma legal consigna: “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Na perspectiva destacada, não parece fazer sentido ou ser razoável que um integrante das Funções Essenciais à Justiça funcione como assessor de magistrado, de qualquer nível ou grau, inclusive nos Tribunais Superiores. Temos, com essa possibilidade, uma diminuição do papel institucional do Ministério Público, da Advocacia (Pública e Privada) e da Defensoria Pública. As necessárias atividades de assessoria de magistrados, notadamente em Tribunais, devem ser exercidas por servidores de carreira recrutados por concurso público para essa finalidade.

O que não parece fazer o menor sentido é focar o debate da questão no plano da moralidade administrativa ou da influência indevida (ilícita) sobre o magistrado tão-somente pelos advogados públicos. Não é possível ou aceitável admitir uma presunção de conduta desviada do advogado público que atua como assessor (o que não deveria existir) impondo ao magistrado assessorado, agente público cercado de garantias funcionais, supostos interesses escusos existentes no âmbito do Poder Público. Instala-se, de forma indevida e perigosa, o império da presunção de adoção de comportamento irregular só, e somente só, pelo cargo público ocupado, mera adjetivação da condição substancial de advogado.

O âmago da problemática, como posto, é de outra natureza. O desenho institucional ofertado pelo constituinte, e explicitado pelo legislador infraconstitucional, reclama a segregação das funções desempenhadas e o mais intenso desempenho de cada uma delas segundo a identidade que lhe é própria. Nessa linha, pouco importa se público ou privado, o advogado, qualquer que seja ele, insista-se, não deve, sob pena de amesquinhamento de sua posição institucional, assessorar ou coadjuvar qualquer integrante ou membro do Poder Judiciário ou das demais Funções Essenciais à Justiça.

Assim, merecem as necessárias revisões as autorizações presentes no artigo sétimo da Lei no 11.890, de 2008, quando admitem as cessões de advogados públicos federais para exercício de cargos comissionados (e, portanto, subordinados) em gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior e no Gabinete do Procurador-Geral da República.

Vale registrar, por fim, que sustento posição estritamente pessoal nas linhas acima lançadas. Não se trata aqui de veiculação de posição do Conselho Federal da OAB, que integro com muita honra, ou da Comissão Nacional de Advocacia Pública do CFOAB, que presido com igual júbilo.