O Título IV da Constituição regulamentou e disciplinou a Organização dos Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário. Incluindo, ainda, capítulo específico relacionado às Funções Essenciais à Justiça. Essa sistematização foi observada visando atender os preceitos modernos do Estado Democrático de Direito.
Isso porque, Montesquieu, ao descrever sua teoria sobre a Tripartição dos Poderes, já alertava sobre a possibilidade de, em determinada época, haver prevalência de um Poder em relação aos demais. Os freios e contrapesos seriam a forma de manter a harmonia. Ocorre que sua teoria teve como parâmetro o absolutismo europeu, necessitando adaptá-la ao surgimento do Estado Democrático de Direito.
Assim, o Poder Constituinte Originário atento às lições de Montesquieu, positivou no artigo 2º da Constituição Federal de 1988, entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a Separação entre os Poderes, que é cláusula pétrea, ante ao que preceitua o art. 60, parágrafo 4º, III, da CF/1988.
Entretanto, o Constituinte não estava satisfeito apenas com essa garantia, necessitando dar maior efetividade a esse equilíbrio inclui na Organização dos Poderes um novo capítulo, Das Funções Essenciais à Justiça.
Nesse novo Capítulo o Constituinte incluiu órgãos e instituições que possuem atribuições de defender a sociedade, o Estado, os hipossuficientes e o cidadão, dentro de um mesmo patamar hierárquico, exigindo um entrelaçamento dessas funções.
Logo, no cenário político nacional após a Constituição de 1988, o equilíbrio e harmonia entre os Poderes, dentro de uma perspectiva do Estado Democrático de Direito, será concretizado, também, através das Funções Essenciais à Justiça.
Outrossim, o desígnio “Justiça” não teve um alcance restrito, de prestação jurisdicional, mas sim de isonomia, imparcialidade, preservação dos direitos, eliminação da ingerência do Estado, cidadania e democracia, o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto convencionou chamar de “Estado de Justiça”.
Nesse sentido, o Poder Judiciário não é o único responsável pela prestação da Justiça, necessitando da intervenção do Ministério Público, da Advocacia Pública, da Defensoria Pública e da Advocacia Privada, como garantidores e defensores dos interesses da sociedade e do Estado. Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao discorrer sobre o papel afeto às Funções Essenciais à Justiça consigna que[1]:
“Sem esses órgãos, públicos e privados de advocacia, não pode haver justiça, aqui entendida como a qualidade ética que pretende exigir do Estado pluriclasse quanto à legalidade, à legitimidade e à licitude. E porque essa justiça só pode vir a ser realizada em sua essencialidade se dispuser dessas funções, autônomas, independentes, onipresentes, e, sobretudo, corajosas, o legislador constitucional as denominou de ‘essenciais à justiça’ (Título IV, Capítulo IV, da Constituição).”
Mais a mais, pode-se acrescer, ainda segundo as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[2]:
“Não haja dúvida de que, ao recolher, na evolução teórica e prática do constitucionalismo dos povos cultos, novíssimas expressões institucionais, como o são a participação política e as funções essenciais à justiça, o Constituinte de 1988 deu um passo definitivo e, oxalá, irreversível, para a preparação do Estado brasileiro do segundo milênio como um Estado de Justiça, aspiração, como se expôs, mais ambiciosa do que a realização de um Estado Democrático de Direito, que naquela se contém e com ela se supera.”
A positivação do Ministério Público ao lado das novas instituições Constitucionais, Advocacia Pública, Defensoria Pública e Advocacia stricto senso veio concretizar a intenção de justaposição dessas funções, tendo entre suas atribuições a defesa da Justiça.
A intenção do Legislador Constituinte, ao incluir a Advocacia Pública entre as Funções Essenciais à Justiça, foi criar um órgão técnico capaz de prestar auxílio ao Governante e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses sociais.
Considerando que o Estado Brasileiro é constituído pela República Federativa do Brasil, organizado político-administrativamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme preconiza o art. 1º c/c artigo 18, da CRFB, as políticas planejadas, desenvolvidas e executadas pelos Entes Federados, comumente referidas como políticas públicas, decorrem da repartição de competência administrativa e legislativa da Federação Brasileira. Diante dessa perspectiva é dever dos Advogados Públicos darem suporte à execução orçamentária de todas as políticas públicas, desde que as ações sejam Constitucionais e legais.
A atuação da Advocacia Pública na fase do planejamento, da formação, e da execução da política pública propiciará um planejamento estratégico do Estado, a redução de demandas e dos desvios. Isso porque, sua atuação deve transcender a defesa míope do Governo, ajudando atender as atribuições que o Estado moderno requer, precipuamente, a viabilização das políticas públicas em favor da sociedade, o que, em última análise, importa em resguardar o interesse público, consubstanciado pela defesa do bem comum.
Ante ao exposto, é necessário dotar o Estado de condições mínimas para efetivar as atribuições Constitucionalmente descritas, cabendo à Advocacia Pública exercer papel estratégico na defesa do patrimônio público, dos interesses dos cidadãos e da Justiça.
Para a concretização dessas atribuições é necessária a garantia de uma Advocacia Pública independente. Isso não quer dizer que a escolha da política a ser executada deixará de ser feita pelo representante do povo, legitimamente eleito, o qual tem o direito de indicar sua equipe de governo. Todavia, a atuação de um profissional técnico, imparcial e altamente qualificado, não sujeito às pressões políticas, trará um ganho de qualidade para a política pública escolhida.
Essa concepção decorre de um processo de reflexão do papel Constitucional atribuído à Advocacia Pública. É natural que no processo de formação e amadurecimento das atribuições institucionais, de um órgão recente na história do nosso país, haja uma evolução interna e externa do seu papel.
Hoje visualizamos com mais clareza o papel Constitucional destinado à Advocacia Pública, de defesa do Estado sem descurar da defesa do cidadão e da sociedade. A defesa do patrimônio público, interesse público secundário, não pode contrapor arbitrariamente aos legítimos interesses da sociedade, interesse público primário, cabendo aos Advogados Públicos resolverem o respectivo conflito dentro do que determina a Constituição e as leis.
Esse controle decorre do dever mediato de defesa da Justiça, insculpido quando o Legislador Constituinte inseriu a Advocacia Pública em um Capítulo à parte do Poder Executivo, Função Essencial à Justiça, havendo um imbricamento de justaposição, ou seja, necessidade de defesa do Estado, desde que a ação não transborde os preceitos Constitucionais e legais.
Nesse pormenor, o combate à corrupção e à impunidade é realizado no dia a dia da Advocacia Pública. As premissas do Estado Democrático de Direito, o anseio de justiça, a efetivação da igualdade, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência são princípios inseridos na Constituição e defendidos pela Advocacia Pública, no exercício do seu papel de Função Essencial à Justiça, garantindo o respeito à lei e à Constituição dos atos do Poder Público.
Considerando essas premissas, pode-se dizer que a Advocacia Pública Federal, através da atuação da Advocacia-Geral da União, tem fortalecido seu papel de controle do desvio do dinheiro público. Vale destacar que entre 2002 a 2011 a AGU já recuperou R$ 1,5 bilhão de recursos desviados da União, tendo bloqueado, só no ano de 2011 R$ 600 milhões.
A construção de uma Advocacia Pública conforme os anseios Constitucionais têm sido feita gradativamente. Para o bem do nosso Estado Democrático de Direito é necessário que essa mudança ocorra o mais rápido possível e em todos os níveis de Governo.
[1] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Constituição e Revisão: Temas de Direito Político e Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 31.
[2] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As Funções Essenciais à Justiça e as Procuraturas Constitucionais. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo: n. 36, dez. 1991, p. 13.
*Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional e presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal.
Revista Consultor Jurídico, 26 de dezembro de 2011