Por Patricia Garrote*
O Poder Judiciário praticamente detém o monopólio e a confiança da sociedade na solução de litígios. O cidadão que procura a Justiça outorga a um juiz poderes para solucionar controvérsias que, sozinho, não consegue resolver. Esta é a chamada Justiça Estatal, que utiliza procedimentos previstos em lei para tentar oferecer à sociedade a almejada paz social.
No entanto, a cultura de acionar o Estado a cada conflito acaba sobrecarregando o Poder Jurisdicional, acarretando atrasos crônicos na solução dos litígios, que podem tramitar por anos e até décadas. A conseqüência é a descrença da população na Justiça — e na justiça de modo geral, comprometendo desde a proposta original do Estado até o aparato judicial à disposição do cidadão, sistema reconhecidamente lento, ineficiente e por vezes injusto.
O Conselho Nacional de Justiça divulgou informação de que no ano passado, em média, cada magistrado brasileiro cuidou de aproximadamente seis mil processos, enquanto cada desembargador cuidou de cerca de dois mil. Ao todo, foram ajuizados 17,7 milhões de processos na Justiça Estatal durante o ano de 2010. É um dado alarmante, ao mesmo tempo preocupante, já que no Brasil há apenas 8 juízes para cada 100 mil habitantes.
Não é por outra razão que desde 1996 a sociedade conta com alternativa segura e mais rápida de solução de conflitos: a arbitragem, comumente utilizada por diversos países, conhecida como Justiça Privada, praticada por particulares que litigam sobre direitos disponíveis. A vantagem é que as partes escolhem seus árbitros, com capacidade de sanar o conflito em até seis meses. A Lei de Arbitragem completará 15 anos no próximo dia 23. Penso que é chegada a hora de reconhecer e divulgar essa eficiente alternativa de solução de conflitos tão pouco praticada em nosso país.
A título de esclarecimento, arbitragem nada mais é que a tentativa de equilibrar a vontade das partes através de um procedimento mais simples e célere. Só que antes de iniciá-lo os litigantes devem renunciar à Justiça Estatal, celebrando o chamado compromisso arbitral por meio de cláusula compromissória, convencionando previamente que os conflitos resultantes da relação jurídica entabulada serão dirimidos pelo Juízo Arbitral, nos termos da Lei de Arbitragem, podendo ser indicada a Câmara de Arbitragem escolhida, cuja deliberação final terá o mesmo valor de uma decisão judicial.
A principal característica positiva da arbitragem é que a pessoa ou as pessoas escolhidas pelas partes para dirimir conflitos serão as mesmas do princípio ao fim, emprestando maior confiabilidade ao procedimento, o que, infelizmente, não acontece nas questões levadas ao Judiciário, em que o juiz que iniciou o procedimento pode não ser o mesmo que proferirá a sentença, fato que se revela no mínimo injusto, já que, supõe-se, o juiz que teve acesso ao caso desde seu início é quem melhor conhece o processo, as partes e o direito sub judice — mesmo que não se lembre dos nomes dos envolvidos, devido à tremenda quantidade de casos que é obrigado a apreciar e julgar anualmente.
Outro ponto positivo e bastante animador é que a arbitragem possui tempo certo para terminar, de seis meses ou outro previamente pactuado pelas partes, sob pena de nulidade, o que obriga os árbitros a se dedicar com mais profundidade e atenção ao deslinde da questão, pois há um prazo a cumprir. Ainda, de relevância máxima, da decisão emanada não cabe recurso, em total contraponto ao que ocorre no Judiciário, onde, após a sentença proferida, por vezes protelada por anos a fio, a possibilidade de interposição de incontáveis recursos manobrados por advogados pode ampliar e prolongar indefinidamente a solução do litígio.
É o caso, por exemplo, do locador que ajuíza ação de despejo contra um inquilino que não paga aluguel nem desocupa seu imóvel. A citação pode demorar de um a seis meses, ou mais tempo, já que o locatário não tem o menor interesse de receber a intimação judicial e foge do Oficial de Justiça. Então, devidamente citado, o locatário possui quinze dias para pagar o que deve ou contestar a demanda, prazo este a contar da juntada da certidão de citação pelo Oficial de Justiça aos autos, o que pode levar de dez a vinte dias.
Assim, após meses, ou anos, de inadimplência e volumes e mais volumes de documentos e petições, recursos incidentais protelatórios, réplica, tréplica, memoriais, audiências e alegações finais, o juiz finalmente sentencia favoravelmente ao locador. Feliz, ele acredita que está a um passo de receber o dinheiro devido e ter seu imóvel desocupado para, finalmente, poder alugá-lo para um inquilino mais honesto.
Ledo engano. O advogado da parte contrária interpõe recurso de apelação no último dos quinze dias que teria para cumprir a sentença, geralmente com efeito suspensivo, paralisando o processo. Na segunda instância, os autos levam cerca de três meses para ser autuados e receber contrarrazões. Conclusos, pode levar meses, e até anos, até a decisão final do Tribunal ou do STJ.
Enquanto isso, o locador fica à mercê do locatário, que ocupa a propriedade alheia sem nada pagar e acha isso normal, talvez crível na impunidade de seu ato. No final, mesmo com o acórdão favorável irrecorrível transitado em julgado proferido pela instância superior (passível de ação rescisória no prazo de dois anos), o locador se vê diante do impensável: a dívida é estratosférica e o inquilino não tem dinheiro para pagar, não possui ativos financeiros na conta-corrente nem bens para penhora.
Ou seja, o processo demorou tanto que quando a tutela pleiteada finalmente foi concedida chegou-se à conclusão de que o direito nada vale, vez que impossível de ser executado, e o prejuízo se mostra imensurável, emocional e financeiramente.
Indiscutivelmente, o sistema judiciário brasileiro não comporta nem suporta a incessante demanda de processos judiciais, tratados em sua maioria com frieza e distância, não por falta de vontade dos operadores do Direito, mas por reconhecida total insuficiência de recursos humanos e administrativos. Além disso, vale dizer que cada incidente, cada petição protocolada adia ainda mais a solução do conflito, amontoando-se páginas e mais páginas de documentos e volumes, impedindo que a justiça finalmente seja feita e o bem triunfe sobre o mal.
Já no procedimento arbitral tal não acontece, vez que o processo é dinâmico, um tanto quanto informal e bastante eficiente, com prazo certo para terminar, o que, como é de se presumir, minimiza a desavença, o desgaste emocional e o prejuízo material dos litigantes.
No exemplo acima descrito, se no contrato de locação constasse cláusula compromissória devidamente pactuada, ao menor sinal de inadimplência e dificuldade de receber o imóvel, o locador poderia procurar a Câmara de Arbitragem de sua escolha, que enviaria notificação ao locatário narrando a situação, solicitando seu comparecimento ao local em dia e horário previamente definidos para realização de tentativa de conciliação, sob pena de revelia, podendo a parte se fazer acompanhar de advogado e/ou árbitro de sua confiança.
Comparecendo, iniciar-se-ia o procedimento arbitral com prazo de seis meses para prolação da decisão. O árbitro, juiz de fato da câmara escolhida, proferiria a sentença arbitral irrecorrível, título executivo judicial, nos termos do artigo 475-N, IV, do Código de Processo Civil, podendo o devedor ser condenado pelo Poder Judiciário a desocupar o imóvel sob pena de coerção policial e a pagar o débito em quinze dias, sob pena de penhora.
Importante registrar que apenas direitos disponíveis e transacionáveis são resolúveis pela arbitragem, como, à guisa de ilustração, aqueles referentes à propriedade intelectual, marcas e patentes, franquias, sociedades empresariais, responsabilidade civil, reparação de danos, seguros, convênios, consórcios, condomínios, negócios imobiliários (compra, venda, aluguel, comodato, posse, incorporação etc), comércio exterior, contratos e negócios jurídicos, defeitos na fabricação e fornecimento de produtos e serviços em geral, etc. Ou seja, não são passíveis de arbitragem direitos indisponíveis, como os inerentes ao Direito de Família.
Como se pode ver, o objetivo maior da arbitragem é compor a vontade das partes sob princípios de liberdade, autonomia e boa-fé. Assim, é impensável transacionar se não há vontade ou interesse de fazê-lo. Como fazer acordo com quem não deseja transacionar? Impossível. A alternativa, neste caso, fracassadas as tentativas de conciliação, é recorrer ao Judiciário para solução do conflito. Porém, se existe cláusula compromissória ou arbitral chancelada pelos litigantes naquele negócio jurídico em discussão, à qual devem se submeter, o caso não poderá ser levado à Justiça Comum.
Contudo, engana-se quem pensa que arbitragem é um procedimento desordenado. Muito pelo contrário. A Lei de Arbitragem, como todas as leis, possui regramento próprio, enumerando preceitos e procedimentos a serem seguidos para que o resultado final produza os efeitos legais desejados. Ou seja, não é um método livre de normas e isento de riscos. A maneira como é realizado pelas partes, árbitros e advogados pode até ser mais livre, prática e informal, mas deve obedecer a princípios e limites previamente estabelecidos.
O procedimento é praticamente igual ao da Justiça comum: começa com alegações iniciais de ambas as partes, cabendo-lhes direito a contestação, réplica e tréplica. Realiza-se audiência, há oitiva de testemunhas, depoimento pessoal das partes, faz-se juntada de documentos e pode haver até perícia técnica, terminando, no prazo fixado, com a decisão irrecorrível proferida pelo Juízo Arbitral devidamente chancelada pelo cartório da Câmara de Arbitragem.
Sobre esse item, imperioso destacar que cabem embargos de declaração no prazo de cinco dias para correção de erro material existente na decisão arbitral, que deverá ser feito em até dez dias. Com a sentença, extingue-se o feito e a relação processual. A decisão possui poder executivo reconhecido pela lei processual civil.
Diante do exposto, conclui-se que a arbitragem revela-se plenamente capaz de dirimir, em menor tempo e de forma segura, as mais diversas divergências e controvérsias do mundo jurídico, merecendo ser divulgada, conhecida e amplamente utilizada pela parcela da sociedade que busca agilidade e eficiência na solução de seus conflitos. A arbitragem não concorre com a Justiça Comum; muito pelo contrário, colabora desafogando o Poder Judiciário, oportunizando a mediação, nos termos da hodierna proposta do CNJ.
Não é de hoje que a conciliação é a melhor e mais rápida maneira de alcançar a paz social, bastando, para isso, interesse e desejo genuínos das partes litigantes e o reconhecimento estatal de que a Arbitragem é uma grande aliada na busca pela paz social.
*Patricia Garrote é advogada
Fonte: Conjur