Brasília, 19/07/2011 – O jogo caminhava para o final e os torcedores já comemoravam o título. O time adversário ataca e, após uma jogada confusa na pequena área, árbitro e bandeirinha confirmam um gol para a equipe visitante. A confusão é formada. Os dois são cercados e a partida é interrompida. Mais tarde registram queixa na delegacia de Polícia. Com o exame de corpo de delito, entram na Justiça para pleitear indenização alegando agressão física e verbalmente. Não ganharam.
Os desembargadores da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entenderam o xingamento como “um exercício do direito de torcer” e que, no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, é comum e aceitável xingar o árbitro, os bandeirinhas, os técnicos e até mesmo os próprios jogadores. “E é comum e normal porque a sociedade aceita e endossa esse tipo de conduta, ao contrário das agressões físicas, que não tiveram a autoria comprovada.”
Os incidentes ocorreram durante a final do campeonato municipal amador de São José do Hortêncio, no interior gaúcho, entre o Fluminense local e o Jaketakevá. Não importa. Poderia ter ocorrido em uma hipotética final entre Corinthians e Flamengo, os times com as maiores torcidas no Brasil, pela final do campeonato brasileiro. “Atos de intolerância dos torcedores em resposta à determinada decisão do árbitro, que desencadeiam, não raras vezes, xingamentos em coro, não podem ser considerados causadores de dano moral”, destacaram os julgadores. Para eles, a discussão verbal ficou “dentro dos limites da disputa”.
Mais complexa, no entanto, é a pendência judicial envolvendo Robinho, o craque do Milan e da Seleção Brasileira e a multinacional Nike. Há 10 dias, a Justiça holandesa condenou o jogador a cumprir o contrato assinado entre as partes e voltar a usar o material esportivo fornecido pelo seu patrocinador, sob pena de uma multa diária em torno de R$ 700 mil. A decisão foi mais um capítulo na disputa entre o jogador e a multinacional. O craque brasileiro quer a rescisão do contrato por falta de pagamento de uma parcela vencida em março. Também reclama que o contrato teria terminado em dezembro do ano passado, mas foi prorrogado automaticamente.
No tribunal holandês, o fabricante sustentou que não pagou por não ter recebido do jogador ou de seus procuradores a respectiva fatura (nota fiscal) e que a prorrogação automática, até 2014, nada mais é do que um direito previsto no contrato assinado em inglês. Mas a versão do documento em português é diferente, principalmente nos pontos que estão sendo questionados pelo jogador. A pendência promete desdobramentos, agora nos tribunais brasileiros, em processo movido pelo jogador na 5ª Vara Cível de Santos.
Visto da arquibancada, o futebol parece ser um jogo simples, um bom entretenimento, temperado com muita paixão que não acaba ao final dos 90 minutos. Mas é bem mais do que isso. Se a decisão tomada pelos desembargadores gaúchos reconhece e reafirma a grande influência do futebol no contexto social brasileiro, a pendência entre o craque e a multinacional mostra que por trás existe um mundo complexo e que movimenta todos os anos uma montanha de dinheiro. Há muito o futebol tornou-se um mundo à parte. Um mundo grande, envolvente e nem sempre transparente, com tentáculos que se estendem bem além das quatro linhas. Não é por acaso que ele, o futebol, aparece cada vez mais fora das páginas esportivas, com destaque no noticiário econômico e nos sites de informação jurídica. Virou assunto para economistas e também para advogados.
Não é para menos. O volume de receitas na temporada passada do futebol europeu chegou a 16,3 bilhões de euros (R$ 37 bilhões). Os dados mostram que a liga inglesa continua imbatível no topo da lista, com faturamento de 2,5 bilhões de euros (R$ 5,6 bilhões), seguida pela liga alemã, com R$ 1,7 bilhão de euros (R$ 3,8 bilhões). Só a TV participou com 4 bilhões de euros (R$ 8,9 bilhões) da arrecadação total das cinco maiores ligas de futebol, que, juntas, bancam uma folha salarial equivalente a 5,5 bilhões de euros (R$ 12,3 bilhões).
No Brasil, os números são menores, mas não menos impressionantes. Em 2009, os 20 maiores clubes do futebol brasileiro geraram uma receita de R$ 1,11 bilhão, um crescimento de 70% em apenas cinco anos. São Paulo e Internacional lideram a lista, com receitas de R$ 160,6 milhões e R$ 142,2 milhões, respectivamente. O tamanho do mercado verde e amarelo é estimado em R$ 1,7 bilhão — ante R$ 2,23 bilhões movimentados no ano passado pelo futebol francês, o quinto maior mercado europeu. É muito dinheiro, embora, reconhecidamente ainda bem abaixo do seu potencial.
As cifras envolvidas e a complexidade de um mercado em franca expansão abriram um novo campo para a advocacia, o Direito Esportivo, muito além das questões citadas acima em apenas dois exemplos originados nos tribunais brasileiros. É uma área relativamente nova, ainda com um número reduzido de profissionais em relação ao bolo, mas que está sendo apontada como a “bola da vez”. Até mesmo por uma questão de calendário. Nos próximos cinco anos, o Brasil vai sediar três entre os maiores eventos esportivos do mundo — Copa das Confederações, em 2013, Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
A rigor, esporte e Direito encontraram-se pouco antes de o Brasil conquistar o seu quarto título mundial. A aproximação foi feita pela Lei Pelé, que sepultou a chamada Lei do Passe (Lei 6.354/76) e provocou profundas mudanças nas relações entre clubes e jogadores. Chegou a ser saudada como “a carta de alforria” para o jogador de futebol, mas introduziu novos elementos entre “as regras do jogo”, bem além daquelas 17 estabelecidas pela International Board e colocadas à disposição de árbitros e bandeirinhas.
Cláusula indenizatória e compensatória, vínculo e direitos federativos, contratos de intenção, direito de imagem e de arena, são expressões e normas cada vez mais presentes no noticiário esportivo, embora ainda causem estranheza, mesmo para quem está mais próximo das quatro linhas. Somam-se temas como patrocínio, licenciamento e proteção de marcas, além de regras já consagradas no Direito Civil, como o Direito Empresarial e Tributário, cada vez mais acompanhadas da expressão desportivo.
Se antes da Lei Pelé a atuação do advogado se dava mais em questões disciplinares, decididas no âmbito da Justiça Desportiva, hoje ocorre nas mais diversas áreas do Direito Trabalhista, Administrativo e Tributário, além de lidar também com questões que envolvem o Direito Internacional e o doping. Não demora e serão chamados a atuar também em questões ambientais ligadas aos desportos. É prudente estar preparado para os novos desafios.
Abaixo sugestões de leitura sob um tema cada vez mais presente nas discussões envolvendo o futebol:
Legislação de Direito Desportivo — Coleção Saraiva de Legislação
Todo o aparato legal relativo ao tema, incluindo a legislação sobre o doping nas atividades desportivas.
Direito Processual Desportivo — Scheyla Althoff
Conceituação, objetivo e interpretação da legislação desportiva e sua relação com o Direito Constitucional.
Direito Desportivo: Novos Rumos — Álvaro Melo Filho
A análise dos principais temas da legislação desportiva, em linguagem voltada para magistrados, membros do Ministério Público, advogados e profissionais que atuam no sistema desportivo brasileiro.
Consentimento do Ofendido e Violência Desportiva — Fernando Capez
A violência nos esportes e diversos outros impasses na área desportiva à luz da legislação penal.
Audiolivro: Direito Desportivo — Rodrigo Wertz
Formato e conteúdo voltado para atletas de futebol, técnicos, agentes, dirigentes de clube e estudantes. Destaques para os temas concentração e pagamento de “bichos”.
Comentários ao Estatuto de Defesa do Torcedor — Sérgio Santos Rodrigues
Todos os artigos do Estatuto com foco não apenas no torcedor, como também na organização de eventos desportivos.
Direito à Imagem no Direito Civil Contemporâneo — Regina Sahm
As espécies de imagem e as cláusulas gerais e de princípios norteadores do sistema jurídico brasileiro.
Contrato de Trabalho Desportivo — Fábio Menezes de Sá Filho
As particularidades no contrato de trabalho dos atletas profissionais introduzidas pela Lei Pelé.
Leis Antidoping — Alberto Puga
A legislação e as instituições que atuam no controle do doping na área esportiva.
Direito de Imagem e Direito de Arena no Contrato de Trabalho do Atleta Profissional — Jorge Miguel Acosta Soares
Duas entre as principais fontes de receita dos atletas exploradas com profundidade, a partir da natureza jurídica dos dois institutos.
Direito do Atleta — Alan Menezes Pessotti
Uma tentativa de harmonizar o Direito Esportivo com os demais ramos do Direito. O autor ressalta que a Lei Pelé rege o desporto nacional, mas não exaure a sua matéria jurídica. Como anexo, modelos de contratos de atletas profissionais e diretrizes estabelecidas pela FIFA.
Fonte – Robson Pereira da ConJur